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Boate Kiss: 'A gente entrava se arrastando para tirar pessoas', diz barman

Érico Paulus Garcia, barman na festa quando houve o incêndio da Kiss - Reprodução/TJRS
Érico Paulus Garcia, barman na festa quando houve o incêndio da Kiss Imagem: Reprodução/TJRS

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

03/12/2021 20h02Atualizada em 03/12/2021 20h44

O policial militar Érico Paulus Garcia, 30, disse que se arrastou dentro da boate Kiss para resgatar possíveis sobreviventes na noite de 27 de janeiro de 2013. Porém, durante a madrugada, acabou sendo impedido por bombeiros de voltar a entrar porque afirmaram que quem estava lá dentro já estava morto. Ao todo, 242 pessoas morreram e outros 636 ficaram feridos na tragédia em Santa Maria (RS), há mais de oito anos.

O PM é a décima pessoa a prestar depoimento no julgamento dos quatro réus acusados pelo incêndio na casa noturna. O Tribunal do Júri tem previsão de durar 15 dias.

No dia do incêndio, Garcia trabalhava como barman na Kiss e explicou que estava ao lado do palco onde se iniciou o fogo. O policial presenciou quando o réu e vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, ergueu o artefato em direção ao teto e o momento da primeira faísca, seguida do alastramento das chamas.

"Inicialmente pegou na espuma, mas ela se manteve por alguns segundos, sei lá, uns 15 segundos, em um volume pequeno e, do nada, simplesmente expandiu muito rápido", disse o policial militar.

Um colega dele tentou encher um balde de água para tentar jogar nas chamas, mas o fogo se alastrou rapidamente, seguido da fumaça tóxica. "A gente ficou ali, fiquei olhando para o Marcelo, que tirou o negócio da mão, alguém alcançou o extintor para ele e ele tentou usar, não sei se não soube usar ou se não funcionou, quando ele viu que não dava ele largou no chão e todo mundo já começou a sair."

Após conseguir deixar a casa noturna, o barman se deparou com o sócio da Kiss, Elissandro Spohr, desesperado por não haver localizado a esposa, grávida. Pouco tempo depois, Garcia tampou boca e nariz com uma camiseta e retornou para a Kiss para ajudar na retirada das pessoas.

A gente começou a entrar rastejando por baixo, eu e algumas pessoas, para puxar as pessoas que estavam caídas ali. Eu ficava dez minutos lá dentro e tinha que sair para tomar um ar, nesse meio tempo eu troquei três vezes a camiseta porque chegava uma hora que a camiseta não filtrava tanto [o ar]. A gente tirou muita gente, todo esse tempo."
Érico Paulus Garcia, barman em 2013 na Kiss

Garcia estima que tenha retirado entre 15 a 20 pessoas, mas não sabe quantas delas, de fato, sobreviveram. Para auxiliar nas buscas, o jovem recebeu uma lanterna de um policial militar e um refletor dos Bombeiros. Passada das 4h, ele contou que teria escutado a respiração de uma pessoa na área VIP. "Eu tentei chegar lá e não consegui, porque eu comecei a ficar com a respiração pesada e saí."

Ao tentar retornar, o barman foi impedido por um bombeiro. "Pela primeira vez eu escutei falarem "não [pode entrar], quem está lá dentro já está morto. Só que realmente já tinham tirado 12 pessoas lá de dentro sem vida e estavam no estacionamento da entrada do Carrefour."

Ele abordou outro bombeiro, que repetiu a mesma frase de que não havia mais ninguém vivo.

"Daí nesse momento um outro bombeiro falou: "Eu tenho um pouco de oxigênio ainda". Daí eu falei: "Dá para mim que eu entro". Daí ele me falou: "A gente não pode emprestar equipamento" e daí eu saí porque era inútil. Não foi deixado entrar mais ninguém lá na boate", relatou o homem.

Garcia foi uma das pessoas a aplicar a espuma, a mando de Spohr. Durante o depoimento, o barman relatou que, inicialmente, tentou reaproveitar uma outra, o que foi abortado já que o material estava muito retalhado.

"Como era muito pedaço, muito diferente, o Kiko falou: 'Não, não ficou bom. Vamos tirar que eu vou comprar espuma nova e a gente vai colar debaixo até em cima'. Eu não me lembro se eu tirei, mas eu que coloquei. Determinado dia a gente chegou lá de tarde e havia aquele rolo de espuma para ser colado. Dai foi eu e o Rogério num dia, e eu e o João [outros funcionários da boate] em outro dia e colamos a espuma lá e também no teto. Tinha um duto de ar que também foi revestido", relatou.