Famoso entre crianças, Roblox permite simulador com PCC e apologia ao crime

Servidores da plataforma de games Roblox, popular entre as crianças, permitem a simulação do crime organizado para um público a partir de 9 anos. Dentro do mundo virtual, há menção ao tráfico e a facções, além de troca de tiros.

O que aconteceu

Uma mãe foi à polícia após presenciar seu filho de 8 anos comprando armas e sendo recrutado virtualmente para facções dentro do Roblox. Ela registrou um boletim de ocorrência e foi chamada para ir até a polícia prestar esclarecimentos.

"Vamos até o PCC comprar arma", disse o menino, segundo relata a mãe M.R.*. Ela conta que estava na sala assistindo ao filho jogar e se assustou. Passou, então, a questioná-lo sobre como era esse ambiente virtual.

Além do PCC, o CV (Comando Vermelho) tem presença lúdica dentro dos mapas. Semelhante ao que acontece em outro jogo famoso, o GTA, esses mapas proporcionam que o usuário seja "policial" ou "bandido". G.B.*, mãe de um menino de 9 anos, disse ao UOL que o filho costumava jogar no mesmo servidor com amigos.

As mães consultadas pelo UOL mencionam especificamente um mapa chamado "Favela do Batatata" (com três 'ta' mesmo). No entanto, esse não é o único servidor que simula crimes. Lojas de armas e roubos de carros também são comuns nesses ambientes.

Delegado da Polícia Civil em São Paulo informou que o caso será encaminhado à Divisão de Crimes Cibernéticos para ser investigado. Caso sejam identificadas irregularidades, os desenvolvedores do servidor podem ser intimados, informou Rubens Nunes Paes, da 4ª Delegacia de Polícia.

Pela perspectiva jurídica, crianças não deveriam ter acesso a essas simulações, diz advogado. Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da criança e do adolescente e conselheiro do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), afirma que os jogos deveriam ser investigados pelo Departamento de Classificação indicativa do Ministério da Justiça.

O UOL tenta contatar representantes legais do Roblox no Brasil. A empresa foi procurada por e-mail, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. Também não se sabe quem são os desenvolvedores dos mapas citados na reportagem.

*O UOL optou por não publicar os nomes das mães para preservar as crianças.

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Servidor simula facções em jogo
Servidor simula facções em jogo Imagem: Reprodução/Youtube-KainãGamer

O que é o Roblox

Roblox é uma plataforma de jogos online que permite aos usuários criar seus próprios jogos e mundos virtuais. Considerada uma das precursoras do conceito de metaverso, a plataforma foi lançada em 2006 com foco em experiências educativas, mas rapidamente ganhou popularidade e abriu um leque de funções.

Mais de 70 milhões de pessoas por dia se conectam na plataforma no mundo, segundo a empresa. Em 2022, a desenvolvedora, com sede nos Estados Unidos, teve uma receita de faturamento de US$ 2,23 bilhões.

O que torna o Roblox popular? Isso se deve a fatores como a facilidade de acesso, variedade de jogos disponíveis e a possibilidade de os usuários criarem suas experiências. Na plataforma, qualquer usuário pode construir seu mapa.

Cofundador disse que "o objetivo é que o Roblox tenha experiências apropriadas para todos os estágios da vida". O posicionamento do CEO da empresa, David Baszucki, foi feito em um texto publicado no ano passado, quando a empresa tentava atrair um público mais maduro.

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O que dizem as mães

Vi o jogo, e uma parte falava em lavagem de dinheiro, máfia e PCC. Pedi ao meu filho para me mostrar [como funcionava]. Ele tentou roubar um carro, mas não conseguiu. Foi interceptado pela PM e ofereceu dinheiro, mas não aceitaram. Porém, ele me disse que às vezes aceitam [o suborno].
M.R., mãe de uma criança de 8 anos

É um jogo que tem armas, que tem o PCC, que mata as pessoas. [Meu filho] me disse que conseguiu comprar uma arma. Expliquei o que era o PCC. Ele falou que também tem o CV, que é o Comando Vermelho. Eu falei que CV é uma outra facção.
G.B., mãe de uma criança de 9 anos

Ambas dizem ter proibido os filhos de acessar os servidores. Elas relataram, porém, dificuldades de reportar sobre os mapas violentos para a plataforma.

