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Moradores relataram deboche de PMs antes de mortes em baile em Paraisópolis

Do UOL, em São Paulo

01/12/2022 10h58

Na madrugada de 1º de dezembro de 2019, testemunhas contaram que policiais militares fizeram mais de uma incursão a Paraisópolis, zona sul de São Paulo, antes do cerco ao baile da DZ7 que terminou na morte de nove jovens.

Segundo os depoimentos, durante essas entradas, eles jogaram bombas para intimidar e dispersar os frequentadores. Há ainda relatos de que passaram falando: "Podem curtir que tá acabando". E davam risada. O tom era de deboche.

Também teriam quebrado lâmpadas na viela do Louro, onde mais tarde muitas pessoas foram encurraladas, espremidas em um espaço tão pequeno que os nove jovens acabaram não conseguindo espaço para inflar os pulmões e respirar. Oito morreram por asfixia e um por traumatismo, segundo o laudo necroscópico.

"Um morador me relatou que, no início da madrugada, policiais com cassetetes quebraram duas lâmpadas da viela", diz o pastor Igor Alexsander Gonçalves Amorim, que à noite ajudava a cuidar dos jovens que passavam mal em dia de baile na comunidade.

O pastor lembrou que o clima estava tenso naquele fim de ano.

Contou que em novembro estava no Maranhão e foi procurado por moradores da comunidade que estavam preocupados com o aumento da violência policial depois da morte do sargento Ronaldo Ruas Silva. Ele trabalhava no 16º batalhão, o mesmo dos 12 réus. "Igor, você precisa voltar porque a polícia tá entrando aqui e tá batendo em muita gente e tá dizendo que vai ser 1 por 15", escutou.

A expressão "1 por 15" significa que, a cada PM morto, 15 pessoas da comunidade pagariam com a vida em retaliação.

Um mês antes, no dia 1º de novembro, o sargento Ruas fazia parte da "Operação Pancadão", quando foi baleado durante uma abordagem a um suspeito na rua Herbert Spencer. Sua arma falhou, ele foi ferido e morreu. PMs que o acompanhavam atiraram no criminoso, que também morreu.

No dia da morte do sargento, o comando da PM havia dado início à Operação Saturação em Paraisópolis, com ocupação territorial com grupos de elite da corporação para prisão de criminosos e redução da criminalidade.

Em agosto de 2018, a soldado Juliane dos Santos Duarte estava de férias e foi sequestrada num bar dentro de Paraisópolis. Ela se identificou como policial, depois do sumiço de um celular. A PM, que trabalhava no Jabaquara, na zona sul, foi torturada e morta a tiros. O corpo dela foi encontrado dentro de um carro no bairro de Campo Grande, também na zona sul de São Paulo.

Moradores disseram que depois disso as ações da PM para dispersar os bailes na comunidade ficaram mais frequentes e violentas. Por isso, em dezembro de 2019, eles já imaginavam que viria uma repressão truculenta.

O advogado Fernando Capano, que atua na defesa de oito réus, rechaça o raciocínio. "Quem em sã consciência vai nessa lógica: vamos nos vingar da bendita comunidade em razão de terem matado um policial?", questionou. "Arriscar a carreira em razão desse tipo de argumento não faz sentido para nenhum deles."

Massacre em Paraisópolis - PMs -  -

'Moiô'

Naquele dia, o baile da DZ7 não lotou. De acordo com estimativa da Polícia Civil, havia entre 5.000 e 8.000 pessoas no quarteirão da rua Ernest Renan —entre as ruas Rudolf Lotze e Herbert Spencer. Antes, a festa já havia atraído um público de 20 mil pessoas, bem mais cheio do que no dia da tragédia.

Outra testemunha contou que, por volta das 2h, já com as ruas tomadas pela multidão, frequentadores gritaram: "Moiô" — que significa que a polícia estava chegando.

Teve início um tumulto e ela escutou o barulho de uma bomba. Pessoas correram para dentro de bares, casas e vielas, inclusive a do Louro, para se proteger da polícia.

O roteiro do baile seguia assim: a polícia passava, o som era desligado e a multidão se dispersava. Os PMs iam embora, o som era ligado e a festa voltava. Até as 3h41, quando um pedido de apoio de um PM da Rocam (Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas) mudou tudo.

Massacre em Paraisópolis - Vitimas -  -

PM agrediu com vara morador de muletas

O soldado Rodrigo Almeida Silva Lima, um dos réus no processo que apura as mortes no baile da DZ7, aparece em um vídeo rindo e agredindo pessoas com uma vara. Esse caso aconteceu durante uma ação no baile do Bega, também realizado em Paraisópolis. O PM bateu até em um homem que usava muletas.

As imagens foram feitas semanas antes da operação na festa da DZ7. Segundo a PM, o vídeo foi gravado no dia 19 de outubro de 2019, na rua Manoel Antônio Pinto. E começou a ser divulgado na internet depois da morte dos nove jovens no baile.

O soldado, ficou de fevereiro a dezembro de 2019 na 1ª Companhia do 16º Batalhão, responsável pelo patrulhamento da região. Foi afastado para a apuração de sua conduta no vídeo. "A análise desse caso [do vídeo] está suspensa no momento até a solução do caso principal [baile da DZ7]", disse Capano.

Na madrugada do dia 1º de dezembro, ele estava na primeira viatura que chegou ao cerco ao baile.

A investigação sobre as mortes também reúne relatos de que policiais utilizaram canos e outros objetos para agredir frequentadores.

Trinta e um policiais foram investigados nesse caso. Doze viraram réus e respondem por homicídio com dolo eventual, quando se assume o risco de matar, e lesão corporal.

Massacre em Paraisópolis - Linha do tempo -  -