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Por eleições antirracistas, candidato negro pode ter mais verba em 2020

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Alex Tajra e Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

20/08/2020 04h00Atualizada em 20/08/2020 12h44

Durante as eleições de 2018, o candidato a deputado federal Douglas Belchior (PSOL-SP) afirmou ao UOL que o partido se alinhava à direita ao apresentar racismo estrutural na divisão dos recursos às candidaturas e privilegiava candidaturas brancas. O caso ajudou a motivar uma ação, em análise no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que pode destinar mais verba para candidaturas negras a partir deste ano.

Interrompido em junho, o julgamento retornou à pauta hoje, mas voltou a ser interrompido após o voto do ministro Alexandre de Moraes. Ele será retomado na terça-feira (25). Se a decisão sair ainda em agosto, pode mudar a repartição da verba pública de R$ 2 bilhões destinados para as disputas municipais.

Nas últimas eleições, apenas 24% dos eleitos eram negros, apesar de a maioria da população brasileira ser negra. Essa conta considera pretos e pardos. Para mudar o quadro e tornar viáveis as candidaturas de não brancos, movimentos sociais pressionam para ter o que chamam de uma "eleição antirracista".

Mais de 150 grupos negros, como a Uneafro, Instituto Marielle Franco e Coalizão Negra, lançaram um site com petições para pressionar os ministros do TSE.

O caso chegou à Corte após questionamento da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) sobre se os recursos do fundo eleitoral e o tempo de propaganda eleitoral deveriam ser distribuídos proporcionalmente para candidatos negros. Ela pediu ainda que o tribunal estabelecesse dentro dos partidos cota de 30% de candidaturas negras.

O relator do caso e presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, votou contra as cotas, argumentando que esta iniciativa depende de lei a ser aprovada pelo Congresso. Por outro lado, ele acolheu a divisão do fundo eleitoral e do tempo de televisão entre candidatas negras e brancas na mesma proporção das candidaturas apresentadas por cada partido. O mesmo critério também deve ser adotado para homens negros e brancos.

Há um dever de integração dos negros em espaços de poder, noção que é potencializada no caso dos Parlamentos. É que a representação de todos os diferentes grupos sociais no Parlamento é essencial para o adequado funcionamento da democracia
Luís Roberto Barroso, presidente do TSE

O ministro Edson Fachin acompanhou Barroso na votação, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Hoje, Moraes propôs uma regra de transição para evitar que a proposta tenha efeito contrário, diminuindo em vez de ampliar a participação de candidaturas de negros na eleição. O ministro propõe que os partidos mantenham ao menos a mesma porcentagem de candidatos negros da eleição de 2016.

Na sequência, o ministro Og Fernandes pediu vista para analisar a proposta de Moraes. Barroso também prometeu avaliar a sugestão. O julgamento será retomado na semana que vem.

O objetivo dos movimentos negros é fazer com que o dinheiro do fundo bilionário seja usado para corrigir distorções históricas e evitar que os partidos favoreçam políticos brancos, como, segundo eles, foi feito até 2018 no Brasil.

Nas eleições passadas, houve muitas críticas e denúncias mostrando a sub-representação de negras e negros nos processos eleitorais, quando comparada a sua representação social. E os problemas têm relação com mecanismos internos dos partidos, tempo de televisão, recursos, logística organizacional, estratégia. Essa discussão vem em resposta a essas denúncias
Juarez Tadeu de Paula Xavier, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista)

Xavier preside o grupo que analisa os alunos que ingressam na universidade se autodeclarando pretos ou pardos. O debate sobre representatividade encampado no TSE e no Congresso reflete o atual momento, que jogou luz sobre a violência e o racismo estrutural. Diz ele: "Se você quer de fato ampliar o nível de representação dos segmentos sub-representados, são necessárias medidas institucionais, estruturais. Isso é fundamental e decisivo, não pode ser esporádico ou pontual".

Para Belchior, os partidos são predominantemente instituições brancas, mas as legendas de esquerda são mais contraditórias por defender direitos humanos e justiça social.

São hegemonias brancas nos dois espaços. Mas não haveria lideranças brancas da esquerda sem a grande parcela de votos das pessoas negras. Eles dependem de votos de pessoas negras e pobres para se eleger. Eles tendem a manter essa dinâmica: negros servem para votar, poucos para ser votados e quase nunca para ser eleitos
Douglas Belchior, professor e candidato a deputado em 2018

Ele recebeu o apoio de Vilma Reis, do PT da Bahia, que disputou a pré-candidatura à Prefeitura de Salvador neste ano, mas perdeu a nomeação para a Major Denice Santiago, apadrinhada do governador baiano Rui Costa. Para ela, denominações de esquerda não abraçaram o debate racial.

Na esquerda, não nasce outra liderança que não seja homem branco. No máximo, mulher branca. Os negros são para carregar campanha, criar apoio, mas quem faz e dirige boas partes das lutas espalhadas pelo Brasil somos nós mulheres negras
Vilma Reis, socióloga e ouvidora-geral da Defensoria Pública da Bahia

De acordo com estudo da FGV Direito, homens brancos representaram 43,1% de todos os candidatos a deputado federal nas eleições de 2018, mas abocanham cerca de 60% das receitas de campanha. Na outra ponta, mulheres negras somaram 12,9% das candidaturas à Câmara, mas ficaram com 6,7% dos recursos. Já homens negros eram 26% dos candidatos, mas receberam 16,6% do total do volume.

Na atual legislatura, mulheres negras representam 2,5% do total de eleitos, enquanto as mulheres brancas são 12,28%. Homens brancos representam 62,57%, já homens negros, 22,02%.

Um mandato, três vozes

Para professor Juarez Xavier, a alternativa para viabilizar candidaturas fora do padrão estabelecido pelos partidos são os mandatos coletivos, que traz maior pluralidade à política brasileira, seja ela ideológica, étnica ou social.

"Os mandatos coletivos são uma tecnologia social inovadora, eles conseguem materializar a política interseccional para enfrentar a violência interseccional. São mandatos que têm marcador de gênero, classe social e étnico-racial. Essa é a tecnologia social eleitoral mais importante que surgiu nos últimos anos."

Da esquerda para direita, a candidatura coletiva "Juntas": Débora Lima, Jussara Basso e Valdirene Cardoso - Reprodução - Reprodução
"Juntas": candidaturas coletivas é estratégia de mulheres negras para romper as barreiras e ocupar a política.
Imagem: Reprodução

Mães solteiras, negras e oriundas de três regiões periféricas de São Paulo, Débora Lima, Jussara Basso e Valdirene Cardoso compõem uma das chapas coletivas que tentará a eleição no pleito deste ano. Militantes do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST), elas tentarão estreitar as relações entre o eleitorado das regiões afastadas do centro para com a política institucional.

"A gente percebeu que há uma singularidade muito grande entre as demandas da periferia. Eu sempre fiz esse questionamento da política institucional brasileira, por ela consolidar figuras individuais, salvadores da pátria que muitas vezes não atendem às expectativas do povo trabalhador", diz Basso, que participa da ocupação Nova Palestina, no extremo sul de São Paulo.

Embora sejam permitidas, as candidaturas coletivas têm de escolher um representante como "candidato oficial" para aparecer na urna.

Para Basso, a decisão do TSE, caso seja favorável, pode equilibrar institucionalmente as candidaturas por forçar os partidos a destinar recursos a candidatas e candidatos negros. Mas ela julga ser necessária uma fiscalização para não haver casos de candidatos laranjas. Fora isso, acrescenta, a iniciativa pode eleger pessoas comprometidas a pensar os mais vulneráveis.

A política pública tem de ser feita a partir da periferia e voltada para a periferia
Jussara Basso, candidata junto a outras duas mulheres em uma chapa coletiva