Mulher relata abordagem violenta da PM no Rio: 'Apontou fuzil pro meu bebê'
O que era para ser uma visita rotineira à casa da mãe se transformou em um trauma para a jornalista Viviane Fernandes, mulher negra de 33 anos. Na última sexta-feira (18), ela sofreu uma abordagem policial violenta ao ser parada em uma blitz quando passava nas proximidades do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio.
Viviane conta que havia saído de sua casa, no Cachambi, para ir visitar a mãe, que mora em Olaria —ambos bairros na zona norte da capital. Ela amamentava o filho de 1 ano e 8 meses quando o veículo de aplicativo onde viajava foi parado em uma blitz no entroncamento entre a estrada do Itararé e a avenida Itaoca —acessos ao Complexo do Alemão. De cara, um policial militar apontou um fuzil para ela e o filho.
"Eu estava com a janela aberta e amamentava meu filho, que estava deitadinho. Estava tendo uma blitz ali e o PM já veio com o fuzil apontado", conta ela.
Fiquei bem chocada, tive uma crise de ansiedade quando cheguei na casa da minha mãe. Foi surreal ver meu filho passando por isso com 1 ano e 8 meses."
Viviane Fernandes, jornalista
Mesmo vendo que se tratava de uma mãe com um bebê, o policial não deixou de ser truculento, segundo Viviane.
"O motorista do Uber também não entendeu [o motivo da abordagem] e falou: 'Ela é passageira'. A única pergunta do PM foi: 'Para onde está indo?'. Ele já foi mexendo na minha mala e foi irônico, perguntando se eu estava de mudança."
Depois de apontar o fuzil para Viviane, o policial partiu para revistar seus pertences —incluindo a bolsa com as coisas do bebê e uma mala onde a jornalista guardava roupas.
"Ele nem me pediu documentos. Já foi abrindo a mala [do carro]. Fiquei com meu filho dentro do carro. Mas fiquei com medo e fui ver o que ele estava fazendo com a minha mala, tive medo dele colocar alguma coisa [e saí]", conta ela.
Após nada encontrar na abordagem truculenta, o policial nem sequer se desculpou. Viviane diz que o motorista do carro lhe entregou um dos zíperes da mala, que foi arrancado pelo PM. Em vídeo publicado por ela nas redes sociais, é possível ver que a mala ficou completamente destruída.
"Eu fiquei muito sem reação, porque estava com meu filho no colo e estava com medo de fazer qualquer movimento. A única coisa que ele falou é que era procedimento, porque tinha informação no rádio de que tinha uma menina aí [que eles estavam procurando]", diz a jornalista.
Bebê ficou assustado. Viviane conta ainda que, apesar de ter apenas 1 ano e 8 meses, seu filho ficou assustado com a imagem do PM apontando um fuzil na direção deles.
"O policial apontou o fuzil para o meu bebê. Ele estava deitadinho mamando. Quando ele viu o policial chegando com o fuzil apontado, se assustou e sentou. Ficou olhando com uma cara séria, de 'o que estava acontecendo'", recorda.
Medo de denunciar. Apesar de estar indignada com a situação que passou, Viviane diz que não pretende fazer uma denúncia formal contra o agente que a abordou.
"A gente tem medo da polícia. Infelizmente eu não confio na polícia e aí eu relatar na rede social foi uma forma de botar para fora. Todo mundo falou que eu tenho que fazer alguma coisa, só que eu tenho receio. Ainda mais que passo pela estrada do Itararé sempre que venho pra minha mãe", desabafa.
Ela afirma ainda que já tinha sido alvo de uma abordagem policial uma vez, mas que na experiência anterior os agentes foram profissionais e gentis durante todo o processo.
"Já tinha passado, mas foi mais tranquilo. Foi com a Guarda Nacional, não com a PM. Eu estava na casa de uma amiga em uma comunidade. Foi totalmente diferente, [o policial] perguntou de onde eu estava vindo, ele me pediu documento. E foi uma policial mulher que fez a revista na minha bolsa", compara.
Racismo. Segundo Viviane, após ser liberada da blitz e seguir viagem, ela teve uma crise de choro e entendeu que o motivo da truculência foi o fato de ser uma mulher negra trafegando pela zona norte do Rio, nas proximidades de um complexo de favelas.
"Ser uma mulher negra tem um peso diferente, né? Quando aconteceu, tive uma crise de choro no carro e o rapaz do Uber foi super empático, me acolheu da forma que ele pode. E eu falei para ele: 'Será que se eu fosse branquinha, você teria tido o carro parado?', questionou.
Viviane diz já ter presenciado outras abordagens policiais quando morava no Catete, na zona sul do Rio, e que a violência empregada pela PM também tem relação com o fato de não se tratar de uma área tida como nobre na cidade.
"A abordagem não é padrão, se fosse na zona sul do Rio teria sido completamente diferente. Falo isso porque já morei muitos anos no Catete e a gente não via as coisas dessa forma. Do túnel para cá, as coisas são diferentes", completou.
O UOL procurou a assessoria de imprensa da PM. Se houver um posicionamento, ele será incluído nesta reportagem.
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