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Fuga com roupa do corpo e solo desabando: histórias de perdas do Capibaribe

Manoel Francisco: "Só peguei alguns documentos, não dava tempo de pensar"  - Rosália Vasconcelos/UOL
Manoel Francisco: "Só peguei alguns documentos, não dava tempo de pensar" Imagem: Rosália Vasconcelos/UOL

Rosália Vasconcelos

Colaboração para o UOL, do Recife

31/05/2022 04h00Atualizada em 31/05/2022 16h15

Eram 2h do sábado (28), chovia forte no Recife e a dona de casa Camila Barbosa da Silva, 24, nem sequer conseguia cochilar. Moradora da comunidade ribeirinha B13, na zona oeste da cidade, às margens do Capibaribe, estava apreensiva e temia pela segurança dela e dos filhos pequenos, de 2 e 5 anos.

Durante duas horas, o nível do rio parecia ter estabilizado. Ela tinha esperanças de que tudo acabasse bem, como em outras chuvas. Mas desta vez foi diferente. Camila disse que nunca viu a água do rio subir tanto e tão rápido.

"De repente, subiu com tudo, feito uma avalanche. Em poucos minutos, a maré já estava na minha cintura. Só deu tempo de pegar meus filhos e chegar até a casa da minha mãe, que fica um pouco mais em cima", contou ao UOL a dona de casa, que perdeu todos os móveis.

Mais de cem pessoas morreram em cidades do Grande Recife em decorrência das fortes chuvas desde a última quarta-feira (25). O total de desabrigados é de cerca de 5.000 moradores, segundo a Defesa Civil do estado. O governo decretou situação de emergência, assim como 14 municípios da região metropolitana.

Camila Barbosa, com o filho mais novo no colo, mostra rachaduras na parede da casa  - Rosália Vasconcelos/UOL - Rosália Vasconcelos/UOL
Camila Barbosa, com o filho mais novo no colo, mostra rachaduras na parede da casa
Imagem: Rosália Vasconcelos/UOL

Enquanto a chuva não cobria portas e janelas, Camila disse que ainda tentou pendurar alguns móveis e objetos nas paredes, mas não sobrou nada.

A força da água foi tanta que mexeu com as estruturas do imóvel construído em alvenaria.

As paredes estão com rachaduras. Vamos tentar recuperar, mas não sei se é seguro para a minha família"
Camila Barbosa da Silva, 24, dona de casa

Entre as dezenas de casa construídas às margens do Capibaribe, na Várzea, moram cerca de 50 famílias. Praticamente, toda a comunidade foi atingida quando o nível do rio subiu, mas em 15 casas só sobraram praticamente as paredes, deixando 115 pessoas desalojadas. Elas estão abrigadas na Escola Municipal Célia Arraes, que fica ao lado da comunidade.

O casal Felipe e Silvania em sua casa, onde o piso cedeu na área do banheiro e da cozinha, por causa da enchente - Rosália Vasconcelos/UOL - Rosália Vasconcelos/UOL
O casal Felipe e Silvania em sua casa, onde o piso cedeu na área do banheiro e da cozinha, por causa da enchente
Imagem: Rosália Vasconcelos/UOL

Uma dessas famílias é a do ambulante Felipe Barbosa Gomes, 27. O imóvel em que morava é um dos mais próximos do rio. "Se a gente tivesse dormido, teríamos sido levados pelas águas. A correnteza estava muito forte e só deu tempo de salvar meu filho de dez anos", afirmou Felipe, que também mora com a esposa, Silvania Maria da Silva, 42.

Na casa dele, as marcas da chuva vão além das paredes molhadas. Na área do banheiro e da cozinha, o piso cedeu e o solo ainda oferece risco de deslizamento.

Acredito que a gente não vai conseguir morar mais aqui"
Felipe Barbosa Gomes, 27, ambulante

Seu pai, Manoel Francisco Gomes, 51, mora na casa ao lado. "Às 5h, os cômodos estavam completamente tomados pela água, o rio não parava de subir, só peguei alguns documentos, não dava tempo de pensar, ou a gente ia morrer", disse Manoel.

'Momentos de terror'

Maria Lúcia de Arruda, que teme não poder ficar mais na sua casa após a enchente - Rosália Vasconcelos/UOL - Rosália Vasconcelos/UOL
Maria Lúcia de Arruda, que teme não poder ficar mais na sua casa após a enchente
Imagem: Rosália Vasconcelos/UOL

Com 61 anos e dificuldade para se locomover, Maria Lúcia de Arruda, que mora com o marido de 70 anos na comunidade, acredita que também não tem mais condições de viver no local.

Vivemos momentos de terror, muita água, com medo de levar choque elétrico, o chão escorregando e nossas coisas sendo levadas pela água"
Maria Lúcia de Arruda, 61

Do lado de fora das casas, pelos becos da comunidade, ficou o rastro do estrago causado pelo temporal: geladeiras quebradas, móveis destruídos, panelas espalhadas pelo chão e até mesmo uma jangada arrastada do rio pela correnteza.

"Só hoje [segunda], quando a chuva passou e a água do rio desceu, conseguimos voltar para ver os estragos. Começamos a limpar e organizar tudo. Vamos ver o que será possível de recuperar", disse Felipe.

Os estragos causados pela inundação de casas às margens do Capibaribe

Próximos dias

Apesar da redução no volume de água, as chuvas devem continuar, com intensidade moderada, até a próxima sexta-feira (3), na região metropolitana do Recife e na Zona da Mata, de acordo com a Agência Pernambucana de Águas e Clima.

A previsão é que o nível dos rios, como o Capibaribe, porém, permaneça estável. Os maiores níveis acumulados de chuva nas últimas 24 horas foram registrados nos municípios de Olinda (60 milímetros), Paulista (57 mm), Itapissuma (53 mm) e Recife (52 mm).

Os municípios em emergência em razão das chuvas em Pernambuco são: Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, São José da Coroa Grande, Moreno, Nazaré da Mata, Macaparana, Cabo de Santo Agostinho, São Vicente Férrer, Paudalho, Paulista, Goiana, Timbaúba e Camaragibe.