"Água subiu no teto, só não perdi o cão", conta vítima das enchentes em MG
O caseiro José Pereira de Jesus, 62, lavava com paciência as roupas sujas de lama na manhã da última quinta-feira (13). Do lado de fora da sua pequena casa, na área rural de Nova Serrana (MG), a 120 km de Belo Horizonte, ele expôs a cômoda, a geladeira e alguns utensílios menores para tentar aproveitar o sol que aparecia pela primeira vez em dias.
Foi o pouco que conseguiu salvar da enchente do final de semana, em decorrência das fortes chuvas que atingem Minas Gerais desde novembro --a geladeira ainda é dúvida. Como ele, milhares de pessoas tiveram de deixar suas casas no período chuvoso, que destruiu pontes e estradas e já deixou 19 mortos só neste ano, segundo a Defesa Civil.
"Água chegou no teto"
Quando o temporal apertou, na última sexta (7) à noite, não deu tempo de fazer muita coisa. Zé, como pede para ser chamado, mora próximo a um afluente do rio São João, que transbordou no final de semana e inundou mais de uma cidade na região.
"Quando vem, vem tudo de uma vez. Você só consegue sair. A água veio tão grande que chegou no teto, encharcou tudo", conta o caseiro. "Perdi todos os mantimentos, a televisão, o baú ficou inundado e o celular não funciona mais. A geladeira também parou, mas acho que consigo trocar o motor."
Na pressa, conseguiu sair para uma casa vizinha, mais alta, com a roupa do corpo, o passarinho e o cachorro, Junior - "esse não larga, vai dar ousadia". O nível passou a baixar no sábado (8), mas, com a continuidade das chuvas, no domingo (9), ainda passava da cintura.
Zé só voltou na terça (11), quando a chuva tornou-se espaçada, para recolher o que cabia. Até quinta ainda era possível ver a marca da lama tanto no na parte de fora quanto dentro da casa.
"Está até um mau cheiro, né? Foi o que ficou", diz o caseiro ao mostrar seu quarto, com o colchão, ainda úmido, virado sobre a janela para pegar sol.
Pintado de lama
Presente nas casas, pontes e placas da estrada, a cor marrom e a textura espessa da lama deixaram a paisagem na região de Nova Serrana e Pará de Minas monocromática. Banhada pelos rios São João e Pará, a área foi uma das mais atingidas pelas enchentes na última semana.
Em Conceição do Pará, onde os dois rios se encontram, mais de 30 famílias tiveram de deixar suas casas - algumas por abalo na estrutura, outras pelo risco - e temporariamente alocadas na creche municipal da cidade.
O auxiliar de obra João Carlos, 34, que mora na área rural do município, teve a parte mais baixa da casa, onde costumava almoçar com a família, submersa e parte da casa alagada. Perdeu móveis e eletrodomésticos. Como uma das pilastras rachou, teve de sair.
"Uma [chuva] dessa assim eu nunca tinha visto. Era um barulho que parecia que tudo ia cair", conta João, que promete reparar a pilastra para voltar para casa o quanto antes.
Mesmo baixando, o rio Pará, no entanto, segue acima do nível. O UOL procurou a prefeitura de Conceição do Pará para saber quantas pessoas ao todo foram retiradas, quantas ainda precisam ser removidas e qual a expectativa em relação ao rio, mas não teve resposta.
"Já tinha acontecido, mas não assim"
O mecânico Levi Costa, 62, também começou a lavar as coisas da sua oficina no meio da semana, com a diminuição das chuvas. Ele trabalha e mora à frente de onde o afluente do São João cruza a rodovia MG-423.
Com o alto volume de chuva, o canal não deu conta e criou uma espécie de represa involuntária --na direção de onde vive Levi. Do outro lado, parte da rodovia cedeu no sábado e formou uma grande cratera, deixando só um sentido liberado.
"A gente já reclamou disso para a prefeitura, com o governo, mas não mudam. Problema de cheia já tinha acontecido, mas não assim. Dessa vez desceu tudo de uma vez, eu corri, mas não consegui salvar nada da oficina, fiquei até com medo de ser levado", conta o mecânico.
Na casa dele, um pouco mais alta, só a cozinha alagou. Na oficina, no entanto, perdeu dois motores de carros, entre outras peças. Ele diz ainda não ter estimado o prejuízo.
"O que dava para boiar, boiou. Foi até pneu de caminhão embora, imagina", conta Levi enquanto mostra as marcas de lama nos carros.
O UOL procurou a Prefeitura de Nova Serrana, mas também não teve contato até o fechamento da matéria.
Mais de 15 mil tirados de casa e 19 mortos
As chuvas se intensificaram em Minas Gerais no final de novembro de 2021. Só em 2022, de acordo com a Defesa Civil estadual, cerca de 15 mil pessoas foram tiradas de suas casas por causa de enchentes e 19 morreram em decorrência dos temporais.
Atualmente, há mais de 300 cidades em estado de emergência e diversos pontos de interdição nas rodovias do estado, seja por desmoronamento ou queda da pista.
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