Paraty: Esposa de passageiro relata angústia e diz que não sabia de voo
Tatiana Fogaça, esposa do empresário Sérgio Alves Dias Filho, de 45 anos, passageiro do avião que desapareceu no mar entre Ubatuba (SP) e Paraty (RJ) em 24 de novembro, lamentou a suspensão das buscas pelo marido e pelo copiloto José Porfírio de Brito Júnior, de 20, anunciada pela FAB (Força Aérea Brasileira) no sábado (4). A designer e psicanalista contou ainda que o marido omitiu que iria voltar para o Rio de Janeiro em voo fretado, após viajar a Campinas (SP) a trabalho, e que a falta de informações e de apoio das autoridades dificultaram ainda mais as buscas.
Ontem, um novo comunicado do Comando do 1º Distrito Naval informou que a embarcação "Isabela II", que navegava na área de buscas, avistou um material entre a Ilha de Búzios e a Ilha da Vitória, ao norte de Ilhabela (SP), que supostamente seria parte da asa da aeronave desaparecida.
A equipe de Busca e Salvamento (SAR) da Delegacia da Capitania dos Portos de São Sebastião recolheu e transportou o material que agora será encaminhado ao Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) para perícia.
Familiares seguem pedindo esforços pelas buscas na região.
Sofrimento cotidiano
Em entrevista ao UOL, 11 dias após o acidente, a designer e psicanalista Tatiana Fogaça relembrou a saga de angústia que vem enfrentando há quase duas semanas.
Como tanto eu quanto meu sogro sempre fomos reticentes quanto a voos particulares, em pequenas aeronaves, ele disse no dia que estaria em um voo da Azul e me ligou por volta de 20h20 para dizer que estava embarcando. A gente tinha um protocolo de família em que ele me avisava e avisava o meu sogro no momento em que ele estava decolando, então a gente ficava muito em contato e monitorando, por questão de segurança mesmo.
Por volta de 22h do dia do acidente, estranhando a demora de Sérgio para chegar em casa, ela tentou contato com o marido, sem sucesso. Ela então ligou para a Azul, pesquisando por meio do CPF se o empresário havia comprado uma passagem com a companhia. Ainda nada.
"Eu liguei para a agente de viagens que intermedeia nossas transações aéreas e ela falou: 'Não, ele não comprou comigo'. Mas, por algumas vezes, o Sérgio comprava diretamente de sites. Nesse momento, fiquei nessa loucura de entrar em sites especializados que informam sobre acidentes aéreos e não teve nenhum reportado", explicou.
A corrida por informações teve início. Primeiro, ela foi ao Aeroporto Santos Dumont, onde, em teoria, Sérgio pousaria; depois se dirigiu ao Comar 3 - parte da FAB (Força Aérea Brasileira) responsável por orientar e fiscalizar as atividades técnicas e administrativas do órgão, em nível regional. Em ambos os casos, sem informações sobre acidentes. A torre de controle do aeroporto responsável pelo voo também já estava fechada e só reabriria no início da manhã da quinta-feira (25).
"Liguei para a Polícia Federal e eles disseram que não tinha como me ajudar ou fornecer qualquer informação. Eu tive a ideia de procurar o veículo dele no estacionamento do aeroporto. Aí os funcionários, com base na placa do automóvel, me informaram que esse automóvel não tinha dado entrada lá. Foi quando eu parti para a Polícia Civil", contou a psicanalista.
Do plantonista, ouviu que não conseguiria informações no local e recebeu insinuações sobre um sumiço intencional do empresário.
'Ah, quem sabe seu marido não está com alguém e não avisou?'. Me colocando bem naquele estereótipo da mulher histérica atrás do marido. Porque não tinha dado 24 horas, né? Eu, conversando, defendi que a tese não fazia sentido, já que Sérgio também avisou ao pai, que é hipertenso, com mais de 80 anos, minutos antes de decolar.
Depois de muita insistência, Tatiana conseguiu abrir um Boletim de Ocorrência. Ainda sem respostas, entrou em contato com outras companhias aéreas, mas não houve problema relatado em voos comerciais. Foi quando cogitou que o marido havia pegado um avião particular.
Ele fretou o avião e não falou com a gente porque ele sabia que a gente seria contra, que a gente faria campanha contra ele embarcar.
"Eu tive a ideia de buscar informação no aeroporto de Jacarepaguá (RJ) e saber o que estava acontecendo, por ventilar essa possibilidade de ser um voo fretado. Mas já era madrugada, então eu cheguei e estava tudo fechado, mesma realidade do Santos Dumont", relatou Tatiana.
Dono de hangar avisou sobre acidente
Na companhia de quatro amigas, Tatiana decidiu que não iria esperar até o início da manhã e começou a visitar os hangares do aeroporto em busca do carro do marido, para provar que ele havia embarcado para Campinas (SP) no aeroporto de Jacarepaguá (RJ).
Eu encontrei o automóvel dele em frente ao hangar 37, da Emar Táxi Aéreo, só que estava fechado. Aí eu consegui o número de telefone e atendeu uma pessoa do comercial, que disse que eles não possuíam aeronaves pequenas, só helicópteros, e que eles não tinham comercializado nenhum voo Campinas - Rio.
Já no final da madrugada, uma das primeiras funcionárias a chegar no hangar liberou a entrada de Tatiana para que ela usasse o banheiro. Com ajuda da mulher, ela falou pela primeira vez com um responsável pela torre do aeroporto local, que afirmou que "não sabia de nada" sobre um possível acidente.
Diante da insistência, o plantonista localizou um e-mail do piloto, Gustavo Carneiro, que teve corpo localizado ainda na quinta (25), afirmando que chegaria a Jacarepaguá às 20h, saindo do Aeroporto dos Amarais, em Campinas, oferecendo apenas seu nome e o número da aeronave — o voo, na verdade, atrasou a ponto de decolar depois do horário de chegada no destino.
"Aí eu questionei: 'olha só, você recebeu a informação de que havia a previsão de chegada de uma aeronave. Essa aeronave não chega e nenhum órgão é informado? A resposta dele foi de que voos privados podem mudar o plano de voo e, portanto, eles não são responsáveis por informar as autoridades", relembrou Tatiana.
Já quase na manhã de quinta, o dono do hangar em que o carro de Sérgio estava ligou para informar sobre um suposto pouso de emergência, afirmando que os três tripulantes foram resgatados com vida. Dentro do espaço, a mulher não conseguiu mais informações, já que os funcionários alegaram que não eram responsáveis pelo bimotor e que o espaço era alugado por terceiros.
Tatiana começou a convocar amigos, que a encontraram na porta do hangar, em busca de informações. Um deles conseguiu o telefone de Ana Regina Agostinho, mãe do copiloto José Porfírio Júnior, que também estava em busca das autoridades, dado o desaparecimento do filho, e as histórias se alinharam. "Nesse dia, mais de três aeronaves privadas saíram do Rio de Janeiro para uma varredura nas coordenadas informadas pela mãe do copiloto".
Desfecho e desencontros
Tatiana e Sérgio estão juntos há 21 anos e tem dois filhos: uma menina de 14 anos e um menino de 8. Ela explica que a família tentou se preservar de início para contar a notícia com calma aos familiares, adiando a divulgação do nome do empresário.
A psicanalista lamenta a velocidade com que as autoridades trataram o assunto e começaram as buscas, destacando, no entanto, o apoio do Corpo de Bombeiros.
A informação que eu tive é de que tanto a família do copiloto quanto essa aeronave da Gol reportaram (o acidente) o exato momento que ocorreu. E, para nossa surpresa, essa informação não foi adiante, tanto que nenhuma torre sabia.
Tatiana conta que ficou sabendo sobre a suspensão das buscas por volta de 19h30 de sábado (4), quando recebeu uma ligação da Aeronáutica reforçando a falta de resultados da operação. Mas apenas seis horas antes, a Marinha, que prestava apoio à FAB na operação, tinha dado sinais de que a varredura avançaria, com a disponibilização de um sonar, equipamento que detecta objetos submersos por meio de ondas sonoras.
Eu falei pra Marinha e pra Aeronáutica: 'Vocês estão sonegando, impedindo nosso direito de ter acesso ao desfecho dessa história. Cadê a Anac, cadê os órgãos competentes?'. É uma loucura desmedida pensar que nós estamos no top 5 de malha aérea privada e a gente tem essa negligência desde o início.
Questionada pela psicanalista, a Aeronáutica alegou que não tinha a informação de que a embarcação Graça Aranha participava das buscas. Paralelamente, Tatiana ficou sabendo que o sonar estaria inoperante.
"Então eu retornei a ligação para a Marinha e falei que estava inconformada e sem conseguir entender. Eles me disseram que essa embarcação estava na região para outro trabalho e aproveitou para também mapear o local do acidente. Mas que a missão da Marinha era encontrar vidas. Aí eu falei: 'Se a missão da Marinha é encontrar vidas, por que vocês estão suspendendo a missão? Já que não cumpriram com ela? Não encontraram vida nenhuma'", lamentou.
Ela ainda destaca a falta de informações sobre os passageiros em voos particulares, questionando a segurança do espaço aéreo diante da falta de controle sobre as aeronaves fretadas.
Como eu vou falar para os meus filhos que os órgãos competentes não foram capazes, não estão empenhados em explicar todas essas questões? A esperança deles é de que o pai conseguiu nadar e está numa ilha esperando socorro. Com base em que eu digo que as buscas estão suspensas? É doloroso demais.
Respostas
Em nota ao UOL, a Força Aérea Brasileira (FAB) confirmou que as buscas pelos desaparecidos foram suspensas no final da tarde de sábado (4), afirmando que a área provável da queda foi "completamente coberta, considerando-se as possibilidades de deslocamento em mar aberto", equivalente a 9,7 vezes a área da cidade de São Paulo.
"A FAB se solidariza com as famílias dos ocupantes da aeronave acidentada e ressalta que a operação de Busca e Salvamento pela Aeronáutica poderá ser reativada se justificada por meio do surgimento de novos indícios sobre a aeronave ou seus ocupantes", afirmou o órgão.
Já a Marinha do Brasil publicou ontem que o Navio "Graça Aranha", que continua em uma operação de levantamento hidrográfico na área de busca, permanecerá efetuando varredura na região com auxílio do sonar, negando que ele esteja inoperante.
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