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Quem são os católicos que queriam rezar o terço com Bolsonaro em Aparecida

Arquivo - Membros do Centro Dom Bosco rezam em frente ao Consulado da China no Brasil, em Botafogo, no Rio  - Reprodução/ YouTube
Arquivo - Membros do Centro Dom Bosco rezam em frente ao Consulado da China no Brasil, em Botafogo, no Rio Imagem: Reprodução/ YouTube

Do UOL em São Paulo e Aparecida e Colaboração para o UOL em São Paulo

12/10/2022 12h06Atualizada em 13/10/2022 10h57

Esnobado pela cúpula da Igreja Católica em Aparecida, o presidente Jair Bolsonaro (PL) pretendia se juntar na tarde desta quarta-feira (12) a um grupo de católicos conservadores para rezar um terço na cidade do interior paulista. O encontro seria às 16h, depois da visita presidencial ao Santuário neste feriado de 12 de Outubro, quando a Padroeira do Brasil é reverenciada.

O presidente, porém, mudou de planos e foi à Tenda dos Peregrinos, local onde os romeiros recebem cuidados e têm os pés lavados. Depois, foi embora.

Conforme nota do Arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, a oração do terço com Bolsonaro "não é celebrada pelo Santuário Nacional e nem está sob a supervisão do Arcebispo de Aparecida".

O que é o Centro Dom Bosco? O convite para que o presidente se juntasse à oração foi feito pelo CDB (Centro Dom Bosco), uma entidade nova cheia de polêmicas que organizou o que chamou de Rosário Pelo Brasil.

Fundada por estudantes no Rio de Janeiro em 17 de setembro de 2016, sua "missão é ajudar a resgatar a bimilenar Tradição da Igreja" porque, de acordo com sua página na internet, "o Brasil é uma nação católica que foi adormecida pelo veneno liberal das casas maçônicas".

Desejamos formar uma nova geração de católicos capazes de renovar a Igreja e a Terra de Santa Cruz."
Centro Dom Bosco

"O Centro Dom Bosco é uma associação formada por leigos católicos, o que não quer dizer que seja uma associação católica", explica o pesquisador Víctor Almeida Gama, doutorando em Ciências da Religião pela PUC Minas. "Só pode usar esse nome de associação católica quem tenha a devida aprovação da igreja."

Segundo Gama, o Centro Dom Bosco se posiciona, desde a sua fundação, como uma organização formada para recuperar os movimentos da direita católica brasileira, entre eles a TFP (Tradição, Família e Propriedade) — organização ultraconservadora de inspiração católica.

Pedro Affonseca, 34, presidente do Centro Dom Bosco - Reprodução/ YouTube - Reprodução/ YouTube
Pedro Affonseca, presidente do Centro Dom Bosco
Imagem: Reprodução/ YouTube

Contra o comunismo. Convencido de que o Brasil precisa lutar contra o comunismo, o grupo elegeu a venda de livros com sua "principal frente contrarrevolucionária".

Dona de uma editora e uma loja virtual, o Centro dispõe de 40 títulos, como "As Infiltrações Maçônicas na Igreja", "Como atuar na Guerra Contrarrevolucionária" e "Maçonaria Inimiga da Igreja".

Apesar de criticarem a maçonaria, o site e as páginas do grupo na internet não fizeram qualquer menção ao vídeo que viralizou na semana passada com Bolsonaro em uma celebração maçônica.

Grupo interrompe missa. No dia 20 de novembro de 2019, feriado da Consciência Negra, 20 integrantes do CDB tentaram impedir que a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, na Glória, zona sul do Rio, celebrasse uma missa afro, realizada ao ritmo de atabaques.

A confusão, que resultou no indiciamento de cinco homens por intolerância religiosa, não impediu que a igreja fosse ameaçada novamente no ano seguinte, provocando o cancelamento da missa.

Pressão contra católicas progressistas. Os católicos do grupo chegaram a recorrer à Justiça para impedir que as Católicas pelo Direito de Decidir —que defendem a legalização do aborto— usassem o termo "católicas" no nome.

Embora a primeira instância tenha arquivado a ação, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença e determinou que a associação se abstivesse de utilizar a expressão. A entidade, então, recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Dom Bosco não representa a Igreja. Em despacho de setembro último, a ministra Nancy Andrighi decidiu que o Centro Dom Bosco não tem legitimidade para representar a Igreja Católica e que, por isso, não poderia ajuizar ação para impedir o uso da palavra "católicas" por uma outra entidade.

