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Morre jovem que se queimou cozinhando com álcool: 'Sem dinheiro para o gás'

A diarista Angélica Rodrigues, 26, ficou com queimaduras graves em 85% do corpo após tentar cozinhar com álcool  - Arquivo Pessoal
A diarista Angélica Rodrigues, 26, ficou com queimaduras graves em 85% do corpo após tentar cozinhar com álcool Imagem: Arquivo Pessoal

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

10/04/2022 13h46

Uma jovem do litoral paulista morreu após ter tido 85% do corpo queimado enquanto tentava cozinhar com álcool de posto (etanol). Ela passou 15 dias internada em um hospital na cidade de São Vicente (SP), aguardando por uma transferência para um hospital de referência no tratamento de queimados em São Paulo, mas não resistiu aos ferimentos.

A diarista Angélica Rodrigues, de 26 anos, morava sozinha em um barraco numa comunidade próxima ao Parque Bitaru, região periférica de São Vicente. Com a pandemia, ela acabou ficando sem trabalho e, consequentemente, sem recursos para a compra do gás de cozinha. Um botijão de 13 quilos custou, em média, R$ 112,54 em março no Brasil.

Angélica passou mais de 15 dias aguardando por uma transferência para um hospital de referência no atendimento a queimados - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Angélica passou mais de 15 dias aguardando por uma transferência para um hospital de referência no atendimento a queimados
Imagem: Arquivo Pessoal

"O fogo acabou se espalhando no corpo todo"

Em entrevista ao UOL, a mãe de Angélica, a cozinheira Silvia Regina dos Santos, 43, afirmou que a filha vinha enfrentando graves problemas financeiros. E que, com o aumento nos preços dos alimentos e do gás de cozinha, sua única saída foi passar a cozinhar utilizando etanol, cujo galão conseguiu comprar em um posto de gasolina.

"Ela pegava uma lata de sardinha e colocava o álcool, usando como espiriteira. Punha fogo e a panela em cima. No dia do acidente, ela pensou que a chama do potinho tinha apagado e virou o galão de álcool, mas o fogo subiu para o galão. Ela se assustou, sacudiu o galão, e o fogo acabou se espalhando no corpo todo", contou.

Silvia diz que só soube do acidente ocorrido com a filha uma semana após ela ter sido internada no Hospital Municipal de São Vicente. Ela garante que os funcionários da unidade não entraram em contato com a família.

"Ela teve que vender o celular para comprar comida e fiquei um tempo sem falar com ela. Soube do que tinha acontecido quando me avisaram de um post que ela conseguiu fazer no Facebook, com um celular que conseguiu emprestado no quarto onde ela estava internada".

Tentativa de transferência

A partir daí, Silvia afirma ter iniciado uma "verdadeira batalha" para conseguir ajuda para a filha. O hospital da cidade não teria condições de atender pacientes queimados e ela tinha que ser transferida para um hospital de referência. O que só ocorreu mais de uma semana depois, graças à ajuda de um político local.

Apesar de ter conseguido a transferência para o Hospital Geral Vila Penteado, localizado no Jardim Iracema, em São Paulo, a jovem não resistiu aos ferimentos e veio a óbito na última quarta-feira (6). O sepultamento foi realizado no início da tarde deste domingo (10), no Cemitério Morada da Grande Planície, em Praia Grande.

Gritos ouvidos da recepção do hospital

Silvia contou que, por várias vezes, tentou visitar a filha no quarto, mas teria sido impedida por funcionários do hospital de São Vicente. Ela não sabe dizer se seria ainda por conta da pandemia ou se não queriam que ela visse o estado da filha.

"Ela gritava muito, dava para ouvir os gritos dela da recepção do hospital, no andar térreo. Só consegui ver minha filha depois de ter conseguido enganar os funcionários e invadido o quarto. Meu coração quase parou. O sofrimento dela eu não desejo para ninguém. Como podem ter deixado ela tanto tempo sem atendimento adequado? Isso é desumano".

Silvia criticou a atual situação econômica do País e a inércia do governo, que na sua opinião foram responsáveis indiretas pelo que aconteceu à filha. "Se a Angélica tivesse condições de comprar um botijão de gás, isso não teria acontecido. Tenho 43 anos e nunca na vida enfrentamos uma situação financeira tão difícil. Ela contou que estava comendo só arroz e miojo todo dia. Era o que o dinheiro dava para comprar".

Secretaria de Estado monitorava o caso

Procurada, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo informou que o caso da paciente estava sendo monitorado pela Cross (Central de Regulação de Oferta e Serviços da Saúde), que busca vagas em serviços de referência.

"O caso era gravíssimo e, mesmo sendo encaminhada para o Hospital Vila Penteado, uma das maiores referências para queimados do Estado, a paciente não resistiu aos ferimentos e faleceu", afirmou a Secretaria, em nota.

"Cabe destacar que a transferência de um paciente não depende exclusivamente de disponibilidade de vagas, mas também de quadro clínico estável que permita o deslocamento a outro serviço de saúde para sua própria segurança".

Já a Sesau (Secretaria da Saúde de São Vicente) informou ao UOL, por meio de nota, que quando um paciente é internado em estado consciente, uma assistente social avisa imediatamente os familiares por ela escolhidos.

Sobre a transferência para um hospital de referência, a Sesau ressaltou que "o Estado é responsável pela regulação das vagas, por meio do Cross. O município não tem qualquer gerência sobre a disponibilidade e distribuição dessas vagas".

O órgão esclarece também que, durante o tempo de internação, a paciente ficou em leito de UTI, assistida por médico intensivista e cirurgião plástico, recebendo todos os cuidados necessários. Ressalta, ainda, que a paciente foi transferida em estado grave, porém com "sinais vitais estáveis".