Defensora racializa júri do caso Marielle: 'Nossos corpos são indesejados'
Logo após o Ministério Público dissociar a morte de Marielle Franco de um debate político para convencer os sete homens "de pele clara" e "meia-idade" a condenar os réus confessos, Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, a assistência de acusação racializou o discurso.
Negra, a defensora pública Daniele Silva afirmou que "precisamos racializar sempre o debate. Precisamos sempre mostrar como nossos corpos são indesejados".
Gostaria mesmo que todas as pessoas negras neste país não precisassem ficar falando o tempo todo de racismo no Brasil. Mas, se não falarmos, quem vai falar? Chega. Mataram uma vereadora com quatro tiros na cabeça numa via pública
Defensora pública Daniele Silva
A assistente de acusação lembrou o último evento do qual Marielle participou aconteceu na Casa das Pretas, na Lapa, no centro do Rio. "Esse evento se chamava 'Mulheres Negras Movendo Estruturas'. Olha o que estou fazendo aqui hoje", disse.
"Nessa mesma noite de 14 de março de 2018, poderíamos estar comemorando os 104 anos de Maria Carolina de Jesus, uma outra mulher preta favelada, que dizia que o lugar das mulheres negras na sociedade era o quarto de despejo, era o lixo", afirmou.
No fim do último evento, Marielle disse que "por 10 anos foi Benedita, por 10 anos foi Jurema, não dá para achar que ficarei aqui sozinha por 10 anos. A Marielle não teve 40 minutos", relembrou Daniele aos jurados. "40 minutos depois ela estava sendo executada. Essa era a urgência que Marielle vivia. Por isso ela incomodou tanto. Ela mexeu com as estruturas", destacou.
A defensora pública disse, também, que Marielle se orgulhava de se apresentar como mulher, negra, mãe e cria da favela da Maré. Destacou, ainda, que ela conseguiu mais de 46 mil votos em sua primeira eleição.
"Marielle seria cotada para ser senadora, vice-governadora. Ela seria presidenta se assim quisesse. Marielle se colocava. Ela fazia política com afeto, ela acolhia. Quando ela alcança a vereança, não é só ela, foi um mandato coletivo, ancestral."
A vereadora era socióloga e mestre pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Na sua dissertação, analisou a política de segurança pública do Rio de Janeiro, a partir da forma como o governo tentava resumir a favela por meio das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).
"Isso tudo foi retirado por Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz. Não se tem dúvida. São réus confessos, não é 'eu acho, talvez seja', eles são réus confessos", disse a defensora aos jurados.
Para reforçar, relembrou o depoimento da mãe da vereadora, Marinete da Silva: "Tenho certeza que a mãe da Marielle, se pudesse, estaria no carro no lugar da filha."
"Dona Marinete perdeu a filha numa lógica invertida muito dolorida de ter que enterrar quem colocou no mundo com muito amor. A gravidez foi desejada, a avó demorou três dias para chegar de João Pessoa para ver a neta", disse.
"A gente vive na urgência. Marielle era uma excelente filha, uma excelente mãe, uma excelente amiga. Ela foi criada coincidentemente no Conjunto Esperança. E era isso que ela fazia neste plano. E continua fazendo. Ela semeia a esperança", destacou.
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