Corpo em freezer e confissão: o que se sabe sobre assassinato em SC
O motorista Valdemir Hoeckler, 52, morava em Lacerdópolis (SC) com a esposa, Claudia Fernandes Tavares Hoeckler, 40. Desde a segunda-feira (14), ele estava desaparecido e foi encontrado morto no sábado (19). Após a descoberta do corpo, a esposa confessou ter assassinado o marido por asfixia enquanto ele dormia, sob efeito de medicamentos, no dia 14 de novembro.
Em uma entrevista divulgada pelo Canal Beto Ribeiro, no YouTube, Claudia deu detalhes do relacionamento com o marido e apresentou sua versão sobre o crime. Segundo a suspeita, na noite anterior ao assassinato, ela foi agredida e ameaçada de morte pelo motorista, mas já vinha sendo vítima de violência doméstica. Ela se entregou na tarde de segunda-feira (21), quando teve prisão temporária decretada pela Justiça.
Entenda, a seguir, o que se sabe sobre o caso.
"Desaparecimento"
Em 14 de novembro, Valdemir deveria encontrar um colega de trabalho, mas nunca chegou ao local. No dia seguinte, Claudia foi até uma delegacia e registrou um boletim de ocorrência de desaparecimento.
Por alguns dias, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, vizinhos e voluntários se empenharam nas buscas, mas a vítima só foi encontrada no sábado (19), quando uma perícia localizou o corpo congelado no freezer da residência do casal.
A suspeita
Em seu primeiro depoimento à polícia, na sexta-feira (18), quando o caso ainda era tratado como desaparecimento, Claudia apresentava hematomas e marcas de agressão no braço, compatíveis com uma agressão. Ela não soube explicar o que teria causado os ferimentos, mas aceitou fazer um exame de corpo de delito, segundo Gilmar Antônio Bonamigo, o delegado responsável pelo caso.
A polícia desconfiou do homicídio diante de versões desencontradas dadas pela esposa e outras informações colhidas com testemunhas.
A primeira suspeita partiu de um vizinho, no dia em que agentes do Corpo de Bombeiros estiveram na residência do casal para efetuar buscas na propriedade. Na ocasião, Claudia ofereceu um almoço para os militares, além de refrigerantes, que estavam no congelador. Nesse momento, a testemunha, que esteve dias antes na residência, notou um volume muito maior no freezer em comparação com a data anterior.
Buscas em residência
Com essas informações, os investigadores pediram autorização à Claudia para realizar uma perícia na casa. Ela autorizou a diligência, mas afirmou aos policiais ter passado mal, horas antes do horário marcado, às 20h do sábado. De acordo com o delegado, a Polícia Civil constatou que nenhum hospital da região registrou a entrada da mulher.
Ao chegar na residência, os investigadores foram informados por vizinhos que a mulher disse que iria a outra cidade, deixando o celular desligado. Um policial militar, vizinho da residência, disse que a casa estava trancada "de uma forma diferente". Com esses elementos, a polícia fez buscas na casa e encontrou o corpo do motorista no eletrodoméstico.
Passado violento
Em uma entrevista divulgada no YouTube no domingo (20), Claudia relatou ter tido uma vida marcada por abusos e abandonos desde os primeiros anos de vida. Durante o vídeo, ela apresentou sua versão sobre o caso e confessou ter assassinado o marido depois de uma sequência de abusos e ameaças.
A suspeita disse ser filha de uma garota de programa, tendo sido criada por uma desconhecida nos primeiros anos de vida. Ela engravidou na adolescência e iniciou os estudos tardiamente, se formando em pedagogia. Além disso, ela teria sido abusada sexualmente pelo padrasto e disse nunca ter convivido com o pai.
Relacionamento abusivo
Claudia conheceu Valdemir há 22 anos. Na época, o motorista fornecia cigarro contrabandeado na lanchonete da mãe dela e já era casado, tendo três filhos até então. Os dois iniciaram um namoro escondido.
Na mesma época, ela deu à luz Gabriela, fruto do relacionamento com Valdemir. Com o passar dos anos, Valdemir mantinha a dupla relação, a contragosto de Claudia. Foi nesse contexto, segundo a suspeita, que ela começou a sofrer agressões. Ela diz ter tentado fugir ao menos três vezes, mas que voltava devido às ameaças contra ela e a filha.
