'Crianças perderam tudo, não podemos parar': a missão de barqueiros no Sahy
Uma operação organizada em uma marina de Barra do Una, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, envia por mar toneladas de alimentos, produtos de higiene, roupas e colchões e ainda resgata pessoas ilhadas em áreas mais atingidas pelas fortes chuvas.
O temporal castigou a região de Barra do Sahy e Boiçucanga. Ao todo, já são 49 mortos e há dezenas de desaparecidos.
Desde segunda-feira até quarta, centenas de homens, mulheres e crianças foram resgatados dessas áreas. Em sua maioria, turistas isolados na região.
Pequenos barcos e botes infláveis a motor fazem o trajeto graças à mobilização de marinheiros e pescadores que moram em Barra do Una e de clientes da marina, que se voluntariaram a ajudar as comunidades atingidas.
A família do marinheiro Pedro Henrique Faria da Silveira, 19, colocou os três barcos que tem para ajudar no socorro aos atingidos. Pelos seus cálculos, em três dias mais de 10 toneladas de mantimentos já foram transportadas.
Quando a gente vai até os abrigos para entregar alimentos, água, remédios e olha nos olhos das crianças que perderam parentes, que não têm mais casa, a gente sabe que não pode parar
Pedro Henrique Faria da Silveira
O socorro voluntário dos barqueiros se contrapõe ao abuso nos preços de mantimentos nos mercados da região. Há relatos de galões de água que antes custavam R$ 8 saindo a R$ 40.
"A maior parte das doações é feita pelo pessoal daqui mesmo, não dos turistas que passam o verão no litoral. E tem gente daqui que está tirando proveito da situação, querendo cobrar pelo transporte. Isso chateia a gente um pouco, mas não podemos pensar nisso agora. Ainda tem muita gente para ajudar."
'Parece que houve guerra'
E não é só pelo drama das famílias vitimadas pela tragédia que o litoral norte se transformou em um cenário de catástrofe.
A natureza no entorno também mudou. Nesses três dias navegando pela costa sul do litoral norte, Pedro ainda luta para acreditar que o que vê é real e não cena de um filme com enredo apocalíptico.
Um trecho inteiro da Serra do Mar entre Juquehy e Barra do Sahy simplesmente desmoronou. Uns 10 quilômetros de extensão. Os deslizamentos também mudaram a paisagem das ilhas menores aqui. Parece que a região foi destruída pela guerra, parecem cenas de bombardeio
Pedro Henrique Faria da Silveira
Segundo Pedro, árvores foram arrancadas pela força da água, deixando um rastro de lama ao longo das encostas. Os escorregamentos lembram cicatrizes longas amarronzadas nos morros antes cobertos pelo verde.
'Aula de igualdade'
Marinheiro desde os 14 anos, Gustavo Lopes dos Santos, 35, já perdeu as contas de quantas viagens fez desde que as ações se iniciaram. Ele pilota uma embarcação cedida pelos patrões, um casal de empresários, que se sensibilizou com a situação dos moradores atingidos pela catástrofe.
Todos os dias, ele sai de casa às 7h30 e se dirige à marina, ponto de encontro dos voluntários de Barra do Una. O destino tem sido Boiçucanga, área mais distante da marina. Ele faz entre 7 e 8 viagens por dia.
Leva mantimentos e traz pessoas que estão isoladas, desesperadas para sair da região. O trabalho só para quando escurece.
"Só no meu barco trouxe mais de 150 pessoas para Barra do Una. Esses dias o mar ainda estava meio revolto, com ondas grandes, então o foco teve de ser redobrado para não corrermos o risco de um tronco ou galhos atingirem o barco. O mar está cheio deles", contou Santos ao UOL. Ele diz que se sente muito satisfeito em poder ajudar no trabalho voluntário.
O alívio das pessoas quando a gente ajuda é o que vale a pena. Essa tragédia está sendo uma verdadeira aula de igualdade. Não foram só os pobres que foram atingidos dessa vez, mas os ricos que frequentam o litoral norte e têm casas aqui, também. E eu trago todos juntos, lado a lado, no meu barco
Gustavo Lopes dos Santos
Os barcos saem da marina lotados de mantimentos, roupas e itens de necessidade e navegam cerca de 10 minutos até o Portinho de Barra do Sahy. O transporte até o Porto dos Pescadores em Boiçucanga leva cerca de 30 minutos. Quando retornam, trazem moradores e turistas que estavam ilhados nesses locais.
Voluntários moram em área de risco
"Iniciamos esse trabalho na segunda-feira, desde que o mar apresentou condições favoráveis de navegação", contou a sócia-proprietária da Marina Marinella, Natália Baccarin.
"Desde então, as ações de ajuda se tornaram ininterruptas, para dar conta da entrega da quantidade de doações que estamos recebendo. Hoje passamos a contar com a colaboração do Iate Clube e de outras marinas de Barra do Una."
Entre os voluntários, ela esclarece, estão funcionários da empresa, que moram na Vila Mineira, que também é uma área de risco. Tocados com o drama das vítimas, eles se ofereceram para ajudar nas operações de transporte de mercadorias e resgate de moradores.
"Os clientes da marina, que possuem barcos atracados no local, também ofereceram embarcações pequenas e botes infláveis para o trabalho de ajuda", diz Natália.
"Alguns deles inclusive estão trabalhando o dia todo pilotando os barcos. Até o momento, temos 15 barcos de pescadores e cinco clientes empenhados nas ações de auxílio", afirmou.
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