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Chuvas no RJ: Contrato de R$ 8,5 milhões tem indícios de direcionamento

Alagamento na cidade de Miracema, uma das contempladas com maquinário alugado pelo governo do Rio - Reprodução
Alagamento na cidade de Miracema, uma das contempladas com maquinário alugado pelo governo do Rio Imagem: Reprodução

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

28/02/2022 04h00

A Secretaria Estadual das Cidades do Rio de Janeiro fez neste mês uma contratação relâmpago, sem licitação, para envio de maquinário de apoio a municípios do noroeste fluminense castigados pelas chuvas. O contrato tem indícios de direcionamento para a empresa vencedora.

Por um mês de serviços, a Geo Ambiental Empreendimentos LTDA receberá R$ 8,5 milhões pelo aluguel de tratores, retroescavadeiras e caminhões, entre outros equipamentos, com a mão de obra inclusa.

A pesquisa de preços realizada pela Secretaria das Cidades durou menos de 24 horas, contrariando decreto estadual que prevê um mínimo de cinco dias, mesmo em contratações emergenciais.

Também não há no processo administrativo da pasta nenhum documento detalhando as propostas de outras duas empresas que teriam apresentado valores maiores do que o da Geo Ambiental.

Tanto a secretaria quanto a empresa negam quaisquer irregularidades.

'Risco iminente de tragédia'

A Secretaria das Cidades usou um sistema interno para efetuar, a partir das 14h36 do dia 15 deste mês, disparos automáticos de pedidos de propostas a 1.324 empresas cadastradas pelo estado do Rio.

O prazo dado para as respostas foi até 10h do dia seguinte —menos de 24 horas. Para descumprir o decreto que determina um mínimo de cinco dias, a pasta alegou no processo de contratação que havia "risco iminente de outras tragédias".

Às 18h51 do dia 15, consta o envio do e-mail com pedido de proposta para a Geo Ambiental. A resposta da empresa, também via e-mail, com valores detalhados de 26 itens, veio às 10h10 do dia seguinte —dez minutos além do limite—, mas foi aceita.

Em um documento anexo à mensagem eletrônica, a proposta aparece com data do próprio dia 15, mas sem horário especificado (veja abaixo). A Geo Ambiental disse que conseguiu elaborar o orçamento em um tempo curto porque ele não apresentava "nível de complexidade".

E-mail enviado à Geo Ambiental tem mesma data de proposta enviada pela empresa ao governo do RJ -  -

No processo administrativo que trata da contratação, são citados valores que teriam sido enviados por outras duas empresas —ABBM Braga Comércio e Serviços e HJ Rodrigues Melo. Não foi anexado, porém, nenhum documento enviado por essas firmas.

Essas duas propostas perdedoras aparecem exatamente com o mesmo valor: R$ 8.552.021,59. Já a Geo Ambiental ofereceu R$ 8.500.301,59, levando o contrato.

Tabela mostra valores de propostas enviadas para a Secretaria das Cidades - Reprodução - Reprodução
Tabela mostra valores de propostas enviadas para a Secretaria das Cidades
Imagem: Reprodução

A Secretaria das Cidades disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que não houve direcionamento na contratação porque o sistema automático do governo entrou em contato com 1.324 firmas.

A pasta também alegou que não há necessidade de inserção de documentos que comprovem as propostas das firmas perdedoras porque eram "ofertas de valor superior".

O UOL entrou em contato por telefone com a ABBM Braga Comércio e Serviços e a HJ Rodrigues Melo, mas as empresas não quiseram se manifestar sobre as propostas que teriam enviado.

Justificativa genérica para quantidades

A contratação da Geo Ambiental foi feita após a Secretaria das Cidades ter recebido ofícios de 11 municípios do noroeste fluminense (Aperibé, Bom Jesus do Itabapoana, Cambuci, Italva, Itaocara, Itaperuna, Laje do Muriaé, Miracema, Natividade, Porciúncula e São José de Ubá) pedindo apoio para trabalhos de reconstrução após as chuvas que castigam a região desde o início do ano.

Não há no processo administrativo detalhes sobre como a pasta chegou nas quantidades a serem contratadas para o serviço, mas uma justificativa genérica: "As quantidades em memória de cálculo se justificam por causa da imprevisibilidade dos eventos climáticos e de sua sazonalidade, como por exemplo o período chuvoso em janeiro e fevereiro, dos acidentes e recorrentes deslizamentos de terra".

São 26 itens na lista de serviços contratados —cada um deles se refere a um tipo de equipamento alugado e respectiva mão de obra para operação. O contrato vale por 30 dias a partir da assinatura no dia 18, mas os equipamentos estão sendo contratados por tempo de uso. Para retroescavadeiras, por exemplo, estão previstas 6.000 horas.

A pasta disse que os cálculos foram feitos "com base nos ofícios das prefeituras e na visita do secretário [Uruan Cintra de Andrade] aos municípios da região noroeste fluminense, entre 9 e 13 de fevereiro, conforme amplamente divulgado pelos meios de comunicação".

A Secretaria das Cidades designou na última quarta-feira (23) para comandar a fiscalização do contrato um assessor nomeado na pasta no dia 8. A secretaria não comentou se Elton Ricardo Alves —que já teve cargos comissionados no Detran e Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) — foi nomeado por indicação política.

Pai condenado por superfaturamento

Apesar de estar em nome de Álvaro Freitas Pinheiro de Oliveira, a Geo Ambiental tem pontos em comum com uma outra empresa que pertence ao pai dele, Márcio Freitas de Oliveira, a Ômega Construtora e Serviços.

No site da Receita Federal, as duas firmas, que ficam na cidade de Bom Jardim, na região serrana do Rio, têm o mesmo e-mail de contato registrado.

No próprio processo administrativo da Secretaria das Cidades, um dos atestados de capacidade técnica apresentados está em nome não da Geo Ambiental, mas da Ômega.

Márcio Freitas de Oliveira responde a um processo criminal na 1ª Vara Federal de Itaperuna (RJ) em que foi condenado em 1ª instância, em 2020, a três anos de prisão —convertidos em serviços comunitários.

O empresário foi acusado pelo Ministério Público de vender, em 2006, um aparelho de raio-x superfaturado para a Prefeitura de Aperibé. Segundo o MP, o município comprou por R$ 158 mil da empresa Dalmar Medicamentos, que pertencia a Márcio, um equipamento que custava à época R$ 63 mil.

A Geo Ambiental afirmou, por e-mail, que Márcio não é sócio da empresa e que ainda cabe recurso em sua condenação.