A suspeita diz que conseguiu se formar em pedagogia, mas precisou trabalhar escondida em várias situações devido ao ciúme do marido. Ela contou ainda que o marido a agredia em locais onde as marcas da violência não ficassem aparentes.
"Uma vez, ele passou a noite inteira dizendo que iria me matar. Ele dizia que, se eu não obedecesse e não ficasse com ele, ele iria me matar", afirmou. "Eu preferiria morrer do que viver aquele inferno. Várias vezes eu quis morrer", disse.
Em 2019, ela diz ter feito um boletim de ocorrência e conseguido medida protetiva contra o marido, mas que, por medo, teria voltado atrás. "Ameaçava matar a [nossa] filha também".
Viagem teria sido gota d'água
Durante entrevista no YouTube, Claudia disse que decidiu cometer o crime após Valdemir lhe impedir de viajar com colegas de trabalho, o que ocorreria no dia 14. Ela relatou que, no domingo (13), tentou convencer novamente o marido a deixá-la ir, entretanto, Valdemir teria dito que mataria a mulher caso acordasse e não visse a esposa na casa.
Diante da negativa e da ameaça, Claudia disse que "teve um surto", pensando que, "já que alguém vai morrer, então seja você [Valdemir]". Após dar remédios sedativos ao marido, ela o esperou adormecer e cobriu sua boca e nariz com uma sacola de supermercado.
"Foi tudo repentino. Eram remédios do meu sogro. Ele tomou junto com outros remédios que já tomava". Enquanto o asfixiava, pensou em parar, mas disse que desistiu porque, "se eu parasse e ele acordasse, ele iria me matar. Era eu ou ele", afirmou. Em seguida, ela enrolou o corpo em um lençol e o escondeu no freezer.
Sem arrependimentos
A pedagoga diz ter tido uma "sensação de liberdade" após cometer o crime. Ela afirma que se sente um monstro, mas acredita que sua história pode ajudar outras mulheres que "sofrem o que ela sofreu". "Eu espero que algumas mulheres que estão no começo, ou que estejam no mesmo que eu passei, que vejam a minha história e não repitam", afirmou.
Eu vou agora cumprir minha pena, vou para cadeia, mas eu nunca me senti tão livre. [...] Eu sinto que minha filha está mais segura. Não vai ter ninguém impedindo da gente se ver. Sei que vou parar de apanhar, não sei explicar, mas é uma liberdade.
Prisão
Na segunda-feira (21), o Tribunal de Justiça da comarca de Capinzal, em Santa Catarina, decretou a prisão temporária da suspeita. A juíza Flávia Carneiro de Paris, em regime de plantão, também autorizou a quebra do sigilo telefônico e o acesso aos dados da investigada.
Segundo a magistrada, o crime apurado se trata, inicialmente, de homicídio qualificado por meio que dificultou a defesa do ofendido, já que a vítima foi encontrada com uma lesão na nuca.
"A segregação temporária da representada, neste momento, possibilitará também a melhor elucidação dos fatos, pois impedirá que ela crie embaraços para a apuração da prática criminosa, especialmente para esclarecer os motivos e as circunstâncias do crime e eventual participação de terceiros", afirmou a juíza na decisão.
Segundo o advogado da suspeita, Claudia havia se entregado na manhã de segunda. A prisão temporária tem o prazo de 30 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. O processo tramita em segredo de justiça.
O que diz a defesa
Ao UOL, os advogados de Claudia reforçaram a versão de que a violência doméstica sofrida por ela foi a motivadora do assassinato.
"Ela era uma mulher maltratada física e psicologicamente. Por vezes, até violentada de forma sexual. E que para preservar a própria vida, matou. Hoje ela está se entregando à polícia e possivelmente vai ser presa. Mas ela deixa bem claro: nunca se sentiu tão livre", afirmou o advogado Marco Alencar.
Claudio Dalledone, também advogado de Claudia, afirmou que irá pedir para que a pedagoga responda ao processo em liberdade. "Vamos colocar todas as circunstâncias para que a juíza da comarca fique sabendo de todo esse cenário de horrores [que ela vivia] e vamos pedir para que a juíza imponha condições para que ela responda esse ato em liberdade", disse ao UOL.
"Claudia foi ouvida na sexta-feira passada e respondeu a todas as indagações da autoridade policial — inclusive se submeteu a um exame de corpo de delito", afirmou Marco Alencar.
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