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'Quero mudar de vida': a rotina de 16 presas trans em presídio de SP

Mulheres trans são atendidas em programa de saúde integral no CDP 3 de Pinheiros - Camila Svenson/UOL
Mulheres trans são atendidas em programa de saúde integral no CDP 3 de Pinheiros Imagem: Camila Svenson/UOL

Do UOL, em São Paulo

21/05/2023 04h00Atualizada em 21/05/2023 13h38

Os portões azuis do CDP 3 de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, dão entrada para uma cadeia masculina com capacidade para 572 presos, mas que soma mais de 1.000 pessoas abrigadas. Dezesseis presas são mulheres trans e travestis.

Quando detidas, as mulheres trans e travestis que já passaram pela cirurgia de redesignação de gênero são encaminhadas para unidades femininas. Mas isso não acontece com as demais — como essas 16.

Ao chegarem ao CDP 3 de Pinheiros, as presas fazem a autodeclaração das suas identidades de gênero, informando nome social e pronome. Recebem roupas íntimas femininas — calcinha e sutiã — e escolhem se vão ficar em celas com outras presas trans ou com os demais presos.

No estado são 2.649 pessoas trans dentro do sistema prisional, sendo 680 na região metropolitana de São Paulo.

Detalhe na tatuagem de uma das presas do CDP 3 de Pinheiros que participa de programa de saúde integral - Camila Svenson/UOL - Camila Svenson/UOL
Tatuagem de Juliana, uma das presas do CDP 3 de Pinheiros que participa de programa de saúde integral
Imagem: Camila Svenson/UOL

'Teve aquele choque'

O uniforme é o mesmo. Com chinelos, calça bege e camiseta branca, Juliana, 28, chegou à sala para a entrevista. Estava nervosa, ficou mais à vontade quando começou a falar da sua experiência e demonstrou orgulho ao exibir sua tatuagem com a inscrição Deus para a fotógrafa.

Ela foi uma das primeiras atendidas em um programa piloto que funciona no CDP 3 de Pinheiros e é voltado à população trans. O projeto oferece tratamento médico (que inclui a prescrição de hormônios e o combate às infecções sexualmente transmissíveis), de saúde mental, e detalhes no acolhimento — como o fato das presas serem chamadas pelo nome social e o pronome correto.

Por enquanto, 19 mulheres trans e travestis presas do CDP 3 participaram do programa. Seis são atendidas atualmente. O UOL conversou com duas delas. Os nomes foram trocados a pedido das entrevistadas.

Juliana começou a transição há quatro anos, tinha acompanhamento médico, mas parou quando foi detida. Há sete meses, retomou o tratamento no CDP 3. "É bom porque é um passo a mais. Estamos presas, privadas de liberdade, mas queremos nos sentir mais femininas", afirma.

As mulheres trans são as que mais procuram por tratamento hormonal e têm dificuldade no acesso, segundo Simone Gomide, diretora estadual da Saúde da População Carcerária.

Juliana pondera que "sempre tem um que vai fazer piadinha", mas diz que na prisão "tem bastante respeito".

As pessoas respeitam o nome, o pronome. Teve aquele choque, porque foi a primeira vez que fui presa, mas sempre fui respeitada por todos.
Juliana, mulher trans presa no CDP 3 de Pinheiros

Fachada do Centro de Detenção Provisória 3 de Pinheiros, onde estão presas 16 mulheres trans e travestis - Camila Svenson/UOL - Camila Svenson/UOL
Fachada do Centro de Detenção Provisória 3 de Pinheiros, onde estão presas 16 mulheres trans e travestis
Imagem: Camila Svenson/UOL

'Nunca tive acompanhamento médico'

Pâmela, 29, entrou na sala depois que Juliana saiu. Ela mexia as mãos freneticamente no início da conversa. Acalmou-se quando começou a contar sua história.

"Eu sofri muito na escola, parei de estudar", lembra. Por causa do preconceito, conta que abandonou não só os estudos, mas também o cuidado com a saúde.

Antes de ser presa, ela tomava hormônios por conta própria — o que pode acarretar em riscos sérios para a saúde, como trombose e problemas no fígado. Há seis meses, começou o tratamento com acompanhamento médico no CDP 3. "É muito diferente estar com um profissional que dá as dosagens certas", avalia.

Também retomou o ensino médio e concluiu o primeiro e o segundo anos. Quer continuar estudando.

O programa começou em agosto de 2022 e não tem prazo para ser estendido. É uma parceria entre o CDP 3 de Pinheiros e a UBS Dr. José de Barros Magaldi, com o suporte da Rede Sampa Trans, programa da Prefeitura de São Paulo para a população trans.

Estou correndo atrás do tempo perdido. Quero fazer um curso de radiologia quando sair. Quero mudar de vida."
Pamela, mulher trans presa no CDP 3 de Pinheiros