Mãe de criança haitiana achada em casa de cachorro: 'Não parei de procurar'
A mãe ainda tenta entender os sumiços frequentes do filho de 10 anos encontrado em uma casinha de cachorro na última sexta-feira (18) em Joinville (SC) após cinco dias de busca. "Fiquei apavorada com essa notícia, com tudo isso. (...) Eu nem sei como ele fez isso, o porquê que ele fez", disse ao UOL a haitiana de 38 anos, que pediu para não ser identificada.
"Eu nunca parei de procurar", afirma. Sentada em um sofá na varanda da casa onde mora com outros dois filhos, ela conta que a família chegou em 2015 ao Brasil. Há um ano, o pai das crianças tenta passar pelo México para chegar aos Estados Unidos. Já foi deportado para o Haiti uma vez, mas voltou ao México para tentar de novo imigrar ilegalmente.
No Brasil, a família vive em uma casa transformada em brechó. "Ninguém compra nada. Já penso em me desfazer de tudo." Desempregada, ela colocou no portão de casa uma placa em que oferece seus serviços de costureira. Se o marido conseguir entrar ilegalmente em território americano, ela pensa em seguir o mesmo caminho.
Nos últimos dois anos, diz, as fugas do menino se tornaram frequentes. "No ano passado era de mês em mês. Já nesse ano ele saía de semana em semana", conta a mãe. O Conselho Tutelar atuou, além deste último, em outros quatro episódios. Ela conta que procurou ajuda para ele nos serviços de assistência social do município —como CRAS e CPAS —, mas teve pouco amparo.
"Além dessas quatro vezes que o policial veio trazer ele aqui, ele saiu milhares de vezes e eles não sabem. Ele tá livre, ele sai, eu não posso ter meu olhos só nele, tenho mais dois pequenos para cuidar", desabafa.
Ela nega que tenha verbalizado a vontade de abrir mão da guarda do garoto, como afirmou a imprensa local —com informações do Conselho Tutelar. Também nega que tenha agredido a criança. "Nunca eu vi ela maltratar ele, a não ser que maltratasse dentro de casa, mas nunca vi. Foi ele que fugia, do nada. Sabe que o povo é maldoso. Ela não é da nossa cor. Sabe que um preto na boca de um branco não vale nada para muitas pessoas. Para mim não. Ela me ajuda, eu ajudo ela. Acho que não é nada do que falaram", disse ao UOL uma vizinha que preferiu não se identificar.
A família mora na periferia de Joinville. A casa da família fica numa esquina, em uma rua asfaltada. Apesar do fluxo de carros moderado, poucas pessoas circulam a pé. A residência é simples, toda de madeira. Ao redor da casa, há uma área gramada, onde brinquedos das crianças estão espalhados. Da varanda, é possível ver as roupas do brechó penduradas em cabides.
Apesar da repercussão do caso, poucos moradores do bairro sabiam onde ficava a casinha de cachorro ou que a mãe da criança morava nas redondezas. "Achei que fosse no bairro vizinho", conta a funcionária de uma madeireira.
Antes do desaparecimento. No dia anterior ao sumiço, o menino avisou que iria na casa de um amigo e a mãe chamou a atenção dele. "Eu falei: 'tu sabe se a mãe do [nome do amigo do menino] gosta de você na casa dela? Você é um estrangeirinho, ainda mais você é pretinho, aqui tem muitas pessoas que não gostam de gente preta", relata. O menino acabou ficando em casa.
O dia do sumiço. No dia seguinte, a mãe acordou por volta das 10h e o filho já estava de pé. Ela estranhou o menino ter ido tomar banho e voltado com a mesma camiseta suja, mesmo após ter pedido para trocar de roupa. "Ele faz tudo contrariado. Parece que nem adianta falar não e ele faz sim. Ele não gosta de limites. É difícil." Quando ela o viu, pediu para trocar a camiseta. Em seguida, começou a preparar o almoço e foi sua vez de tomar banho. Quando saiu do banheiro, não viu mais o garoto.
A casinha. A mulher não sabe por que o filho decidiu dormir na casinha de cachorro onde foi encontrado. Na verdade, não sabe nem onde fica. "Não tenho nenhuma ideia. Ele pode achar que é o último lugar seguro, que ninguém pode machucar, ninguém pode ver, uma coisa assim. Eu não sei responder, não sei o que passa na cabeça dele. Talvez ele nem saiba."
O menino foi resgatado depois que a Polícia Militar recebeu um chamado para verificar uma suspeita de abandono de incapaz, às 6h de sexta. Ao chegarem ao local, o policiais encontraram a criança que, segundo eles, reclamou do frio.
O que diz o Conselho Tutelar. Procurado pelo UOL, o Conselho Tutelar disse que só iria se manifestar por nota. Segundo o órgão, a criança "encontra-se devidamente protegida" e a situação foi encaminhada para a Vara da Infância e Juventude "que é quem decide sobre o processo de encaminhamento da criança".
Ainda segundo o Conselho Tutelar, ao chegar ao local e identificar a criança na casinha de cachorro foi identificada "situação de risco procedente" e, por isso, foram aplicadas medidas para garantir a proteção do menino.
O UOL foi até a DPCAMI (Delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso) de Joinville, porém a delegada Sirlei Gutoski,responsável pelo caso,não recebeu a reportagem, disse que não iria se manifestar e informou que todas as informações já foram repassadas para a delegacia regional. A reportagem entrou em contato por telefone com o delegado regional Rafaello Ross, mas não foi atendida.
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