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Ataques no RN: facção usa tática terrorista, enfrenta PCC e desafia Estado

Do UOL, em Maceió e em São Paulo

15/03/2023 04h00

A facção criminosa apontada como a responsável pela série de ataques que começaram na madrugada de ontem no Rio Grande do Norte é conhecida pelo uso de táticas terroristas no enfrentamento ao Estado e pela guerra contra o PCC.

Fundado há dez anos, o Sindicato do Crime tem expandido a sua área de domínio com ações violentas, obrigando o grupo paulista a buscar refúgio em municípios mais afastados da capital Natal.

O surgimento. O Sindicato é uma dissidência do PCC, que começou a ser montada ainda em 2012, quando presos ligados à facção paulista questionavam a obrigação de seguir ordens e enviar recursos arrecadados com o crime para São Paulo.

Com o racha, as duas facções passaram a disputar o crime organizado no Rio Grande do Norte, mas o Sindicato foi ganhando cada vez mais força e hoje está mais presente em ruas e presídios.

A facção foi descoberta com as investigações da operação Alcatraz, em 2014. Segundo apurações do Ministério Público do Estado, o grupo tem o lema "Humildade paz e liberdade".

O massacre. Entre 2016 e 2018, foram pelo menos três grandes episódios de violência envolvendo o Sindicato do Crime e o PCC. O mais grave deles foi uma a guerra dentro do presídio de Alcaçuz em janeiro de 2017, que resultou no assassinato de 26 membros da facção nordestina por integrantes do PCC.

O PCC é mais organizado, mas o Sindicato tem mais integrantes. E eles são mais violentos, estão envolvidos com os crimes de varejo. Diria que o PCC opera no atacado [das drogas]."
Eliabe Marques Da Silva, subtenente da PM

Foi justamente após levar a pior na guerra dentro do sistema prisional que o Sindicato se aliou ao CV (Comando Vermelho), facção criminosa carioca, e intensificou o enfrentamento nas ruas contra o PCC.

Com cerca de 5 mil criminosos ligados à facção no estado, o grupo tem mantido a hegemonia do tráfico de drogas, aponta CS Barbosa, autor do livro sobre as organizações criminosas locais.

O PCC levou a melhor [no massacre]. Mas, depois disso, o Sindicato radicalizou a guerra nas ruas. Com isso, a facção paulista perdeu o controle do tráfico em Natal. Quando criminosos do PCC saem da cadeia, eles vão para o interior. Porque sabem que vão morrer se ficarem na capital."
CS Barbosa, autor do livro "As facções criminosas do RN"

Ordens repassadas via WhatsApp

CS Barbosa, que também é sargento da PM, diz que os ataques contra o Estado costumam ser planejados pelas lideranças do Sindicato dentro do sistema prisional. As ordens então são repassadas aos criminosos nas ruas em grupos de WhatsApp.

Hierarquia. Segundo ele, há cerca de 40 lideranças divididas em três grupos.

  • Os "fundadores" são os idealizadores, que possuem autoridade máxima dentro da facção. Seria deles que teria partido a ordem de ataques recentes no Rio Grande do Norte, diz Barbosa.
  • O "conselho", de acordo com ele, são os responsáveis por resolver problemas internos da organização criminosa, como um "tribunal do crime". Eles decidem quem será excluído ou até assassinado por "infrações".
  • Já um outro grupo forma o terceiro escalão, encarregado de ações mais ligadas à rotina da venda de drogas nas ruas.

Tática antiga. Na última década, a facção foi responsável por outros momentos de terror nas ruas do Rio Grande do Norte, especialmente em ataques a ônibus em Natal.

Motivação. As restrições nos presídios e a intensificação dos confrontos contra as forças de segurança são apontadas como as possíveis motivações para a sequência de ataques que começaram ontem.

O secretário da Segurança Pública, Francisco Canindé de Araújo Silva, afirmou que não tinha como precisar o motivo dos ataques, mas disse que poderiam ser uma resposta a ações das forças de segurança contra o tráfico nas últimas semanas em Natal.

Acreditamos que ações policiais anteriores, há uns 15 dias --quando houve um enfrentamento a infratores e alguns vieram a óbito, e foi apreendida grande quantidade de drogas e armas-- inquietaram a delinquência e os levaram a enfrentar as forças de segurança."
Francisco Canindé de Araújo Silva, secretário da Segurança Pública

Segundo apurou o UOL, os presos do PCC estão separados daqueles do Sindicato nos presídios. Isso evita que eles se matem, já que a rixa deles é pública.

Batismo, regras e mensalidade

Uma primeira denúncia na Justiça foi feita contra cinco membros do Sindicato em 18 de dezembro de 2014.

Segundo as investigações, a facção copiou do PCC rituais, práticas e até no vocabulário, já que é formada por ex-membros da organização criminosa paulista.

Como funciona. O estatuto da facção criminosa do Rio Grande do Norte foi definido por conversas pelo aplicativo WhatsApp e descoberto após a apreensão de celulares.

Com 16 "artigos", prevê itens inusitados, como a proibição do uso de crack e do calmante Rivotril. Em gravações telefônicas, os promotores também descobriram que todos os integrantes da organização passam por um rito de batismo.

Quem é quem. Os líderes do Sindicato nas comunidades são os chamados "quadro geral da quebrada". Ao lado, há o "linha de frente da quebrada", responsável pela segurança da comunidade.

Os chefes dos pavilhões nos presídios são chamados de "jet's". Os "vaqueiros" são os agentes operacionais do tráfico.

As mulheres de presos são chamadas de "cunhadas".

Membros pagam "mensalidade". Os integrantes do Sindicato do Crime são obrigados a pagar um valor mensal, que dá direito a alguns "benefícios", como acesso a advogados e assistência a familiares, em caso de prisão.