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Órgão federal emitiu alertas de risco, mas chuva superou previsões na BA

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

28/12/2021 04h00Atualizada em 28/12/2021 14h11

Municípios do sul e sudoeste da Bahia foram alertados pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), desde do dia 20 de dezembro, de que chuvas intensas iriam atingir a região. Entretanto, o volume em alguns locais foi maior que o previsto, o que causou destruição em várias localidades.

O mês de dezembro já é considerado o mais chuvoso registrado nos últimos anos na região. Segundo o Cemaden, a média histórica é de 150 mm nesse período. Porém, até ontem (27), várias cidades já registraram acumulo de água superior a 400 mm (veja lista abaixo). Cada milímetro equivale a um litro de água em um metro quadrado.

O UOL teve acesso a três notas técnicas produzidas pelo Cemaden e compartilhadas com o Cenad (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres), ligado ao Ministério do Desenvolvimento Regional —e responsável pelos contatos com as defesas civis dos estados e municípios.

Os documentos foram emitidos entre 20 e 23 de dezembro e indicam que havia em curso uma formação meteorológica intensa prevista para atingir o estado. Segundo o Cemaden, mais de 75 alertas foram emitidos a prefeituras.

Mapa do Cemaden mostra, em 20 de dezembro, formação de chuva forte - Cemaden - Cemaden
Mapa do Cemaden mostra, em 20 de dezembro, formação de chuva forte
Imagem: Cemaden

O primeiro documento do Cemaden, do dia 20, foi uma nota técnica sobre a previsão de chuvas intensas.

Intitulado "Risco de novas inundações e deslizamentos de terra na Bahia nos próximos dias", o documento diz: "muito provável ocorrência de chuvas volumosas, especialmente entre os dias 24 e 25 de dezembro, [que] permitem identificar um ALTO RISCO de ocorrência de novos deslizamentos de terra e inundações".

O segundo documento, do dia 21, amplia o período de chuva previsto — para 24 a 26 de dezembro. "O Cemaden recomendou fortemente a manutenção em campo das equipes de apoio que atuaram nas últimas inundações e a manutenção do estado de alerta da Defesa Civil do Estado da Bahia", afirma.

O terceiro e último, do dia 23, afirma que "se espera um agravamento da situação a partir da próxima sexta-feira 24 de dezembro, com possibilidade de se estender durante vários dias, em princípio até a próxima terça-feira 28 de dezembro."

Em termos gerais, alguns modelos preveem acumulados inferiores aos apontados nos dias anteriores, mas, mesmo assim, existe probabilidade de chover em torno de 200 mm no sul da Bahia nos próximos 3 a 5 dias."
Alerta emitido pelo Cemaden

"O que vimos foi uma chuva intensa prevista, mas que veio maior que os modelos previstos. Em algumas áreas da Bahia choveu em um dia o que deveria chover no mês", afirma José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden.

Em pelo menos duas cidades, entre os dias 24 e 27, choveu mais que o previsto nos modelos máximos previstos:

  • Em Valença foram 215 mm (corresponde a mais do que o triplo da climatologia de dezembro, de 64,9mm); e
  • Em Ilhéus, 209 mm.

A chuva medida, porém, pode ter sido bem maior em algumas localidades, visto que nem todas as cidades têm estação meteorológica. "Nesses pontos, a gente não sabe da quantidade. Pode ter acontecido de ter chovido mais, o Cemaden mantém risco de desastre", afirma.

Os alertas servem para minimizar os danos, não é possível zerá-los. Mas não fossem esses alertas, o resultado seria muito pior. Temos ainda cidades não preparadas, ou sem a Defesa Civil para receber essa informação. E há uma dificuldade histórica em retirar moradores de áreas de risco."
José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento no Cemadem

Chuva registrada em municípios da Bahia dezembro (em mm):

  • Itamaraju - 781,81
  • Ilhéus - 633,52
  • Guaratinga - 472,41
  • Porto Seguro - 448,82
  • Vitória da Conquista - 412,64
Homem carrega cama em cima dos ombros após estragos das chuvas em Itabuna, na Bahia - Amanda Perobelli/Reuters - Amanda Perobelli/Reuters
Homem carrega cama em cima dos ombros após estragos das chuvas em Itabuna
Imagem: Amanda Perobelli/Reuters

Muita de uma só vez

Mais importante que o volume do mês, diz Marengo, é como essa chuva é distribuída em termos de tempo e local. Primeiro porque o risco de desastre se a chuva cai em uma área de risco ou perto de rios é sempre muito maior.

"O problema não é tanto o volume, mas como é distribuída. Se a chuva cai em pouco tempo, tem um potencial para causar desastre natural maior. Se essa chuva se concentra em dois dias, por exemplo, as barragens são destruídas pela força dela", explica.

Nessas áreas, ele diz que o alerta se torna mais importante. "E aí não só da chuva, mas de movimento de massa, inundações, enxurradas. Esses são os desastres que matam mais pessoas no Brasil. Ainda falta um pouco de preparação, com pessoas morando em áreas de risco", conclui.

Apesar de parecer erro de previsão, Marengo cita que não há tecnologia possível de prever com exatidão fenômenos naturais, ainda mais com os eventos extremos ocorrendo com mais frequência.

"Você reduz o impacto [com as previsões], mas não zera; e isso não é só no Brasil. Neste ano, na Alemanha, morreram muitas pessoas como consequência da inundação. E lá havia sido feita uma previsão, mas a chuva foi maior do que se esperava", relata.

Para ele, isso não quer dizer que a previsão é mal feita, mas sim "que a natureza fez muito mais do que esperávamos."

A nossa preocupação é que está se observando que esses fenômenos estão ficando cada vez mais extremos, e as pessoas estão ficando mais vulneráveis. Isso aconteceu há pouco não só na Alemanha, mas na França, na China, nas Filipinas --onde tivemos 300 mortes--, nos EUA --que com as melhores tecnologias registrou 40 mortes
José Marengo

Fenômeno é raro

O que ocorreu na Bahia este ano, afirma Marengo, é algo raro. Estamos no verão, que é a estação chuvosa do sudeste do Brasil —que também pega o sul da Bahia. "Nessa época ocorre regularmente a zona convergência do Atlântico Sul, mas que este ano ficou mais ao norte do era esperado", diz.

Em regra, as chuvas nessa época deveriam ficar mais concentradas em estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, mas esse ano houve uma mudança.

"Na verdade, o verão é chuvoso e sabemos pelo histórico. Mas esse volume de chuva além do esperado é esse fenômeno extremo. E chover em um ou dois dias o que deveria chover no mês, não tem barragem que aguente: aí vem enchentes e movimento de massa", finaliza.

20 mortos e 470 mil atingidos, segundo Defesa Civil estadual

Segundo balanço da Defesa Civil da Bahia, divulgado ontem, 20 pessoas morreram em decorrência das fortes chuvas na Bahia, que deixaram 358 feridos e atingiram mais de 470 mil pessoas.

O órgão já contabiliza mais de 60 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas, segundo levantamento com dados enviados pelas prefeituras e consolidados pelo governo do estado. Todos tiveram de deixar suas casas, mas, no caso dos desabrigados, os cidadãos necessitam de assistência do governo para ter uma moradia temporária. Já são 116 municípios afetados — 100 deles decretaram situação de emergência.