'Gosto de ajudar': quem é o japonês que viralizou em SP fazendo previsões

Ainda na madrugada, a rua Galvão Bueno, no bairro da Liberdade, centro de São Paulo, já começa a ter movimento. As pessoas se reúnem em fila na frente de uma galeria, localizada na altura do número 358. Lá está o Sr. Hiroji Ito, conhecido por fazer a "leitura da vida", uma prática baseada na quiromancia e numerologia — e que promete fazer previsões para o presente e o futuro.

São apenas 14 senhas distribuídas por dia, a ideia de organizar a fila dessa maneira partiu dos próprios comerciantes da região para otimizar os atendimentos. "Começamos a distribuir senhas e a partir da uma da manhã o pessoal já começa a chegar, mas só distribuímos (senha) a partir das 9h", conta a comerciante Inácia Ribeiro, que conhece Ito há 20 anos.

O UOL esteve na galeria e conversou com o quiromancista, com ajuda do marido de Inácia para a tradução da conversa. Confira:

Quem é Hiroji Ito

Hiroji Ito, 91, nasceu em Fukushima, no Japão, e migrou de navio para o Brasil em 1960, aos 26 anos. "[Quando cheguei], choveu muito e fiquei assustado. Vinha casado e com uma filha de 11 meses. O Japão era muito frio e não gostava. O Brasil é quentinho, é melhor. Além disso, Fukushima tinha terremotos e furacões, e aqui não tem isso."

Ao chegar no Brasil, em uma viagem que durava em média dois meses, Hiroji foi para Adamantina (SP) trabalhar em uma granja. Segundo dados obtidos pelos registros do Museu da Imigração de São Paulo, Hiroji veio em um navio em novembro de 1960, em uma viagem que durou cerca de dois meses. Na profissão do registro, consta "agricultor".

Naquela época, o governo japonês subsidiava a vinda da população. O primeiro grupo oficial de migrantes japoneses vieram ao país em 1908, com subsídio de passagens pelo governo brasileiro que tinha intuito de povoar o país. A partir da década de 1920, o subsídio começou a ser do governo japonês, que incentivava a migração ao país latino-americano. O incentivo se intensificou novamente nos anos 1950, quando o Japão enfrentava crises econômicas de um cenário pós-Segunda Guerra Mundial.

Não é propaganda para lavoura como antes, dizia mais respeito às oportunidades gerais que existiam no Brasil, promovido pelo governo japonês. É uma migração mais reduzida, se formos comparar com outras décadas. Nessa época, o Japão estava se reestruturando, não tinha emprego para todo mundo e a partir das relações construídas historicamente e dos laços de solidariedade, puderam dar continuidade a esse fluxo, que era de uma mão de obra mais técnica.
Henrique Trindade Abreu, coordenador de formação e educativo do Museu da Imigração de São Paulo

A barreira do idioma — que chegou a ser proibido no país — dificultou a inserção de muitos migrantes. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil proibiu que o italiano, o alemão e o japonês fossem falados em público, em uma retaliação aos então inimigos do Eixo. Além disso, não havia programas de ensino de português de forma sistemática, o que dificultou a integração. Até hoje a lei não foi revogada.

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Se proibiu tanto o aprendizado em escolas como falar em público. Isso impacta muito mais os japoneses porque os alemães e italianos já estavam há muito tempo no Brasil. Houve um impacto ainda mais profundo porque muitos japoneses viviam no litoral de São Paulo e foram expulsos desses locais porque a região era considerada importante para a Marinha.
Henrique Trindade Abreu, coordenador de formação e educativo do Museu da Imigração de São Paulo

Leitura da vida

O gosto pela leitura da mão acompanhou Hiroji Ito desde o Japão. "Comecei a aprender quiromancia ainda no Japão, por meio de livros. Aprendi sozinho. Desde pequeno gostava desse tipo de leitura."