Mapa simula tráfico de drogas no Roblox
Mapa simula tráfico de drogas no Roblox Imagem: Reprodução/Youtube-Dinoblox

Liberado para crianças

Dentro do mapa "Favela do Batatata", é permitida a entrada de crianças de 9 anos. Há apenas uma sinalização para "violência e sangue".

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Jogadores de todas as idades são permitidos no "Troca de tiros na favela RJ", outro servidor. Esse mapa, que simula troca de tiros, diz ser adequado ao público.

"Aqui você pode seguir sua carreira como um policial ou até mesmo um bandido!" Essa é a descrição que aparece em outro mapa aberto para todas as idades.

Descrição do mapa 'Favela do Batatata' no Roblox
Descrição do mapa 'Favela do Batatata' no Roblox Imagem: Reprodução/Roblox

No Youtube, canais acumulam milhares de visualizações apresentando jogos nesses mapas. Em um vídeo com mais de 39 mil visualizações, um jogador simula ser da polícia e invade uma suposta favela do Rio comandada por uma facção.

O que dizem especialistas

Por conter situações de violência, uso e tráfico de drogas e contextos de criminalidade e crime organizado, são inadequados para crianças e adolescentes. Promovem incitação e apologia às práticas de crimes e violência, previstas inclusive como Crimes no Código Penal Brasileiro. Os criadores, produtores e promotores desses jogos podem responder judicialmente por isso.
Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos da infância e juventude

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Aparência atrai o público infantil, diz doutor em psicologia. Eduardo Miranda, pesquisador sobre jogos eletrônicos, diz que a paisagem lúdica "bonitinha" da plataforma tende a atrair crianças.

A aparência é convidativa, mas a questão é que dentro da plataforma existem vários ambientes, que podem ser utilizados por pessoas mal-intencionadas. A violência no jogo é diferente da realidade. Por isso, há uma banalidade da violência no ambiente.
Eduardo Miranda, psicólogo que estuda sobre jogos eletrônicos

O jogo vai formando na criança um jeito de ver o mundo diferente. Banaliza a violência, favorece a perda de autocontrole e o controle de impulso. O pega-pega já não tem mais graça, agora elas veem graça em matar no jogo virtual.
Rodrigo Bressan, psiquiatra e presidente do Instituto Ame sua Mente

Capa de um mapa que simula tráfico de drogas no Roblox
Capa de um mapa que simula tráfico de drogas no Roblox Imagem: Reprodução/Roblox

O psicólogo Miranda refuta a ideia de que apenas o jogo vai levar a criança ao crime. Não há comprovação da relação das facções nos mapas com as organizações criminosas na vida real. Contudo, ele diz que o Roblox, mais que um game, se tornou uma plataforma de comunicação.

Dentro desse ambiente tem um chat, e há o incentivo do uso do Discord, que é uma plataforma de comunicação por voz. Há a possibilidade de alguém mal-intencionado usar desses meios para aliciar (as crianças). Não é só um jogo.
Eduardo Miranda, psicólogo que estuda sobre jogos eletrônicos

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Pesquisadores já apontaram o risco de o Roblox poder ser usado para cooptar jovens em ataques contra escolas. O assunto foi tratado num relatório de 2022 coordenado por Daniel Cara, doutor em educação e professor da USP. O título da pesquisa é "O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental".

Os pais devem estar atentos aos ambientes em que os filhos estão expostos. Caso os responsáveis pela criança não se manifestem em relação à exposição dos filhos a situações de crime, mesmo que simulações, podem responder judicialmente por "descumprimento dos deveres do poder familiar, de amparar, cuidar, educar e proteger seus filhos", diz o advogado Ariel de Castro Alves.

Diante das possíveis violações à Constituição Federal e ao ECA, cabe ao Ministério Público, por meio de promotorias da infância e juventude, instaurar inquérito civil para apurações que podem gerar ações civis com pedido de retirada dos jogos da internet.
Ariel de Castro Alves, advogado

Pais devem estar abertos ao diálogo. Miranda complementa dizendo que os responsáveis devem conversar com as crianças para entender o que desperta o interesse delas por esses temas.

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