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'Passei dias tentando provar minha inocência', diz preso por foto 3x4

O estivador de navios Alberto Meyrelles de Santa Anna Júnior, 40. - Arquivo pessoal
O estivador de navios Alberto Meyrelles de Santa Anna Júnior, 40. Imagem: Arquivo pessoal

Daniele Dutra,

Colaboração para o UOL, no Rio

13/12/2021 04h00

Acusado de participar de um assalto, o supervisor de cargas sobre rodas Alberto Meyrelles de Santa Anna Júnior, 39, ficou 20 dias preso tendo como única prova contra ele o reconhecimento por uma foto 3x4. Com um habeas corpus concedido no último domingo (5), ele foi solto para responder o caso em liberdade. Ao UOL, ele falou sobre os dias na prisão e o retorno para casa. "Passei dias tentando provar minha inocência", disse.

Homem negro e trabalhador formal há quase duas décadas, Alberto não tem antecedentes criminais e teve a prisão preventiva decretada pela 1ª Vara Criminal de Bangu com base em denúncia feita pelo Ministério Público, em outubro do ano passado, acusado de participação em um assalto à mão armada em Bangu, na Zona Oeste do Rio, em 13 de abril de 2019.

O supervisor se transformou em réu com base somente em reconhecimento fotográfico feito pela vítima do roubo, que o identificou pela imagem de uma foto 3x4 de sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação), que foi encontrada no carro usado pelos assaltantes. Inicialmente, a vítima do assalto havia descrito o assaltante como uma pessoa "de cor negra, altura aproximada de 1,70m, cerca de 25 a 30 anos, gordo, sem barba, cabelo crespo". Meyrelles tem 1,80m e 39 anos.

No entanto, Meyrelles havia perdido a carteira com os documentos, entre eles sua CNH, após também sofrer um assalto em Realengo, bairro próximo a Bangu. O supervisor chegou a fazer o boletim de ocorrência sobre o assalto que sofreu.

O pior de tudo é você ser inocente e ir preso por algo que você não fez, isso que é triste, a maior injustiça. Mas a Justiça não vê isso, não lê o processo. Aí, o pobre que sempre paga pelo erro"
Alberto Meyrelles de Santa Anna Júnior, 39

Apesar de receber o habeas corpus no domingo (5), Meyrelles só foi solto no dia seguinte, por volta das 23h. A família aguardou mais de 14 horas durante toda a segunda-feira (6) na porta do presídio de Benfica, na Zona Norte do Rio, e foi para casa sem ele, que só foi liberado por volta das 23h.

O atraso se deu porque o sistema do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), que faz a assinatura eletrônica para a realização do alvará de soltura, estava fora do ar durante todo o dia.

"Eu dormia, acordava, orava, chorava e pensava: 'será que me esqueceram aqui?'. A demora era muito grande, até mesmo no dia do alvará houve atraso. Mesmo com medo, eu sabia dentro de mim que sairia daquele lugar. Mas uma coisa dessas eu não desejo nem para o meu pior inimigo"
Alberto Meyrelles de Santa Anna Júnior, 39

Prisão

Casado há nove anos, Meyrelles é nascido e criado em Cachambi, na zona norte do Rio. Aos 20 anos se mudou para Realengo, zona oeste da cidade e trabalha no Cais do Porto há quase duas décadas. Ele foi preso na manhã de 17 de novembro quando policiais à paisana foram até a vila onde sua mãe mora em Realengo.

Segundo os familiares, ao chegar no portão, os policiais falaram que tinham um conserto para fazer e só após entrarem na residência informaram que tinham um mandado de prisão para Alberto Meyrelles. O supervisor foi levado para a delegacia de Inhaúma e depois conduzido para o presídio de Benfica, na Zona Norte.

Solto, ele chegou em casa no meio da madrugada de segunda (6) e foi recepcionado por alguns familiares. Na celebração, ele descobriu que a esposa Karine Garcia, que está grávida de quatro meses, espera um menino. Os dois têm uma filha adolescente de 15 anos.

"Chorei muito. Desabei quando vi minha filha e minha esposa. Passar aquele sofrimento, longe delas, é ruim demais. Assim que eu cheguei em casa de madrugada, minha mulher me deu um bastão de fumaça. Quando eu acendi, vi que era uma fumacinha azul, um menino. Fiquei muito emocionado", contou ao UOL.

Dentro da prisão, Meyrelles mudou de cela algumas vezes e dividia o espaço com quatro homens, às vezes cinco ou oito. Os que chegavam à prisão depois dele o reconheciam por conta de reportagens que circulavam na mídia sobre o seu caso.

"A maioria deles acreditava em mim, na minha inocência. Antes de irem presos, eles falaram que tinham visto o meu caso na televisão e falavam: 'você é o negão que tá sendo acusado injustamente? Vi sua história na tv, tamo junto, você vai sair dessa'. Já outros falavam: 'ah você é inocente? Eu também sou', contou.

Para Meyrelles, uma das coisas que o deixou mais tranquilo foi saber, dias depois que estava preso, que assim que fosse solto poderia voltar a trabalhar normalmente. "A empresa entendeu minha situação e disse que meu trabalho estava garantido. Isso me deixou mais tranquilo? saber que todo mundo acreditava em mim", disse o supervisor, que voltou a trabalhar na quinta-feira (8).

Embora esteja em liberdade e tentando voltar à rotina, Meyrelles ainda responde pelo processo, que não tem data específica para ser julgado. "Tomara que eu seja inocentado pra poder voltar a dormir em paz, de cabeça aliviada. É difícil sair na rua e não levar nada, tenho medo de ser assaltado em Realengo novamente. Se acontecer isso de novo, aí babou", disse.