A associação autora não é titular do direito que pretende ver tutelado, notadamente porque não possui ingerência sobre a utilização, por terceiros, da expressão 'católicas'."
ministra Nancy Andrighi, do STJ

A falta de legitimidade do grupo foi reforçada ontem por dom Orlando Brandes, ao mencionar o terço de Bolsonaro com a CDB.

A iniciativa é de um grupo independente, que não tem qualquer relação com o Santuário."
Dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida

A associação também se mobilizou na Justiça contra o grupo de humor Porta dos Fundos logo após a veiculação do episódio de Natal "A Primeira Tentação de Cristo", em 2019.

O vídeo trazia uma versão de Jesus que insinuava ter vivido uma experiência homossexual durante os seus 40 dias no deserto. O caso foi parar no STF (Supremo Tribunal Federal), com vitória para o canal de humor.

Em campanha. Neste ano, o Centro Dom Bosco decidiu apoiar abertamente a campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

"No congresso do Centro Dom Bosco, a Liga Cristo Rei, organizada no final do mês passado, Bolsonaro fez uma aparição em vídeo, inclusive repetindo o slogan deles que é 'viva Cristo Rei'", explicou Gama.

Há quatro anos, o Centro Dom Bosco conseguiu eleger dois deputados, uma federal e um estadual no Rio, ambos reeleitos este ano.

Como seria o terço com Bolsonaro? A expectativa era de que a oração ocorresse em frente à Basílica velha, na mesma cidade de Aparecida. O Centro Dom Bosco havia confirmado a presença do presidente em uma postagem no Twitter em que comunica a "primeira vez que um Chefe de Estado rezará o Santo Rosário publicamente".

A Basílica Velha (de 1745) hoje é mais um atrativo religioso da região de Aparecida, em São Paulo - Eduardo Vessoni/UOL - Eduardo Vessoni/UOL
O terço com Bolsonaro será rezado em frente à Basílica Velha, de 1745
Imagem: Eduardo Vessoni/UOL

Durante a manhã, a dúvida era se Bolsonaro rezaria o terço ou todo o rosário, um rito dividido em quatro partes formado por dezenas de Ave-Marias intercaladas por outras orações, como o Pai Nosso e Glória ao Pai. O encontro poderia passar de uma hora. Mas Bolsonaro desistiu e saiu mais cedo do Santuário.

Terço contra o comunismo. Um dos líderes do CDB, Alvaro Mendes compartilhou um vídeo no Twitter anunciando a chegada do grupo a Aparecida. Ele afirma estarem "unidos a todos os católicos de bem (...) que não deixam de lutar quando percebem a existência de erros tanto dentro quanto fora da Igreja".

A missão do encontro com Bolsonaro, afirma, era rezar contra o "comunismo" em uma "guerra" que "não é política, é espiritual".

Viemos ao coração espiritual do país para pedir a Nossa Senhora que nos livre do comunismo e nos livre dos castigos previstos por Ela em Cimbres em 1936."
Alvaro Mendes, do Centro Dom Bosco

O que são esses castigos de Nossa Senhora? Mendes se referia a uma suposta aparição de Maria no dia 6 de agosto de 1936 a duas meninas no distrito de Cimbres, cidade de Pesqueira, em Pernambuco.

Segundo os relatos, Maria teria aparecido para "avisar ao povo que se aproximam três grandes castigos". Questionada, porém, não revelou que castigos eram esses.

Em outra aparição, Maria teria dito que o sangue "inundará o Brasil" antes de confirmar com um "sim" quando questionada: "Virá o comunismo a penetrar o Brasil?"

A história ganhou fama na semana passada, quando a atriz Cássia Kis falou dela durante o lançamento da novela "Travessia", quando aproveitou para declarar apoio à reeleição de Bolsonaro.

Em busca do voto católico. A busca de Bolsonaro pelo voto católico começou no último sábado (8), quando ele participou das celebrações do Círio de Nazaré, em Belém, embora não tenha sido convidado pela Arquidiocese da cidade.

Enquanto o presidente lidera entre evangélicos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o preferido do eleitor católico, segundo o Datafolha.

Depois de visitar Aparecida e rezar o terço de hoje, na próxima semana ele deve participar de um ato católico em Brasília no Ginásio Nilson Nelson.

Mistério. O UOL procurou o Centro Dom Bosco por e-mail e WhatsApp, mas não teve retorno. Na página do site, não há qualquer informação sobre seus diretores e líderes. Seu presidente, no entanto, é Pedro Affonseca, de 35 anos.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A versão anterior deste texto omitia que os dois deputados ligados ao Centro Dom Bosco se reelegeram este ano. O texto foi corrigido.