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'É crime de ódio': acusados de matar jovem trans em 2015 vão a júri popular

Laura Vermont foi morta aos 18 anos após ser espancada por cinco homens na zona leste de São Paulo em 2015 - Arquivo pessoal
Laura Vermont foi morta aos 18 anos após ser espancada por cinco homens na zona leste de São Paulo em 2015 Imagem: Arquivo pessoal

Do UOL, em São Paulo

16/04/2023 04h00

Os cinco acusados de matar a jovem trans Laura Vermont em 2015, em São Paulo, serão levados a júri popular após dois adiamentos do julgamento.

O que aconteceu?

Segundo testemunhas, Laura Vermont, 18, foi perseguida e espancada por cinco homens. O crime ocorreu na madrugada de 20 junho de 2015 na avenida Nordestina, na Vila Nova Curuçá, extremo leste da capital paulista, a poucos metros da casa onde a família da vítima vivia.

Van Basten Bizarrias de Deus, Iago Bizarrias de Deus, Wilson de Jesus Marcolino, Jefferson Rodrigues Paulo e Bruno Rodrigues de Oliveira são acusados de agredir Laura com socos, murros e pontapés —Van Basten teria usado, ainda, um pedaço de madeira. Eles afirmam que apenas revidaram ao arremesso de uma pedra contra Van Basten.

Na primeira versão dada para a polícia, todos confessaram as agressões, mas voltaram atrás depois sobre a participação de Jefferson Rodrigues Paulo e Bruno Rodrigues de Oliveira— que estariam presentes, mas não teriam agredido a jovem. Os réus respondem ao processo em liberdade.

Agressão dos policiais

Após as agressões, Laura teria ainda conseguido andar e pedir ajuda, mas foi baleada. Ela havia encontrado o sargento Ailton de Jesus e soldado Diego Clemente Mendes, à época do 39º Batalhão da PM, na zona leste da cidade.

Na primeira versão dada à Polícia Civil, os policiais afirmaram que Laura roubou a viatura e bateu o carro em um muro. Eles não falaram sobre o tiro no braço da vítima, identificado pela perícia.

O laudo necroscópico de Laura não conseguiu determinar o que causou a morte. Mas, de acordo com o juiz Luís Filipe Vizotto Gomes, que aceitou a denúncia contra os cinco civis pela morte de Laura em 2017, "as evidências sinalizam que houve um somatório de causas".

Segundo ele, a morte decorreu "tanto das lesões provocadas pelos acusados, como pelas lesões provocadas pela própria vítima (batida do carro), como pelas lesões provocadas pelos policiais (disparo no braço)".

Os PMs chegaram a ser presos em 2015 por fraudar provas do caso, mas foram soltos dias depois. Eles não são mais investigados pelo crime, embora tenham sido expulsos da corporação em dezembro de 2016.

A Justiça condenou o governo de São Paulo a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais. A gestão estadual foi penalizada pela atuação dos dois policiais militares envolvidos na morte de Laura.

Como será o julgamento?

O Tribunal de Justiça de São Paulo reservou duas datas para o julgamento: 11 e 12 de maio —mas o advogado da família da vítima acredita que a apreciação pode durar até quatro dias.

Os sete jurados decidirão se os acusados são culpados ou inocentes por matar Laura por motivo fútil, meio cruel e sem chance para defesa.

José Beraldo, advogado que auxilia a família de Laura, afirma a agressão contra Laura foi muito violenta. "É crime de ódio. Eu quero a pena máxima, acima de 20 anos [para cada um]".

Espero que eles saiam presos do julgamento, que o juiz não permita nenhum recurso em liberdade. Queremos que a Justiça reconheça o meio cruel e o crime de ódio, que é um crime que hoje constitui transfobia."
José Beraldo, advogado da família de Laura

A Justiça, ao aceitar a denúncia contra os réus, apontou que a versão deles não servia como justificativa, já que "eles estavam em cinco contra uma", e Laura estava desarmada. O documento ainda aponta que nenhuma lesão foi constatada em Van Basten pela suposta pedrada. Laura tinha lesões em todo o corpo.

O julgamento havia sido marcado inicialmente para acontecer em maio de 2019. O primeiro adiamento aconteceu pela ausência de duas testemunhas, consideradas fundamentais para defesa dos acusados e para a acusação.

O segundo adiamento, em setembro de 2019, aconteceu após o MP solicitar à Justiça Militar a cópia integral dos autos do processo dos policiais que abordaram a Laura na noite em que a jovem foi assassinada.

Procurada pela reportagem do UOL, a Defensoria Pública, que cuida da defesa dos réus, confirmou que atua no caso e que "irá se manifestar nos autos do processo".

Acolhimento em casa não evitou morte

Diferentemente de muitas outras jovens trans e travestis, Laura tinha acolhimento da família. Após as agressões, foram Zilda Laurentino e Jackson de Araújo, pais de Laura, que a resgataram na rua e a levaram para o hospital, mas ela não resistiu e morreu.

Vai fazer 8 anos que perdi a minha filha e até hoje não temos justiça. Isso não vai trazer minha filha de volta, mas precisamos de justiça. Meu sofrimento, cada dia que passa, aumenta, é uma dor sem fim. São sequelas para o resto da vida em toda família."
Zilda Laurentino, mãe de Laura

Para superar a falta da filha caçula, Zilda e Jackson fecharam a padaria que os mantinha e abriram o Vermont Pet Shop. "O trabalho ocupa muito a minha cabeça. Eles [os animais] só dão amor. Se não ocupar a cabeça, a gente pira", disse Zilda.

José Beraldo disse que irá lutar para que Laura seja respeitada no julgamento. "Temos que mostrar quem era ela: não era nociva à sociedade, era querida, era respeitada. Ela virou nome de centro LGBT".

Laura não sofria nenhum preconceito em casa, era uma moça amada. Ainda existe muito preconceito nas pessoas, então vamos destacar isso."
Beraldo

Nos últimos seis anos, ao menos 912 pessoas trans foram assassinadas no Brasil, segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). A média anual é de 121 casos.