Sabesp e MST disputam na Justiça terreno na zona norte de São Paulo

A Sabesp e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) disputam na Justiça um terreno de 116 hectares — o equivalente a 107 campos de futebol — em Perus, zona norte de São Paulo. O processo tramita no Foro Regional da Lapa.

O que aconteceu

A Sabesp argumenta que a área foi invadida e pede reintegração de posse. Segundo a empresa, houve invasões no terreno a partir de agosto de 2020. O MST confirma a chegada de pessoas sem ligação com o movimento à região desde 2016, mas diz que apenas membros do grupo há mais de 20 anos no local foram citados no processo.

Moradora que integra o MST virou principal alvo da ação judicial. De acordo com a Sabesp, Maria Alves faria parte do grupo de "invasores" que chegou ao terreno em 2020. Mas o movimento alega que a agricultora vive no acampamento desde 2002, inclusive tendo sido autorizada pela empresa a ocupar a área temporariamente desde 2009.

Sabesp afirma que a reintegração não inclui a área ocupada há mais tempo. Procurada pela reportagem, a empresa informou que "a ação de reintegração de posse destina-se somente aos novos ocupantes" — mas não esclareceu por que acionou judicialmente uma integrante do movimento.

Na ação, a empresa já se manifestou a favor da permanência do MST no terreno — mas não deixou de listar a integrante do movimento como parte do grupo que chama de invasores. O processo começou em 2021 e ainda não há uma decisão judicial definitiva sobre o caso.

A área abriga 68 famílias. No total, cerca de 120 pessoas vivem no local, chamado de Comuna da Terra Irmã Alberta e apresentado pelo MST como o único acampamento na cidade de São Paulo.

Até os anos 1990, o terreno pertencia a uma empresa — que o perdeu para o governo paulista por dever impostos. O estado o repassou à Sabesp, que pretendia construir ali um aterro sanitário.

Com a ocupação da área pelo MST, os planos da Sabesp para o local não foram adiante. Agora, com a possibilidade de privatização da empresa, há o temor de que o espaço seja retomado para não atrapalhar a venda de ações.

Imagem
Continua após a publicidade

'Não vamos correr'

A comuna funciona como um grande conjunto de sítios no limite de três cidades da Grande São Paulo. Cada integrante do MST que vive no espaço tem uma área para morar e cultivar alimentos. Vários já construíram casas no local. Semanalmente, um caminhão recolhe a produção da região para venda em armazéns mantidos pelo movimento na cidade de São Paulo.

"Acho que a terra é nossa por direito", diz uma agricultora. Na comuna há 9 anos, Jocilene Araújo Santana considera o local seu "paraíso". Ela acredita que a Sabesp não deve conseguir levar adiante na Justiça a ação de reintegração de posse. Mas, caso isso aconteça, sua intenção é ficar até o último dia que der.

Jocilene Araújo Santana, agricultora que vive na Comuna Irmã Alberta
Jocilene Araújo Santana, agricultora que vive na Comuna Irmã Alberta Imagem: Saulo Pereira Guimarães

"Durante a pandemia, não tivemos nenhuma morte", afirma a dirigente do MST. Segundo David Zamory, o local produz 10 toneladas de alimentos por ano e tem posto de saúde, teatro e outros espaços criados pelo movimento. Há uma creche em construção.

Família reúne quatro gerações na comuna. Maria Noêmia da Silva Araújo e Benedito Osmar Araújo criaram filhos, netos e bisnetos na casa. Um filho virou médico. Outro, pedagogo. E uma terceira mantém um salão de beleza no local. Ao chegar, a família morou por quase dois anos em uma barraca e a casa da família foi finalmente construída há sete anos.

Continua após a publicidade
Maria Noêmia da Silva Araújo, agricultora que vive na Comuna Irmã Alberta
Maria Noêmia da Silva Araújo, agricultora que vive na Comuna Irmã Alberta Imagem: Saulo Pereira Guimarães

"Vim só olhar e fiquei", diz agricultora. Aos 77 anos, Iranice Ferreira Pereira vive na comuna desde 2002. Levanta todo dia às 6h30 e diz que a área onde hoje está o acampamento servia para desova de cadáveres antes da ocupação. "Saber que talvez a gente precise sair é uma bomba, mas não vamos correr", diz.

O que disseram

Se nós não estivéssemos lá por todos esses anos, a Sabesp muito provavelmente já teria perdido essa área. Hoje, somos uma mancha verde cercada de cidade por todos os lados. Eles sabem disso, mas têm interesse em vender o terreno e, por isso, entraram com a ação de despejo
David Zamory, dirigente do MST em São Paulo

Quando chegamos aqui, só tinha braquiária [tipo de capim usado para pasto] e essa área verde em frente a nossa casa era um campo de futebol. Reflorestamos o campo com pau-brasil e outras espécies e, no entorno da casa, fizemos a nossa horta, sem apoio do governo nem nada
Benedito Osmar Araújo, agricultor que vive na Comuna Irmã Alberta

Depois de termos trabalhado a terra, eles a querem de volta? Vinte e um anos não são 21 dias!
Jocilene Araújo Santana, agricultora que vive na Comuna Irmã Alberta

Continua após a publicidade

A Sabesp informa que a ação na Justiça para reintegração de posse não inclui a área ocupada pelo Acampamento Irmã Alberta, mas somente parte do terreno, como devidamente delimitado no pedido. Durante reunião realizada com a presença de representante do acampamento em 05/09, foi acertado que o grupo apresentaria contestação à Justiça para correção do objeto, e assim foi feito. O processo judicial segue seu curso, conforme previsto em lei.
Sabesp, em nota enviada ao UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes