'Fui pra Alphaville': como moradores de bairro nobre enfrentaram o apagão

O apagão que afeta diversas regiões da Grande São Paulo também atingiu bairros conhecidos pela qualidade de vida e alto padrão. Na Granja Viana, em Cotia, moradores relatam, além da falta de energia, prejuízos materiais e transtornos no dia a dia.

O que aconteceu

O apagão que atingiu a região metropolitana de São Paulo deixou áreas nobres como a Granja Viana sem energia por quatro dias. A interrupção no fornecimento de luz começou na sexta-feira (11), às 19h30, e só foi restabelecida no final da tarde de ontem (15). Moradores enfrentaram desde perda de alimentos até banhos improvisados, expostos ao mesmo nível de vulnerabilidade que outros bairros da cidade.

Lucio Pedro Mocsanyi, de 62 anos, e Benito Iglesias de Garcia, de 53, enfrentaram o caos do apagão em meio ao isolamento. O casal, que mora na Granja Viana há dois anos, viu a tranquilidade e segurança da região serem interrompidas bruscamente. "Ficamos quatro dias sem energia e sem nenhum tipo de informação", conta Lucio. Sem saber o que acontecia, eles precisaram mandar seus alimentos perecíveis para a casa de amigos para evitar perdas.

A falta de sinal de celular e internet forçou o casal a buscar alternativas para conseguir trabalhar e se manter conectados. Lucio e Benito decidiram se hospedar em um hotel em Alphaville. "Precisamos tomar banho quente e ter acesso à internet para continuar trabalhando", explica Lucio. "Temos a sorte de poder pagar por isso, mas nos sentimos impotentes. Não importa se moramos em uma área nobre ou na periferia, o apagão nos atingiu da mesma forma".

Luciana de Almeida Quintanilha, de 58 anos, também teve que lidar com as consequências do apagão sozinha. "Perdi tudo que estava no freezer e precisei comprar gelo para tentar salvar o que restava na geladeira. Sem falar nos banhos de canequinha, uma situação humilhante para quem paga caro para viver em um lugar como este".

A situação de Luciana foi agravada pela falta de resposta e planejamento da Enel, a concessionária de energia. "Já passamos por situações de queda de luz antes, mas nunca dessa magnitude. É inadmissível que em 2024 ainda estejamos tão desprotegidos em uma área como a Granja Viana", desabafa.

Felipe Rossi Camargo, advogado de 26 anos, que se mudou recentemente para a Granja Viana, diz ter entrado em pânico ao saber do apagão. "Estávamos jantando fora quando começamos a receber mensagens no grupo do condomínio sobre a queda de energia", relata Felipe. "Entramos em pânico, pois nosso cachorro, Gregório, estava sozinho em casa. Corremos de volta, mas demoramos mais de duas horas para chegar por causa do trânsito na Raposo Tavares".

Ao chegar em casa, Felipe e sua noiva, Lorena, encontraram o telhado da casa danificado, além de prejuízos com alimentos. "Nosso telhado foi afetado, e tínhamos muita comida para um churrasco no dia seguinte. Para evitar maiores perdas, levamos o que restou de comida no freezer para a casa dos meus pais em São Paulo." Felipe critica a falta de preparo da Enel para lidar com a situação. "Eles ganharam uma licitação para gerir a energia em São Paulo, deveriam estar prontos para uma crise como essa. O apagão mostrou uma total desorganização".

Telhado de casa de alto padrão na Granja Viana foi arrancado durante temporal que deixou região sem energia por quatro dias
Telhado de casa de alto padrão na Granja Viana foi arrancado durante temporal que deixou região sem energia por quatro dias Imagem: Arquivo Pessoal
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Sensação de desamparo

A sensação de desamparo foi um tema comum entre os moradores da Granja Viana, que mesmo com privilégios, se sentiram vulneráveis. Lucio, por exemplo, destaca que a situação foi um lembrete de que, em uma crise, as diferenças entre ricos e pobres diminuem. "Se nós, que temos como pagar um hotel e mandar nossos alimentos para amigos, estamos sofrendo tanto, imagino o que acontece nas periferias, onde as pessoas não têm essas opções".

Felipe reforça o sentimento de que serviços básicos deveriam estar garantidos independentemente da classe social. "Moramos em uma área de alto padrão, mas isso não nos protege de uma falha tão grave no fornecimento de energia. Todos precisam de serviços essenciais como luz e água. A crise mostrou que somos todos vulneráveis".

Diante da ineficácia do poder público e da Enel, moradores da Granja Viana começaram a se mobilizar para buscar reparação na Justiça. Felipe e Lorena, sua noiva, estão liderando uma ação coletiva entre os residentes do Jardim das Paineiras. "A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) determina que a energia seja restabelecida em até 24 horas em áreas urbanas. Estávamos no quinto dia sem energia, e isso é inaceitável", afirma Felipe. "Entramos com a ação porque é nosso direito".

Luciana de Almeida Quintanilha também cogita processar a empresa individualmente. "Não posso aceitar que isso se repita", desabafa Luciana. Para ela, o impacto emocional e material foi grande demais para a situação passar sem consequências. "Perdi bens, mas a falta de segurança e o isolamento me afetaram ainda mais. Isso não pode acontecer de novo".

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