'Fui trocada na maternidade, e meu pai morreu pensando que foi traído'
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Em Natal, no dia 13 de novembro de 1991, duas bebês nasciam no Hospital Dr. José Pedro Bezerra, com diferença de 15 minutos — Karem da Silva, à 1h15, e Lenuzia do Nascimento, à 1h.
O parto de Karem transcorreu bem, mas a volta da bebê para casa acendeu uma desconfiança: o pai boliviano, ao notar que ela não exibia nenhum dos seus traços, passou a suspeitar de uma traição.
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Oito anos depois, após uma longa investigação conduzida pela família que criou Lenuzia, a verdade veio à tona: as bebês haviam sido trocadas na maternidade.
Investigação por conta própria
A engenheira Vanuzia do Nascimento, 50, que criou Lenuzia acreditando que era sua filha biológica, passou a desconfiar que poderia ter ocorrido uma troca de bebês.
Cerca de oito anos depois, após alguns flashes de memória e o nascimento de outra filha, que em nada se parecia com Lenuzia, Vanuzia pediu que seu marido refizesse os passos do dia do parto de sua primeira gestação.
No dia do nascimento das meninas, a mãe biológica da Lenuzia estava na mesma enfermaria que eu e ficamos após o parto no mesmo quarto. O pai biológico dela foi à enfermaria após o nascimento das meninas e essa lembrança me fez sentir que ela não era minha filha, ela parecia bastante com esse homem.
Vanuzia do Nascimento, 50, mãe biológica de Karem
Ao voltar anos depois ao hospital em que sua esposa deu à luz, Leandro do Nascimento, à época com 20 anos, conseguiu o endereço da mulher que dividia o mesmo quarto. No entanto, ao chegar ao local, uma vizinha informou que a família havia se mudado para a Paraíba, mas passou o contato de uma prima.
Foi então que Leandro mostrou as fotos de Lenuzia, a menina que ele criou acreditando ser sua filha biológica, a essa prima. "E ela imediatamente disse que a troca era muito clara. Na época, eu estava na Paraíba", conta Karem.

Programa do Ratinho e uma nova família

O caso ganhou repercussão nacional quando, em setembro de 2000, as famílias recorreram ao Programa do Ratinho para realizar o exame de DNA —na época um procedimento caro— que confirmaria a troca.
Fomos ao programa em setembro de 2000. Meu pai [o homem boliviano que a criou] morreu pensando em traição um ano antes. Eles se separaram logo após o meu nascimento, nunca tivemos muito contato.
Karem da Silva
Já Lenuzia nunca chegou a conhecer o pai biológico, o viu apenas por fotos, entendendo melhor a história de sua origem durante a gravação do programa televisivo.
Antes de chegar ao programa, me lembro desse momento como uma aventura, andar de avião, ficar em um hotel, aparecer na TV. Mas no programa tudo ficou mais complicado, fazia sentido eu ser filha de um homem boliviano, porque meus traços são diferentes. Meu pai biológico havia falecido, mas não senti muito porque sempre fui apegada ao meu pai de criação.
Lenuzia do Nascimento
Após a confirmação dos exames de DNA, as famílias optaram por não reverter a situação, decidindo que as crianças permaneceriam com as famílias que as criaram, mas abrindo uma porta para que pudessem conviver.

Aos 13 anos, para estudar, Karem decidiu morar com a família biológica, que a recebeu de braços abertos. Do outro lado, Lenuzia afirma que vivenciou sentimentos ambíguos diante da chegada da nova "irmã".
De início, foi bem difícil ver meus pais tratarem a Karem como filha, achava que eles poderiam amá-la mais do que a mim, mas depois as coisas foram ficando mais claras.
Lenuzia do Nascimento
Logo após a participação no programa, as famílias de Karem e Lenuzia ingressaram com um processo em nome das filhas por danos morais. "Ganhamos a causa, mas só recebemos o dinheiro em 2016". Descontando as custas processuais, cada uma recebeu cerca de R$ 130 mil.
Em 2018, Karem se mudou para Portugal com seus pais biológicos: ela trabalha como agente de vendas, se casou e tem três filhos. Lenuzia preferiu permanecer no Brasil, onde é casada e trabalha como engenheira de produção. As famílias mantêm contato e se visitam constantemente.

O que diz o hospital
Em nota ao UOL, por meio da Secretaria de Saúde Pública do Rio Grande do Norte, a direção do Hospital Dr. José Pedro Bezerra diz que, "dado o lapso temporal superior a 30 anos, não tem ciência de registro referente ao caso citado".
E afirma que, atualmente, a unidade —conhecida na região como Hospital Santa Catarina— adota medidas rigorosas para evitar a troca de bebês, como a identificação por pulseira com dados iguais para a parturiente e o recém-nascido, além de salas de parto individuais, garantia da presença do acompanhante durante todo o processo, seja no pré-parto (início do trabalho de parto), parto e pós-parto, conforme estabelecido pela Lei Federal nº 11.108/2005.
5 comentários
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Washington Luis Barbosa Lima
Duas lindas mulheres, que pelo visto foram muito bem criadas.
Marcos Pacifico da Silva
Este tipo de ocorrência é horrível. Quem errou têm que pegar cadeia e pagar danos morais e pagamento vitalício por mês. O emocional não tem reparo.
Valter José Cruz
Parece que o final foi feliz. Menos para o boliviano.