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Ex-cortador de cana, jovem realiza sonho de se tornar médico em PE

Ex-cortador de cana-de-açúcar se forma em medicina - Arquivo pessoal
Ex-cortador de cana-de-açúcar se forma em medicina Imagem: Arquivo pessoal

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

22/12/2021 18h48

Anos 29 anos, o médico Wellington Gomes é motivo de orgulho para a família, que mora no município de Ribeirão (PE), região da zona da Mata do estado. Filho de pais analfabetos, é ex-cortador de cana —trabalho herdado da família e que lhe garantiu a possibilidade de mudar de vida. O jovem se formou em medicina em uma cerimônia realizada no último dia 13, no Recife. Agora, a meta dele é dar qualidade de vida ao pai comprando um sítio para tirá-lo do corte de cana-de-açúcar.

Grande parte de suas lembranças é em uma casa no próprio engenho em que ele, os pais e irmãos trabalhavam no corte de cana-de-açúcar. Foi em um dos dias de trabalho exaustivo, embaixo do sol escaldante, que decidiu estudar mais para conseguir ter uma profissão que pudesse mudar a realidade da família.

"Era por volta das 11h, e eu meio tonto por conta do cansaço, os olhos escureciam, passando mal. Eu disse: 'painho, não quero mais isso para mim não. Eu quero uma vida melhor, eu vou estudar'. Ali eu não tinha definido que seria médico, eu só queria uma vida melhor", diz.

A motivação em vestir o jaleco e salvar vidas ficou ainda maior quando sua mãe adoeceu. Ali, tinha certeza do que queria e garantiu a ela que seria médico. "Hoje, cumpri a promessa que fiz a minha mãe de ser médico".

Gomes ia de bicicleta da zona rural para estudar no colégio na cidade. Nem mesmo os dias de chuva, quando a estrada estava cheia de lama, o impediam de ir às aulas. "Certa vez, eu me sujei todo de lama já perto de chegar à escola e não voltei para casa. Fui assim mesmo", conta. Ao concluir o ensino fundamental, o jovem se matriculou em uma escola integral para reforçar os estudos e conseguir passar no vestibular.

Soube do processo seletivo da UPE (Universidade Estadual de Pernambuco) no último dia de inscrição, quando estava no primeiro ano do ensino médio. Sem dinheiro para pagar a taxa de R$ 110, trabalhou o dia todo com o pai cortando cana-de-açúcar.

No segundo ano, eu perdi o vestibular, pois minha mãe estava na UTI e depois faleceu, e eu estava sem cabeça. Concluí o ensino médio e fui morar no Recife para fazer cursinho. Passei em engenharia, mas não era o que eu queria. Tentei três vezes e consegui entrar em medicina.

Com a nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), conquistou uma bolsa de estudos pelo Prouni e entrou em uma universidade privada. A residência médica foi feita no hospital-escola do Imip (Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira), especializado em atendimentos obstétricos e pediatria de alto risco e também referência em transplantes de rins e fígado.

Durante o curso, o jovem diz ter passado por diversos obstáculos. Entre eles, o tecnológico —afinal, não tinha computador para estudar antes das aulas— e o financeiro.

Meu pai não podia me ajudar e eu também nunca disse a ele que passava por situação financeira difícil no Recife para não preocupá-lo. Fui monitor de cursinho, dei aula particular a três estudantes que passaram em medicina e trabalhei até em estacionamento para conseguir o básico para meu sustento.

Para manter sua moradia no Recife ele também passou por uma seleção. O jovem morou na Casa do Estudante do Nordeste e, depois, na Casa do Estudante de Pernambuco. Ele disse que as instituições foram essenciais para conseguir se tornar médico.

Dificuldades desde o berço

Os pais se casaram muito novos --a mãe com 12 anos e o pai com 13 anos-- e nunca estudaram. O casal teve cinco filhos e o sustento da família veio com a lida na cana-de-açúcar em um engenho na zona rural de Ribeirão. A mãe do jovem médico faleceu aos 33 anos, com problemas respiratórios.

Dos cinco filhos, apenas Gomes e o irmão mais novo, de 24 anos, conseguiram concluir o ensino médio e ingressaram em um curso superior. O irmão dele está concluindo o curso de letras.

Nasci e morei no engenho. Tínhamos uma vida difícil. O meu pai era safrista, trabalhava na época da safra da cana e ficava seis meses desempregado. Se já era difícil viver com um salário mínimo com uma família com cinco filhos, imagine quando ele ficava os seis meses desempregado. A gente catava banana verde e pescava no rio para comer.

Os primeiros atendimentos

O jovem começou a atuar como médico no dia seguinte em que obteve o CRM —registro profissional no Conselho Regional de Medicina, obrigatório para exercício da profissão—, em 25 de novembro. Agora, aguarda ansiosamente o primeiro salário para auxiliar nas finanças da família e realizar sonhos pessoais.

"Fiquei muito feliz no primeiro plantão que dei no hospital da minha cidade. Foi um plantão cansativo, pois chegou mais paciente que o movimento normal. Atendi umas 80 pessoas", contou o médico, que virou assunto na cidade.

Como médico da família, ele já consultou o avô, uma tia e vários parentes. "Fui tirar plantão em Gameleira, cidade que meu avô mora, e o encontrei na praça. Ele contou a todo mundo que o neto estava de plantão no hospital e havia mais gente lá", disse, sorrindo.

O novo médico afirmou que, durante a graduação, a lembrança da mãe sempre esteve presente e reforçava o objetivo dele para superar os obstáculos. E é diante da educação que recebeu dos pais que conta que sempre caminhará com os "pés no chão".

"Meu pai ficou muito feliz na minha formatura. Ele sempre fala para que eu mantenha o pé no chão. E a parte mais importante: [fala] para eu me lembrar de onde eu vim, da educação que recebi", afirma.

Já a cerimônia oficial da formatura foi um dos momentos mais emocionantes já vividos. Os colegas o aplaudiram diante da história de perseverança dele, o que emocionou a ele e toda sua família.

Atualmente, Gomes faz plantões nos hospitais dos municípios de Ribeirão, Gameleira (PE) e Primavera (PE). Para o futuro, seus planos envolvem especialização em cirurgia plástica ou cardiologia.