Facções em disputa e rota da droga: como é cidade mais violenta do Brasil?

Santana, no Amapá, é a cidade mais violenta do Brasil. Em 2023, o município registrou média de 92,9 mortes violentas intencionais para cada grupo de 100 mil habitantes —o que implica em uma alta de 88,2% na comparação com o número do ano anterior (49,4).

Os dados, publicados na última quinta-feira (18) no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, refletem a intensificação da disputa entre organizações criminosas e a letalidade da polícia no estado, além de outros fatores.

Como é a cidade de Santana

Localizada no Amapá, Santana fica a apenas 17 km da capital, Macapá, e é a segunda maior cidade do estado. O município tem população de 107.618 habitantes, segundo o Censo 2022.

Cidade é conhecida como porta de entrada fluvial do Amapá. Em seus portos, chegam e partem barcos e navios que fazem linha para Belém e outras cidades do Pará e da região Norte. Santana também conta com um porto específico para receber navios cargueiros de grande porte de bandeira internacional.

Regiões como essa, com portos, acabam se tornando grandes centros logísticos de distribuição de produtos ilegais. O porto de Santana passou a ser utilizado pelo crime organizado principalmente para a exportação de drogas, mas também para receber mercadorias ilegais, como armas.

Por trás dos números

Santana passou a ser palco frequente de disputas entre facções criminosas —que têm intensificado as atividades no Amapá nos últimos anos.

Além disso, de acordo com os dados do anuário, 27% das mortes violentas registradas na cidade no ano passado foram provocadas por policiais —o que contribui com as taxas altas de mortes violentas em Santana.

Pelo menos duas organizações atuam no estado: a FTA (Família Terror do Amapá) e a UCA (União Criminosa Amapaense). Antes disso, segundo fontes da polícia, estavam presentes em território amapaense apenas "gangues" que atuavam de forma desorganizada.

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Disputa de pontos de comércio de drogas e ligações com as principais facções do país. Para ampliar o domínio local, a FTA mantém vínculo com a facção paulista PCC (Primeiro Comando da Capital). Já a UCA, com a organização nascida no Rio, o CV (Comando Vermelho).

As duas organizações criminosas têm atuado, sobretudo, na capital do Amapá, mas disputa também é sentida em Santana e explica violência no local. Já no interior do estado, segundo fontes da polícia consultadas pelo UOL, elas não têm presença constante.

Membros do PCC que chegam ao Amapá têm se dedicado a "treinar" integrantes da FTA, disseminando as mesmas regras seguidas em São Paulo e em outros estados cujo domínio é do PCC. Exemplo disso são alguns condomínios de bairros de Macapá em que as regras de convivência são determinadas pelos integrantes da facção FTA.

A aliança com grupos locais agrava a guerra das facções. Nos presídios, onde são recrutados mais membros para as facções, o próprio governo reconhece dificuldades. Em documento do início do ano, o Instituto de Administração Penitenciária do Amapá admitiu que "enfrenta questões como sobrecarga de funções em coordenações, infraestrutura inadequada e pontos de tensão entre segurança e ressocialização".

Guerra por território na Amazônia Legal. A disputa entre PCC e CV se estende para além do Amapá. Ao todo, há 22 diferentes grupos criminosos nos nove estados que compõem a Amazônia Legal —incluindo facções colombianas e venezuelanas. O território compreende Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão.

PCC e CV disputam território em mais de 40 cidades. Apesar de não ser hegemônica, a facção paulista tem maior capilaridade internacional —já chegou a outros países da Amazônia.

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Um dos motivos do avanço dessas facções para a Amazônia Legal foi a alteração da rota do tráfico após a morte do narcotraficante Jorge Rafaat, assassinado a tiros no Paraguai em junho de 2016.

Outros fatores

Desigualdade social também contribui para o problema. O Amapá tem um dos menores PIBs do país, segundo o IBGE. Além disso, está entre as unidades da federação que apresentaram taxas de pobreza acima da média nacional, conforme dados de 2022.

O que diz o governo do Amapá

Procurada pelo UOL para comentar os dados, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Amapá informou que os números "foram acentuados devido ao enfrentamento entre grupos criminosos durante o período no estado".

O governo do Amapá também disse que, no primeiro semestre deste ano, houve redução em 32% nos crimes violentos letais intencionais, comparado com o mesmo período no ano passado.

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"Os índices mostram que, no total, foram 175 vítimas de crimes violentos em 2023, contra 119, neste ano", afirma.

Ainda no mês de março do ano passado, após identificada a causa principal desses crimes, foram adotadas estratégias em conjunto com o Ministério da Justiça, como ações policiais integradas, para reprimir as ocorrências, como a 'Operação Hórus', que, além de atuar em municípios fronteiriços como Oiapoque e Laranjal do Jari, abrangeu o município de Santana.
Governo do Amapá, em nota

O governo do Amapá também afirma que "investiu na aquisição de equipamentos junto ao Ministério da Justiça", como viaturas, drones e armamentos, além da convocação e formatura de mais policiais militares e bombeiros, para reforçar a segurança pública.

*Com Estadão Conteúdo e reportagens publicadas em 23/07/2023, 30/11/2023 e 11/12/2023

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