MT: Marido diz que policial morta por cobra levou 5h para receber antídoto

O marido da policial penal Luciene Pedroza Moreira Santos, 44, que morreu após ter sido picada por uma cobra jararaca (Bothrops jararaca) em um sítio na zona rural de Campo Verde, a 139 km de Cuiabá, diz que entrará com uma ação contra os responsáveis pelo hospital municipal da cidade, que não dispunha de soro antiofídico no momento do socorro. O homem conta que a demora na aplicação do antídoto necessário para minimizar os efeitos das toxinas do veneno da cobra chegou a cinco horas desde o acidente.

Em entrevista exclusiva ao UOL, o também policial penal Luiz Conceição Santos, 51, diz que o despreparo da unidade em atender sua esposa foi fator preponderante no agravamento de seu quadro clínico o que, consequentemente, culminou com sua morte — a mulher teve que ser transferida para uma unidade de saúde de Rondonópolis, a 140 km, para, somente então, receber o antídoto, mas já chegou com funções renais comprometidas.

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Luciene foi picada no final da tarde do dia 20, enquanto recolhia roupas do varal no quintal da casa da família, em um sítio na região rural de Campo Verde. Já estava escurecendo e ela não viu o animal aninhado próximo de uma cerca, onde as roupas estavam penduradas. Sem querer, acabou pisando na cobra, que a mordeu no pé.

"Ela começou a gritar para mim: 'Corre, corre, traz uma lanterna que um trem me mordeu'", contou Santos. "Quando cheguei perto, vi a cobra toda embolada. Peguei um pau e matei ela. Coloquei num balde, peguei minha esposa e corri pro hospital mais próximo".

A bordo da caminhonete da família, a caminho do hospital, Luciene se manteve calma, apesar da dor. "Levei ela para o Hospital Municipal de Campo Verde, porque era o mais próximo. Mesmo assim, são 40 minutos de estrada, uma parte dela de terra. Corri feito um louco para conseguir atendimento o mais rápido possível. Só não imaginava que o hospital não tinha condições de atender acidentes com cobras".

Ao chegar na unidade, por volta das 19h30, Santos diz que a esposa conseguiu caminhar até a entrada. Ao ser colocada numa cadeira de rodas, ele conta que ficou aliviado, porque imaginava que ela seria salva ali mesmo. Porém, ele diz que o hospital não possuía antídoto para o veneno de cobras, muito menos para o da jararaca.

Deram um antialérgico e um remédio para dor. E disseram que ela tinha que ser transferida para Rondonópolis, mas que tinha que esperar a ambulância para poder levá-la. Eu então me ofereci para levar, sabia que podia ir mais rápido, mas recusaram. Daí ela ficou esperando duas horas a ambulância chegar, só conseguiu sair de Campo Verde às 21h30. Quando chegou em Rondonópolis, já passava das 23h30.
Luiz Conceição Santos, policial penal e marido da vítima

Assim que os médicos aplicaram o antídoto, Santos pensou que Luciene pudesse se salvar, apesar da demora. Ele diz que sabia que o soro tinha que ser aplicado em no máximo duas horas para evitar complicações — que surgiram após um dia. No dia 22, a vítima teve que fazer hemodiálise, pois os rins estavam comprometidos e teve que ser levada à UTI. No dia seguinte, o quadro piorou ainda mais.

Quando chegou o horário de visita e eu entrei no quarto, fiquei sem chão. Desmoronei. Ela estava inconsciente, com a cabeça raspada e ligada a um dreno. Estava intubada e com um catéter no nariz. Teve que passar por uma cirurgia de emergência para retirada de coágulos no cérebro. Chorei muito. Chamei meus filhos, liguei para os parentes e amigos. Os médicos disseram que ela já não respondia mais a estímulos. Uns 10 minutos depois que os nossos filhos chegaram, enquanto esperávamos por notícias, fomos informados que ela havia morrido.

O UOL entrou em contato com a Secretaria de Saúde de Campo Verde, mas, até o momento, não obteve resposta.

Sonhos realizados

Santos e Luciene se conheceram ainda muito jovens, na cidade de Quirinópolis, interior de Goiás. Suas famílias são de lá. Em julho deste ano, comemorariam 25 anos de união. "Foram 25 anos de muita parceria, cumplicidade e união, sou grato pela oportunidade de tê-la em minha vida. E também por ter me dado dois filhos tão especiais".

Entre os sonhos da esposa, segundo Santos, estava o de conhecer o mar pela primeira vez, o que conseguiu realizar em janeiro de 2021, em uma viagem da família ao litoral de São Paulo. "Ela parecia uma criança quando sentiu a onda do mar batendo em sua perna, foi emocionante de ver".

Outro sonho da policial era ver os filhos Yan Luiz, 23, e Kayky Bruno, 18, formados. Uma esperança que também deve se concretizar, pois o mais velho está se formando no curso superior de agronomia, e o mais novo, concluindo o curso técnico de agropecuária.

"Em janeiro deste ano, comemoramos o aniversário dela no sítio. Vieram mais de 40 amigos e parentes que ficaram hospedados em casa, foram 15 dias de festa, minha esposa estava radiante de felicidade. Acho que Deus deu uma oportunidade a todos que a amavam se despedirem dela".

Contato com advogados

Luiz afirma que ainda não sabe como ele e os filhos farão para voltar a morar na casa da família, pois tudo lá "tem a cara, o toque, o jeito" de Luciene. No momento, ele diz que está focado em esclarecer o que aconteceu e diz que processará os responsáveis pelo atendimento no Hospital Municipal de Campo Verde.

"Já comecei a consultar advogados para saber o que podemos fazer. Isso não pode ficar assim, senão outras pessoas que moram lá podem passar pelo que a gente passou. Vamos processar os responsáveis e o dinheiro da indenização, vamos doar 100% para alguma entidade assistencial. Essa será a nossa forma de homenagear minha esposa. Um anjo que Deus colocou nas nossas vidas e que agora recolheu. Vamos continuar o legado de altruísmo dela. Seu sorriso sempre estará nas nossas lembranças".

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