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Filha afetiva de Flordelis, Marzy cita plano frustrado para matar pastor

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, em Niterói (RJ)

12/11/2022 18h57Atualizada em 12/11/2022 19h21

A filha afetiva de Flordelis, Marzy Teixeira, um dos réus pelo homicídio do pastor Anderson do Carmo, marido de Flordelis, falou durante julgamento na tarde de hoje que chegou a orquestrar um plano para matar o pastor —o que, posteriormente, não se concretizou.

Segundo a ré, os detalhes haviam sido combinados com o irmão Lucas - já condenado e preso a sete anos e seis meses por participação na morte do pastor. "Às duas horas, ele me liga e fala que estava no portão. Eu desci e fiquei das 2h às 4h conversando com ele para não fazer isso lá. Ele sugeriu: você sobe, tira a mãe do quarto que eu subo e mato ele dormindo. Falei que não ia fazer." Ela não informou quando essa conversa aconteceu.

A ideia de Marzy era que o pastor fosse morto em Maria Paula, bairro da região de Niterói, e não em casa. O objetivo do seu plano era simular um latrocínio.

Por causa da falta de consenso entre ela e Lucas, a filha afetiva disse ainda que foi ameaçada por Lucas: "pede para o seu Deus te proteger, se eu te pegar na rua, vou te estourar todinha", ele teria dito.

Segundo Marzy, a motivação do plano tinha relação com os abusos sexuais cometidos por Anderson na casa da família. Marzy citou um episódio vivido por uma integrante da família, Anabel, que teve as pernas acariciadas por Anderson em um carro.

"O melhor é denunciar [caso de abuso], mas já estava num momento de explosão e decidi matar", disse ela. Ela lembrou também de um episódio quando foi encurralada pelo pastor em uma cozinha.

"Ele me encurralou e disse: 'sabia que você tem um corpão?' Eu pensei: como assim? Falei com licença e ele disse: 'você é muito gostosa'. Empurrei ele e passei e por debaixo do braço dele".

Negou ter orquestrado a morte do pastor. Ao ser questionada pelo júri sobre o que merece um homem abusador, Marzy respondeu: "a morte."

Questionada se Flordelis ordenou a morte de Anderson, Marzy negou. Durante todo depoimento, Marzy se refere à Flordelis como mãe e ao pastor pelo nome dele. Ela negou ainda que o referido plano tenha culminado na morte do pastor.

"Não gostava muito dele, sofri muito, mas fiquei em choque [com a morte] porque era uma coisa que não queria mais [a morte do pastor]. Hoje, me sinto culpada porque comecei o plano, não concluí, mas alguém concluiu. Em relação a ele, sou grata por ter me levado para morar, a gente estava se aproximando, mas infelizmente ele se foi."

Durante o depoimento, a ré também contou que flagrou uma vez Anderson acariciando Simone enquanto ela dormia.

Anderson do Carmo foi apontado como o administrador da casa. Marzy disse que era obrigada a entregar metade do salário, no período que trabalhava. De acordo com o depoimento, o dinheiro era entregue a Mizael e repassado a Anderson.

"A metade do meu salário, eu tinha que dar na mão do Mizael para ele dar pra ele. Não reclamava porque eram muitas crianças, e eu usufruía de muita coisa, então eu concordava que tinha que contribuir.".

Segundo a filha afetiva, Anderson determinava a comida de Flordelis e dizia as roupas que a parlamentar deveria usar para cada evento.

Flordelis também deu depoimento hoje. Em seu depoimento, Flordelis afirmou hoje que ocorriam "abusos" dentro da casa da família, no Rio de Janeiro, e que "hoje sabe o motivo" do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo.

"Eu não posso acusar ninguém eu não estava presente no local, eu não vi. Eu não posso afirmar. Meu filho Flávio foi sentenciado, meu filho Lucas foi sentenciado. Hoje eu sei o motivo do crime. É muito difícil para mim falar, mas foram os abusos que aconteceram dentro da minha casa", comentou a ré.

