Espinhoso e voraz: o que se sabe sobre o peixe que avança no mar do Brasil
Em 12 meses, são mais de 230 capturas e o que começou no Norte já avançou até a região do Recife, em Pernambuco. É oficial: o peixe-leão, uma espécie considerada perigosa e sem predadores está se espalhando pelo mar brasileiro, causando muita preocupação — e até a hospitalização de um pescador de 24 anos que teve convulsões após entrar em contato com um espécime. A previsão já é de que ele chegue ao Uruguai.
Entenda por que o peixe-leão é um risco
O animal é uma espécie invasora no Brasil e pode afetar a biodiversidade local, a pesca artesanal, o turismo, e também ser um problema de saúde pública.
Ele se reproduz com muita facilidade: uma fêmea é capaz de colocar 2 milhões de ovos na vida. Além disso, a falta de um predador nativo faz com que o animal tenha chances maiores de sobrevivência.
A espécie pode chegar até 47 centímetros e tem 18 espinhos venenosos. É pisando ou esbarrando nesses espinhos que os sintomas costumam se manifestar em humanos.
É a invasão mais rápida que já vi na história do Brasil. Eu estou impressionado, e isso traz uma situação gravíssima.
Marcelo Soares, do Labomar da UFC (Universidade Federal do Ceará)
Os pesquisadores já sabem que ele está ganhando terreno no país porque o primeiro peixe achado no Ceará tinha 14 cm. "Hoje, já encontramos aqui com 26 cm e já estão achando com 38 cm no litoral norte do Brasil", relata.
Invasores podem ter vindo do Caribe
A espécie é originária do Indo-Pacífico, mas há suspeitas de que os animais que chegaram ao Brasil tenham saído do Caribe por uma corrente marítima que os trouxe até um recife do Rio Amazonas.
A presença da espécie na região caribenha data da década de 1980 e ainda é objeto de estudo. De acordo com o pesquisador do Labomar da UFC (Universidade Federal do Ceará) Marcelo Soares, há duas hipóteses para o surgimento deles:
- Um resort que tinha um grande sistema de aquário caribenho teria sido afetado por algum furacão e os animais acabaram sendo liberados para o mar.
- Eles podem ter sido acidentalmente jogados nos oceanos por outros aquários.
Espécie já apareceu "acidentalmente" no Brasil
De acordo com Soares, os avistamentos de peixes-leões no Brasil ocorreram pela primeira vez no Rio de Janeiro, entre 2014 e 2015. Na ocasião, os bichos estavam ligados a um vazamento pontual de um aquário local. Anos depois, eles começaram a aparecer no Norte.
Em 2020, a espécie foi encontrada no litoral do Pará, na costa da Amazônia, mas em altas profundidades, entre 40 e 100 metros, por pescadores. Então, no ano passado, começaram muitos registros em Fernando de Noronha, também em águas profundas. E, neste ano, chegamos a encontrá-los em águas rasas, algo inédito. Os peixes estavam entre 0 e 8 metros de profundidade no Piauí e Ceará. Marcelo Soares
Ainda, segundo Soares, os animais são vistos no Brasil normalmente em currais de pescas e marambaias (espécie de recife artificial). Ele se adapta tanto em águas rasas quanto profundas, chegando até os 300 metros.
Quando ele 'dobrou a esquina' no Rio Grande do Norte ganhou vantagem porque vai a favor da corrente para o sul —aqui na parte ao norte estava contra. Pela modelagem feita ele vai chegar até o Uruguai; ou seja, vai tomar toda a costa brasileira e causar graves impactos. Soares
Estuários invadidos
Um dado que chamou a atenção de pesquisadores é que, diferente do Caribe, o peixe tem aparecido com frequência em estuários de rios, o que amplia o problema.
"Os estuários são os berçários da vida marinha, e lá ele vai fazer um imenso estrago. E se trata de uma área que é mais turva e que o pescador usa muito. Pensamos que isso pode ocorrer porque os estuários nordestinos têm águas mais salgadas", afirma Soares.
Essa característica reforça a preocupação de que, por ser uma espécie invasora, não se sabe como ele vai se comportar no Brasil.
Não temos como saber como isso afeta a cadeia pesqueira. Se perguntar a gente que espécie ele come aqui, não sabemos. Temos de estudar, mas para isso precisamos de recursos financeiros. Marcelo Soares
Sintomas do contato com o veneno
Informações do ICMBio apontam que o veneno "não é fatal para pessoas saudáveis", mas que o contato pode causar dores, bolhas, enjoos e até mesmo convulsões.
O caso do Ceará, no qual até mesmo paradas cardíacas foram registradas no paciente, é considerado raro. "Tem que se estudar e ver se essa reação foi realmente consequência do contato com a espécie", afirmou Soares.
Cartazes orientaram pescadores sobre perigos
Em fevereiro de 2022, o Ministério do Meio Ambiente emitiu uma série de cartazes e panfletos informativos para orientar turistas, pescadores e associações de pesca sobre como reconhecer e lidar com os animais.
Segundo os cartazes informativos do Ministério do Meio Ambiente, o peixe-leão consegue se alimentar de peixes com tamanhos similares aos dele, pode colocar até 30 mil ovos de uma vez só e consegue comer 20 peixes em meia hora, o que prejudica o equilíbrio ambiental.
A instrução dada aos pescadores que, acidentalmente, capturarem ele é de não devolver o bicho à água.
"Coloque o dedão dentro da boca do peixe e, com a outra mão, cuidadosamente corte seus espinhos", afirma o cartaz de orientação aos pescadores. Após o corte dos espinhos, os profissionais foram orientados a entrar em contato com o ICMBio para a entrega do bicho.
A orientação para os que forem furados pelos espinhos do animal é procurar atendimento médico rapidamente e passar água quente no local para dificultar a ação do veneno. Os mergulhadores que o avistarem são orientados a registrar o bicho em fotografias, anotar a localização e a profundidade dele.
O que diz o Ibama
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) afirma que a invasão "é um tema complexo, que deve ser tratado por um conjunto de instituições" e definiu três medidas.
- Proibição da importação desses animais para qualquer finalidade, mesmo que a legislação permita, a princípio, a importação;
- Edição da Portaria que proíbe a importação de 5 espécies do gênero Pterois;
- Criação, em 2022, de Grupo de Trabalho para formular proposta de ato normativo sobre manejo do peixe-leão; articular órgãos de meio ambiente e a pesquisadores especialistas; reunir informações e documentos técnicos; e discutir plano de ação emergencial para enfrentamento da bioinvasão.
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