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Juíza critica atos golpistas e manda militares protegerem indígenas no AM

A Terra Indígena Vale do Javari está na jurisdição de quatro municípios do Amazonas - Bruno Kelly/Amazônia Real
A Terra Indígena Vale do Javari está na jurisdição de quatro municípios do Amazonas Imagem: Bruno Kelly/Amazônia Real

Do UOL, em São Paulo

25/11/2022 15h53Atualizada em 25/11/2022 18h07

A Justiça Federal do Amazonas criticou os atos golpistas que acontecem em frente ao CMA (Comando Militar da Amazônia). A magistrada apontou que os atos dificultam a solicitação de proteção aos indígenas ameaçados na região do Vale do Javari (AM). O local é um dos pontos de bloqueio feito por manifestantes que protestam contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra Jair Bolsonaro (PL) na eleição presidencial.

Apesar disso, a queixa não muda a decisão. A Justiça concedeu a tutela solicitada pela DPU, por reconhecer "grave risco e urgência elevada" nas providências que devem ser tomadas pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e pelo governo federal com urgência. Ela também determinou que sejam tomadas "as medidas necessárias à proteção da vida e da integridade física dos povos indígenas do Vale do Javari".

A Justiça se manifestou a respeito de uma ação da DPU (Defensoria Pública da União) sobre um ataque ocorrido por volta das 9h30 de 9 de novembro contra o povo indígena kanamari, da região do Vale do Javari. Na ocasião, um grupo com cerca de 30 pessoas em um barco foi abordado por homens que faziam pesca ilegal em um território preservado no rio Itacoaí, segundo o relato. A região é a mesma onde o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram assassinados em junho deste ano.

Segundo o documento, obtido pelo UOL Notícias, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe afirmou hoje que não há como a Justiça comparecer e dialogar pessoalmente com o CMA porque "há cerca de 400 pessoas na entrada do quartel". "Assim, a única forma de contato do juízo com as autoridades militares é o meio eletrônico", afirmou a magistrada.

As ameaças aos povos indígenas

Os pescadores pediram que a situação não fosse denunciada, de acordo com o documento. Em seguida, uma liderança indígena os cobrou pela atitude. Um dos homens, então, teria apontado uma arma na direção do seu peito para ameaçá-la, dizendo que os assassinatos só iriam acabar quando todas as lideranças indígenas do Vale do Javari fossem assassinadas.

Vou tirar a máscara para você ver o meu rosto e te avisar que, por conta de atitudes assim que Bruno e Dom foram mortos, e você será a próxima. Só não te matarei agora porque estamos na presença de muitas crianças
Relato atribuído a um pescador ilegal no Vale do Javari na denúncia

De acordo com a denúncia, o grupo estava sob a mira de diversas armas apontadas pelos pescadores ilegais, que cortaram a fiação do motor de uma das canoas e atiraram na direção de embarcações, perfurando tambores de gasolina.

O documento com o relato do ataque foi encaminhado à DPU em uma carta aberta assinada pela Akavaja (Associação dos Kanamari do Vale do Javari), que deu origem ao pedido de liminar.

Procurada, a Funai e o governo federal não se posicionaram sobre o caso. Assim que houver uma manifestação, ela será incluída na reportagem.

O que diz a liminar? O documento, assinado pelos defensores públicos da União Renan Sotto Mayor e Francisco de Assis Nascimento Nóbrega, alerta para a continuidade de crimes ambientais mesmo após os assassinatos do jornalista britânico e do indigenista na região.

Mesmo com o desaparecimento e o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, ainda assim não foram tomadas medidas efetivas para cessar os ataques sistemáticos perpetrados por madeireiros, garimpeiros e pescadores ilegais. O Estado brasileiro não pode mais permitir que pessoas sejam assassinadas na região
Trecho da liminar da DPU

O texto ainda diz que, "apesar da repercussão mundial do caso Bruno e Dom, os criminosos não recuaram". "Os crimes ambientais continuam de forma preocupante, mas, agora, com o ultraje de utilizar como retórica o acontecimento infame que nos assola desde o fatídico dia 5 de junho de 2022 [quando ocorreram os assassinatos]."

A liminar também alerta para o pouco efetivo da Força Nacional na região, que vem caindo após os assassinatos de Bruno e Dom. Segundo o documento, havia oito agentes em julho —mês seguinte ao crime. Em agosto, o número caiu para quatro. E, ainda de acordo com a DPU, havia apenas dois funcionários do órgão federal em setembro na região.

Os pedidos da liminar:

  • Solicita que a Funai e o governo federal adotem as medidas necessárias para a proteção da vida e da integridade física dos povos indígenas do Vale do Javari. O documento também pede proteção aos agentes públicos que fazem a fiscalização nos rios Ituí e Itacoaí com "operações integradas entre Funai, Ibama, Força Nacional e Forças Armadas";
  • Pedido de atuação em conjunto entre o governo federal e o governo do Amazonas;
  • Intimação à Funai e ao governo federal para que informem as providências adotadas em um prazo de cinco dias "para elucidar os graves fatos narrados e coibir a atuação dos pescadores ilegais na região.

Procuradas, Funai e governo federal ainda não se manifestaram.