Filha biológica voltou atrás. Última a ser ouvida na tarde de hoje foi a filha biológica de Flordelis, Simone dos Santos Rodrigues, que voltou atrás e não confessou ter sido a mandante da morte do pastor Anderson do Carmo.

De acordo com o depoimento, Simone desabafou sobre os abusos sexuais sofridos por ela e por uma de suas filhas, com o irmão Flávio, um integrante da casa discreto, mas explosivo --ele já foi condenado por ter sido o responsável pelos tiros que mataram o pastor.

"Eu me sinto um pouco culpada. Eu que fui até ele. Quando estava sofrendo muito, comecei a me drogar, frequentar psiquiatra, comecei a surtar, usar remédio, drogas e aí, um dia, sentei e contei tudo para o Flávio. Nesse dia desabafei porque o Flávio era muito quieto, mas observador, ia quebrar a cara dele. Estava no desespero por causa de tudo que ele tinha feito com a minha filha e comigo."

Segundo Simone, depois de tomar conhecimento dos abusos, Flávio pediu que ela pegasse dinheiro no cofre da família. O pedido foi atendido. "Hoje, tenho certeza que era para comprar a arma", afirmou.

Simone relatou ainda uma rotina de abusos sofridos dentro da casa da família. Flordelis chorou ao ouvir um dos relatos.

"Não existia um dia que ele não fosse no meu quarto. Acordava com a mão dele na minha blusa, não tinha paz. Foi por esse motivo que contei para o Flávio. Tinha nojo, queria resolver, queria dar uma solução para minha filha. Ele molestou a minha filha meses antes. Tive relação sexual com o Anderson forçada. Me agarrou no box e conseguiu me penetrar com força."

Questionada pelo júri pelo motivo de não ter saído de casa, Simone afirmou que dependia financeiramente da família, principalmente depois de descobrir e iniciar o tratamento de um câncer. A filha de Flordelis contou que o pastor era generoso com ela com segundas intenções.

"Ele dizia: viu como sou legal com você? Não precisa trabalhar, não precisa fazer nada. Só colaborar, mas dava com uma mão e queria com a outra. Me agarrava na lavanderia por trás, me agarrava à força quando estava na cozinha, na pia ou no fogão."

O que está em julgamento?

Começou na segunda (7) o julgamento de Flordelis pela acusação de ter arquitetado o assassinato de seu marido Anderson do Carmo, morto em 16 de junho de 2019, em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Outras quatro pessoas acusadas de envolvimento no crime também são julgadas. Ela terá seu destino decidido por um júri popular.

Além de Flordelis, são julgados sua filha biológica Simone dos Santos Rodrigues; a neta Rayane dos Santos Oliveira; e os filhos afetivos André Luiz de Oliveira e Marzy Teixeira da Silva.

O pastor Anderson do Carmo foi assassinado com dezenas de tiros quando descia do carro, no quintal de casa, no bairro de Pendotiba, em Niterói. Flordelis tinha entrado em casa momentos antes.

A ex-deputada --cassada em razão do envolvimento no caso-- é ré por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, associação criminosa, uso de documento falso e falsidade ideológica.

Já Marzy, Simone e André Luiz responderão por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e associação criminosa armada; e Rayane, por homicídio triplamente qualificado e associação criminosa armada.

Cassação e prisão. Flordelis está presa desde 13 de agosto de 2021. Dois dias antes, Flordelis havia perdido o foro privilegiado ao ter o mandato de deputada federal cassado por 437 favoráveis, 7 contrários e 12 abstenções.

O que diz Flordelis? Durante todo o processo, Flordelis negou ter qualquer ligação com a morte do marido. Em live realizada por ela horas antes de ser presa, a pastora e ex-deputada reafirmou sua inocência: "Caso eu saia daqui hoje, saio de cabeça erguida porque sei que sou inocente. Todos saberão que sou inocente, a minha inocência será provada e vou continuar lutando para garantir a minha liberdade, a liberdade dos meus filhos e da minha família, que está sendo injustiçada".

Os demais acusados também dizem que são inocentes.