Banho e comida na geladeira: moradores têm a volta da luz, mas temem fiação

Moradores do conjunto habitacional Verde Oliva, no bairro de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, comemoram a volta da energia elétrica após quase seis dias no escuro. Eles ficaram sem banho quente e tiveram alimentos estragados, e muitos idosos interromperam tratamentos de saúde.

Medo de novos incidentes

A preocupação dos moradores agora é que os fios baixos e as árvores causem novos incidentes. A energia foi restabelecida ontem, por volta das 16h30.

Segundo o síndico Rogério Sousa, 41, cerca de 60% dos condôminos do Verde Oliva são idosos. "Me sensibilizo porque alguns utilizam aparelhos de oxigênio e fazem uso de medicamentos que precisam de refrigeração", afirma.

08.nov.2023 - Síndico do conjunto, Rogério Sousa diz que ficou 40 horas sem dormir atendendo moradores
08.nov.2023 - Síndico do conjunto, Rogério Sousa diz que ficou 40 horas sem dormir atendendo moradores Imagem: Fabíola Perez/UOL

Mesmo após a volta da energia e a saída da equipe da Enel do local, era possível observar galhos caídos, fios baixos e marcas da fiação que se soltou dos postes. Na calçada, era possível perceber o concreto onde antes havia um poste de energia.

Vou fazer uma força-tarefa para trazer engenheiros para ver quais árvores estão ocas. Não podemos passar por esse risco mais uma vez.
Rogério Sousa, morador e síndico do Verde Oliva

No fim da tarde de ontem, Rogério avisou a todos que entravam no conjunto que a energia havia voltado. Moradores passavam por ele dizendo que poderiam tomar banho quente, fazer faxina em casa e devolver os alimentos à geladeira. Um dos vizinhos comemorava por ter conseguido salvar os peixes no aquário. "Dei um jeito para eles não morrerem", disse um morador.

Foi terrível ficar sem uma coisa tão básica como a luz. Chegar em casa e não poder tomar um banho ou tomar banho frio de caneca, não poder ligar a luz é horrível. Agora começou a saga para restabelecer a internet.
Rogério Sousa

O conjunto habitacional é formado por 50 blocos, com 418 apartamentos e cerca de 3.600 famílias. Do total, 30 blocos ficaram sem energia, segundo o síndico.

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O UOL questionou a Enel e a Prefeitura de São Paulo sobre a fiação e os galhos de árvores que ainda permanecem nos blocos, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.

08.nov.2023 - Claudia Pessoa diz que árvores derrubadas pela chuva causaram estragos no carro
08.nov.2023 - Claudia Pessoa diz que árvores derrubadas pela chuva causaram estragos no carro Imagem: Fabíola Perez/UOL

Crise de pânico e carro danificado

"Entrei em crise de pânico com o barulho dos fios estourando", diz a vendedora Claudia Pessoa, 49. Ela conta que quando a chuva começou, na sexta-feira (3), ouvia o barulho das árvores caindo.

"Meu carro estava embaixo das árvores. Uma delas rachou e rolou sobre o carro. O poste também entortou e caiu." Claudia relata que o carro que pertence ao pai ficou com a parte elétrica danificada e o retrovisor quebrado após o temporal

Fica o medo de acontecer de novo, essas árvores estão assim há muitos anos. O grande problema é que estão ocas. Já cansamos de solicitar para a prefeitura vir aqui. A sorte nossa é que não caiu nenhuma em cima de nós.
Cláudia Pessoa, vendedora

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A vendedora diz que a mãe, de 71 anos, também moradora do conjunto habitacional, ficou assustada. "Meu irmão também passou mal. Mexeu com o emocional das pessoas."

Luz para cuidar da mãe de 83 anos

Às 16h21, os primeiros moradores começaram a comemorar a volta da luz. O aposentado Evaldo de Oliveira, 64, disse que soltaria fogos. Isso porque passou os últimos cinco dias cuidando da mãe, Maria Glória, 83, a luz de velas. Há seis anos acamada, ela utiliza aparelhos de oxigênio que dependem de energia elétrica.

Foi muito complicado. Para dar banho nela na cadeira de rodas, tive que esquentar água. Para virar ela na cama durante a madrugada, usei a luz de velas.
Evaldo de Oliveira, aposentado

O aposentado afirma que na noite da terça-feira (7) foi dormir às 2h até finalizar os cuidados com a mãe. "Não consegui dormir pensando na hora que a luz voltaria. Estou exausto", diz.

Com a luz estabelecida, a sensação é de alívio e felicidade. "Agora vamos conseguir cuidar dela melhor, mais corretamente. É mais fácil trocar fraldas com luz."

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Evaldo conta que até o preço das velas subiu nos mercados próximos ao conjunto. "De manhã, cobraram R$ 9 depois passou para R$ 13."

08.nov.2023 - Evaldo de Oliveira, 64, usou velas para cuidar da mãe acamada
08.nov.2023 - Evaldo de Oliveira, 64, usou velas para cuidar da mãe acamada Imagem: Fabíola Perez/UOL

Cheiro de carne estragada pela casa

Moradores relatam ter perdido praticamente todos os alimentos da geladeira. A aposentada Ester Rita Caetano, 71, diz que gastou quase R$ 2 mil em compras e perdeu tudo.

"Fui ao mercado na terça-feira, estava com a geladeira cheia. Tentei salvar as carnes, mas perdi tudo", diz Ester. Ela conta que descartou três sacos de alimentos estragados.

A aposentada relata que comprou sacos de gelo para conservar os alimentos, mas sem sucesso. "Pisei na cozinha e estava tudo molhado. Derreteu tudo. Dá dó perder tanta comida", diz.

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08.nov.2023 - Ester Rita Caetano, 71, perdeu quase 2 mil em compras e relata cheiro forte da geladeira
08.nov.2023 - Ester Rita Caetano, 71, perdeu quase 2 mil em compras e relata cheiro forte da geladeira Imagem: Fabíola Perez / UOL

"Todo mundo estressado com o descaso"

A corretora de imóveis Eloísa Helena de Andrade, 73, foi avisada pela irmã com que mora sobre os estragos causados no condomínio. "Já estourou transformador, mas desse jeito, com árvores caindo desse jeito, nunca tinha acontecido", diz ela, que vive no prédio há 40 anos.

Eloísa afirma que as árvores e fios caídos refletem o "descaso" da prefeitura de São Paulo. "Vimos o tamanho do estrago na cidade toda, tínhamos noção que ia demorar uns três dias, mas não cinco."

"Perdi carne, que é coisa muito cara, perdi verduras. Tive prejuízo de R$ 500." Ela conta que, nesses cinco dias, teve que ir à casa da filha para usar o chuveiro ou tomou banho "de canequinha".

08.nov.2023 - Eloísa Helena de Andrade, 73, mora há 40 anos no conjunto e nunca ficou seis dias sem luz
08.nov.2023 - Eloísa Helena de Andrade, 73, mora há 40 anos no conjunto e nunca ficou seis dias sem luz Imagem: Fabíola Perez/UOL
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Moradores pagam por poda de árvores

Cláudia afirma que os moradores se organizaram para acionar a Enel e a Defesa Civil. "Foi dessa forma que conseguimos. A maioria dos moradores é idosa, alguns moram sozinhos. Além dos prejuízos, teve também o impacto emocional."

A vendedora afirma que são os moradores que pagam pela poda das árvores. "Os cuidados ficam por nossa conta. Todo o custo de manutenção também", diz ela.

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