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Salgueiro: Advogado condena chacina e relata faltar socorro em São Gonçalo

Do UOL, em São Paulo

22/11/2021 18h57Atualizada em 22/11/2021 18h57

O advogado criminalista Joel Luiz Costa avaliou que os corpos encontrados em um mangue no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), são o resultado de uma chacina na região, como relatado por moradores da comunidade.

Em entrevista ao UOL News Tarde, o co-fundador do Instituto Defesa da População Negra destacou que a informação sobre o número de mortos ainda é desencontrada, já que os policiais continuam uma operação no conjunto de favelas e contou que, segundo testemunhas, o Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro ainda não compareceu à região em que as vítimas estão concentradas.

"A princípio, temos oito corpos; também não dá para ficar mensurando quantas pessoas foram vitimadas até o momento, mas há informações, por exemplo, de que pessoas feridas ainda estão no mangue, que há outros corpos no mangue, e isso ainda precisa ser verificado", defendeu Joel.

"Entretanto, o Corpo de Bombeiros local, segundo informações dos moradores, tem se negado a entrar na favela e a prestar o socorro. A gente não sabe se há uma decisão de instâncias superiores ou se é porque a polícia ainda está no local e há uma operação em curso, mas a gente precisa que o estado dê uma posição realmente sólida sobre isso, tanto para os moradores do Salgueiro como para todos os moradores do estado do Rio de Janeiro", argumentou.

Procurado pelo UOL, o Corpo de Bombeiros negou que houve qualquer tipo de omissão e explica que houve um processo burocrático a ser respeitado antes que qualquer ação fosse colocada em prática.

"Ontem à noite houve uma operação da PM; a PM foi embora, mas, naquele momento, não teve nenhum acionamento de socorro. Já hoje de manhã, os moradores estavam querendo que os bombeiros fossem até o local para retirar os corpos, mas esses corpos têm que ser periciados. A perícia dá uma guia e, com essa guia, o rabecão do Corpo de Bombeiros pode recolhê-los", diz o texto.

"Existe esse processo, é uma cena de crime. Por volta das 8h40, foi feita uma força-tarefa: dois carros dos bombeiros já ficaram nos arredores, e, logo após a perícia, esses corpos foram retirados. Quatro foram para o IML de São Gonçalo e quatro para o IML de Tribobó, totalizando oito corpos", finaliza a resposta oficial.

Semelhanças?

O advogado também comparou os acontecimentos deste final de semana com os da chacina de Jacarezinho, em 6 de maio deste ano. O que começou como uma operação para cumprir 21 mandados de prisão, contra suspeitos de participação no tráfico, virou a ação mais letal da história do Rio de Janeiro, com um total de 28 mortos — 27 moradores da comunidade e um policial civil.

Eu considero, sim, uma chacina. E é uma chacina que acontece em um momento em que a gente nem teve uma resposta sobre Jacarezinho. A gente se debruça sobre uma nova chacina, executada por agentes do estado. Lembrando que, no Brasil, não há pena de morte; então toda morte ocorrida em uma ação policial deve ser verificada.
Joel Luiz Costa, co-fundador do Instituto Defesa da População Negra

Ele ainda destacou na entrevista ao UOL News que os corpos já recuperados no Salgueiro não foram oficialmente identificados e que o processo de reconhecimento das vítimas é "cruel", deixando famílias em dúvida por horas.

"Esses corpos ainda estão pendentes de identificação no IML da região, então não temos uma identificação e nem uma estimativa de quando isso vai acontecer. Pegando como exemplo Jacarezinho, os primeiros corpos levaram 12 horas para ser identificados, levando de 24 a 36 horas para que tivéssemos todos os envolvidos identificados. O que parece algo ruim do ponto de vista de informação, mas, na verdade, é algo cruel. Você imaginar que tem corpos ali, que estão sob a tutela do estado e tem familiares que não sabem quem são esses corpos, se é ou não um familiar", concluiu.

Complexo do Salgueiro

Joel também deixou claro que, apesar da presença do tráfico no Salgueiro, a criminalidade não representa uma parcela majoritária das favelas e que a ação da polícia no estado não visa solucionar conflitos, mas confrontar os supostos responsáveis, sem resguardar a vida da população.

O novo episódio no complexo começou no sábado (20), quando equipes do Batalhão de São Gonçalo foram "atacadas nas proximidades de uma área de mangue com mata", culminando na morte do sargento da PM Leandro da Silva, de acordo com informações da própria corporação.

Ontem, o Bope (Batalhão de Operações Especiais) esteve na região após a PM receber informações de que um dos homens envolvidos na morte ainda estava ferido, no interior da comunidade.

Ainda que seja uma região dominada pelo tráfico, ou milícia, ou qualquer outra facção do tráfico do Rio de Janeiro, como a maioria das favelas é, o tráfico é uma minoria dentro dessas territorialidades. A gente tem uma estimativa de 2 milhões de pessoas morando nas favelas do Rio de Janeiro, a gente não pode dizer nem que 10% delas compõem o tráfico — até porque seriam 200 mil [pessoas], seria 4 vezes maior que o grupamento da PM do Rio. Não existiria Rio de Janeiro.

"Então, há um comando do tráfico no local, mas é um número reduzido comparado aos moradores, e, ainda assim, a atuação do estado é muito mais bélica, no sentido de confronto e de exterminar o inimigo, do que no sentido de resolução dos conflitos que ali existem", argumentou o advogado, lembrando que o garoto João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, foi morto, também no Salgueiro, em maio de 2020, durante uma operação conjunta das polícias Civil e Federal.

"É a mesma comunidade onde o João Pedro foi assassinado, há pouco mais de 1 ano, com 70 tiros desferidos contra sua casa, em uma casa em que só havia crianças. E é um local de vulnerabilidade social. (...) A gente precisa cobrar do estado que, por mais que eles entendam que há necessidade de ocupar para prestar um serviço de segurança pública, que o faça com cuidado, resguardando a vida de quem ali mora. O que não tem sido feito".

Decreto assinado na pandemia

O advogado também lembrou que as operações policiais feitas durante a pandemia deveriam estar em conformidade com a ADPF 635 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em agosto de 2020.

A ação restringe a realização de operações policiais nas comunidades do estado do Rio de Janeiro a não ser em caráter extraordinário, comunicando ao Ministério Público.

"Vale lembrar que essas chacinas foram desenvolvidas no escopo da famosa ADPF das Favelas, que impede operações policias de maneira irrestrita durante a pandemia. Ou seja, as operações policiais em território de favela devem ser justificadas por serem essenciais, não pode ser uma coisa cotidiana. Então, o que foi definido pelo ministro Fachin e pelo STF é que as polícias do Rio justifiquem ao Tribunal de Justiça e ao Ministério Público o porquê dessas operações, e isso não acontece", lamentou.

"Nós temos que questionar o Ministério Público e o TJ por que isso continua acontecendo e o porquê dessas instituições, que têm o dever de coibir essas ações arbitrárias, não o fazerem".

Ao UOL, a Polícia Militar afirma que foi até o conjunto de favelas para uma operação de "estabilização" e que as vítimas morreram em um confronto.