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'Cheiro de morte': lama e água contaminadas causam doenças no litoral de SP

Fabíola Perez

Do UOL, em São Paulo

02/03/2023 04h00Atualizada em 02/03/2023 17h39

Taila de Oliveira Gnecco, 30, moradora do Sertão de Camburi, em São Sebastião (SP), está há quatro dias com dores no corpo, ânsia de vômito e diarreia. A mãe dela, de 66 anos, chegou a desmaiar. As duas foram diagnosticadas com virose —a suspeita é que ficaram doentes após contato com a água contaminada pela enxurrada de lama provocada pelas chuvas que atingiram o litoral norte e deixaram ao menos 65 mortos.

Aumento de 30% nos atendimentos a pacientes com gastroenterite (afeta estômago e intestino). A Secretaria de Saúde de São Sebastião informou que houve, nos últimos dias, essa alta na procura a unidades de saúde do município —principalmente na costa sul.

Segundo a pasta, apesar de considerar comuns casos de pessoas com problemas intestinais, a alta levantou um alerta.

A cor da água mudou, não temos saneamento básico, a gente vê as valas de esgoto a céu aberto. A água está bem marrom. É um cheiro de morte, o cheiro que temos sentido do desbarrancamento, que mistura tudo."
Taila de Oliveira Gnecco, moradora do Sertão de Camburi

Moradora de Camburi teve diarreia após ter tido contato com água sem tratamento de esgoto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Moradora de Camburi teve diarreia após ter tido contato com água sem tratamento de esgoto
Imagem: Arquivo pessoal

Da Vila Sahy, região mais afetada pela tragédia, uma moradora que não quis se identificar diz que começaram a surgir relatos de pessoas com diarreia e vômito na terça-feira de Carnaval (21) —dois dias após o temporal. Depois, vieram casos de pessoas com doenças de pele.

Moradores temem novas contaminações.Quando a chuva deu uma trégua, a lama se transformou em poeira e começaram a aparecer os problemas respiratórios. Ela afirma ainda que ao menos quatro voluntários foram diagnosticados com leptospirose.

Questionada pelo UOL, a prefeitura disse que um médico infectologista da rede "está verificando os abrigos e intensificando a identificação de novos casos nos hospitais" e que a população está sendo informada por meio de redes sociais e outros canais de comunicação.

Lama: 'coquetel contaminante'

O gestor ambiental Daniel Martins Franco afirma que a lama que desceu das encostas arrastou "todo o material orgânico" que havia pelo caminho. Ele atuou como voluntário por dois dias em São Sebastião.

Corpos, animais silvestres e domésticos, poluição das fossas, necrochorume, resíduos de carros arrastados, ou seja, um coquetel contaminante."
Daniel Martins Franco, gestor ambiental e voluntário em São Sebastião

Daniel viu caminhões que retiravam a lama das ruas e levavam para as margens da rodovia Rio-Santos. "O caminhão passou ao meu lado e tivemos que nos afastar alguns metros porque a lama caía da caçamba. O motorista estava desprotegido, com as mãos descobertas e sem máscara."

O gestor ambiental critica a ausência de coleta e análise do material. "O pior é não se ter conhecimento sobre a composição."

Foi solicitada a análise do material pelos órgãos competentes e, assim que as condições climáticas permitirem, todas as avaliações relacionadas aos aspectos ambientais serão realizadas."
Prefeitura de São Sebastião

A administração municipal afirmou ainda que "todos os profissionais envolvidos [na remoção da lama] estavam com equipamentos de proteção individual".

Nas casas, reservatórios próprios de água

Em Camburi, uma das praias de São Sebastião, não há tratamento de água, segundo o engenheiro sanitarista Luan Harder, que vive no local. "Os moradores têm os próprios reservatórios, que são as caixas d'água."

Com fossas rudimentares e sem água tratada, a população está mais sujeita à contaminação. "Com as enchentes, tivemos contaminação do lençol freático pelo esgoto. Não tem nenhum controle, tratamento ou testagem", afirma Harder.

Conheço dezenas de pessoas contaminadas, com sintomas, mas poucas vão aos postos de saúde. Só quem está numa situação muito crítica."
Luan Harder, engenheiro sanitarista que mora em Camburi

Abastecida por uma caixa d'água própria, Taila afirma que após as chuvas passou a depender de doações de garrafas d'água para beber, cozinhar e escovar os dentes.

Em nota, a prefeitura informou que "em 2019 São Sebastião assinou um convênio histórico com a Sabesp no valor de mais de R$ 600 milhões para fornecer saneamento básico aos bairros contemplados. De acordo com o plano de trabalho da Sabesp, várias áreas já estão passando por obras de saneamento básico".

A Sabesp afirmou, também em nota, que "84% de São Sebastião possui cobertura de abastecimento de água e 73% com coleta de esgoto (todo o esgoto coletado é tratado). Os bairros de Camburi e Camburizinho não são operados pela companhia."

Também afirma que "tem disponibilizado caminhões-tanque para abastecer todas as regiões afetadas de São Sebastião —mesmo as que não são operadas pela companhia".