As primeiras "leituras da vida" aconteceram quando ele se mudou tempos depois para Cascavel (PR). "Depois de Adamantina fui para Cascavel e ali comecei a fazer as leituras. Primeiro, olhava na mão e depois no livro. Na primeira vez na cidade, recebia uma xícara de café para fazer a leitura. Depois, ia para outra cidade e voltava para Cascavel e cobrava mais caro."

Hiroji decidiu se mudar para São Paulo quando soube que aqui existia uma grande comunidade japonesa. "Um dia vi em um jornal que São Paulo tinha feiras de japoneses e decidi vir para cá", diz ele. A mudança oficial ocorreu no início dos anos 2000. Desde então, ele fica pelo bairro da Liberdade, onde conseguiu trabalhos e fez amigos de longa data.

O bairro da Liberdade, em São Paulo, ganha destaque na comunidade japonesa. Historicamente, a região tinha casas e cortiços com aluguéis baixos, que atraem as famílias vindas do litoral e até mesmo do interior do estado.

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É como uma estratégia da própria comunidade. Uma forma de reinserção na sociedade brasileira, especialmente em um contexto de pós-guerra. Isso geograficamente se dá nesses laços de solidariedade, de estarem juntos, se ajudarem e se reconstruírem.
Henrique Trindade Abreu, coordenador de formação e educativo do Museu da Imigração de São Paulo

Há mais de 10 anos Hiroji faz as leituras da mão na Galvão Bueno. Agora ele se vê com mais experiência, o que o fez criar uma lista de temas que podem ser trabalhados durante o atendimento personalizadamente.

O boom do TikTok

@wagoliveiraa Leitura da vida em São Paulo Você acredita em previsões para o futuro? Esse senhor está a mais de 40 anos atendendo pelas ruas da liberdade, na maior cidade do país. Há quem já passou por ele e volta perplexo por todo o caminhado trilhado, e previsões acertadas. Agora, acreditar ou não, vai de cada um, mas que a curiosidade bate, bate. Né?! rs #sãopaulo #sp #previsões #futuro #quiromancia #numerologia #liberdadesp ? som original - wagoliveiraa

O trabalho de Hiroji Ito começou a se popularizar neste ano. Isso se deu após o influenciador Wagner Oliveira publicar um vídeo sobre a leitura da vida no TikTok. As imagens viralizaram e pessoas de até outros estados começaram a viajar a São Paulo apenas para conhecer Ito, explica a comerciante Inácia Ribeiro, que conhece Ito há mais de 20 anos.

Veio muita gente, do interior, de outros estados. Ficava uma fila enorme na calçada do Banco do Brasil até que começou a incomodar os comerciantes. Vagou um box na galeria e trouxemos ele para cá. Aí começamos a ajudar, porque realmente era muita gente que vinha aqui diariamente e ficava uma muvuca na frente.
Inácia Ribeiro, comerciante

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A popularidade de Ito até ajudou as próprias vendas na galeria. Segundo Inácia, o movimento também tem trazido mais vendas. "Eles vêm saber sobre o Sr. Ito e acabam comprando alguma coisa. Isso agregou muito para nós", diz Ribeiro.

A própria comerciante já foi atendida pelo amigo. "Não fiz nenhuma pergunta, deixei ele fazer análise e ele disse muito sobre saúde, o lado profissional. Gostei muito porque ele foi bastante assertivo em tudo o que falou. Deu muitos conselhos. Falo sempre para o pessoal: quando ele fala sobre saúde, sigam o que ele diz porque ele já está com 90 anos e está super bem."

Deixar de fazer a leitura das mãos não é um projeto. "Aposentadoria no Brasil é muito baixa", diz ele, rindo. "Mas agora não tem mais como parar porque muitas pessoas estão vindo e gosto de poder ajudar as pessoas."

Como conselho, Hiroji diz que as pessoas têm que se esforçar. "Mesmo quando houver dificuldades. Não há sucesso sem esforço."

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