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PM ameaça entregar testemunha de crime aos 'irmãos' do PCC, diz denúncia

MP denunciou 11 policiais militares por suspeita de envolvimento em crimes em Campinas - Leandro Machado/Folhapress
MP denunciou 11 policiais militares por suspeita de envolvimento em crimes em Campinas Imagem: Leandro Machado/Folhapress

Herculano Barreto Filho e Josmar Jozino

Do UOL, em São Paulo, e colunista do UOL

16/12/2021 18h11Atualizada em 16/12/2021 18h11

Um policial militar é acusado de citar "os irmãos do partido", em referência ao PCC (Primeiro Comando da Capital), para ameaçar de morte a uma testemunha de um caso de tortura seguido de assassinato cometido por PMs em uma ocorrência no dia 26 de fevereiro em Mairinque (SP).

O homem ameaçado antes agia como informante, segundo denúncia à qual o UOL teve acesso, oferecida hoje pelo Ministério Público contra 16 policiais militares de Campinas (SP), suspeitos de envolvimento em uma série de crimes, como homicídio, coação de testemunha, fraude processual, organização criminosa e violação de sigilo funcional.

Entre os denunciados, 11 estão presos preventivamente desde 23 de novembro no Presídio Militar Romão Gomes e outros cinco continuam em liberdade. "A cidade de Campinas perde muito com a presença desses maus policiais", disse o promotor Edson Corrêa Batista.

Em depoimento, a testemunha do assassinato, que teve a sua identidade preservada pela reportagem, disse que o episódio em que um policial militar fez referência a integrantes da facção criminosa de São Paulo para ameaçá-lo ocorreu em 11 de agosto em uma abordagem ilegal feita por uma viatura da força tática do 35º BPM, em Campinas (SP).

Na ocasião, disse a testemunha em depoimento, o PM disse que ele iria "morrer na cadeia" por ser delator. Disse, ainda de acordo com o seu relato, que o policial militar ameaçou de entregá-lo aos "irmãos do partido", em alusão ao PCC, que iriam matá-lo.

Posteriormente, após pesquisa feita no Sistema de Informações Operacionais da Polícia Militar, foi comprovado que a viatura usada pelos policiais militares identificados passou pelo mesmo local no mesmo horário por onde transitou o veículo usado pelo informante.

Os policiais militares também são acusados de fazer interceptação ilegal com o auxílio de um aplicativo capaz de rastrear até a câmera do celular dos suspeitos em tempo real.

Policiais militares atuaram de forma organizada, com o intuito de cometerem homicídios, de forma reiterada, de civis supostamente criminosos, simulando confrontos armados revestidos de legalidade, utilizando, ainda, recursos tecnológicos em aparelhos celulares de civis."
Trecho da denúncia do MP

A reportagem não localizou os advogados dos policiais militares presos para que eles pudessem se manifestar sobre o caso.

Farda da PM e pagamento por informações do tráfico

De acordo com a denúncia, os policiais militares contavam com a colaboração desse informante, que posteriormente se tornou testemunha do assassinato.

Em depoimento, ele confirmou que repassava informações sobre pontos de venda de drogas em Campinas (SP) em troca de pagamentos, que variavam de R$ 500 a R$ 1.000, após operações contra o tráfico de drogas.

Ainda segundo a investigação, o informante também usava farda da PM-SP (Polícia Militar de São Paulo) e acompanhava os denunciados em incursões em áreas dominadas pelo tráfico —o uniforme foi apreendido na casa dele em um cumprimento de mandado de busca e apreensão feito pela Polícia Civil em Mairinque (SP).

De informante a alvo da quadrilha

Suspeito de desviar e revender parte da droga apreendida pelos policiais militares na operação, o informante disse em depoimento que passou a ser intimidado pelos policiais militares presos após o homicídio.

Em uma dessas ameaças, informou ter recebido uma chamada de vídeo de um tenente, que ordenou que ele saísse de Campinas (SP) e se livrasse do aparelho celular usado no dia do crime.

Revelou ainda ter sido ameaçado em uma abordagem ilegal feita por PMs, que acessaram o seu telefone para "apagar dados", incluindo os contatos de um cabo da PM e do tenente com quem havia conversado anteriormente.

A testemunha acusa um dos policiais de exigir que ele entregasse uma arma de fogo que seria usada pelos PMs em uma prisão em flagrante forjada por tráfico. Em seguida, segundo a denúncia, um dos PMs teria dito que "a corregedoria não poderia protegê-lo 24 horas" e que ele iria morrer de qualquer forma.

Pelo reiterado envolvimento destes policiais em ocorrências em que há uso de força letal somado à verificada gana de buscar o evento morte (...) e também do sabido monitoramento ilegal, prática de concussão e porte ilegal de arma, a ocorrência de lesão corporal em decorrência de intervenção policial é colocada em xeque quanto a sua legitimidade."
Trecho de documento assinado pelo juiz Ronaldo João Roth

Monitoramento ilegal

Em uma conversa interceptada com autorização da Justiça, um dos policiais militares pergunta "quem está com o carrapato", nome dado ao equipamento de rastreio, segundo a investigação.

Em outro registro monitorado pela investigação, foi possível verificar que os agentes localizaram um veículo roubado estacionado junto ao meio-fio. Contudo, esperam pela saída dos criminosos.

"Em vez de seguirem os procedimentos estabelecidos, os militares preferem agir à margem da legalidade (...). Os policiais militares desejam propiciar situações de flagrância, que, a depender das circunstâncias, induzem que escolhem o desfecho 'morte', já que possuem todas as ferramentas para forjarem condutas e fraudarem ocorrências", diz documento assinado pelo juiz Ronaldo João Roth.

As disputas por poder e dinheiro dentro da principal organização criminosa do Brasil são narradas na segunda temporada do documentário do "PCC - Primeiro Cartel da Capital", produzido por MOV, a produtora de documentários do UOL, e o núcleo investigativo do UOL.