Eleição 2020 tem candidato que está em lista suja do trabalho escravo
As eleições municipais deste ano vão ter um candidato a vereador que consta na "lista suja" do trabalho escravo. A informação foi obtida após um cruzamento de dados de dois órgãos: o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o antigo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), hoje Ministério da Economia. Apesar de constar na lista, o político pode concorrer normalmente, já que não foi condenado.
O candidato nessa situação é Geraldo Dorneles Amaral (PSC), que tenta uma vaga de vereador em Itaberaí (GO), a 102 km de Goiânia. Ele já foi vice-prefeito do município e vereador. Em 2016, disputou a prefeitura pelo PSD, sem ganhar. A reportagem tentou, sem sucesso, contato com ele.
Seu nome foi incluído na "lista suja" em abril deste ano por manter dois funcionários em condições análogas à de escravidão em uma fazenda onde trabalhavam na extração de areia em um riacho. A fiscalização ocorreu em 2018.
A reportagem teve acesso ao relatório de fiscalização, de 41 páginas, elaborado pelo setor de inspeção do trabalho da Superintendência Regional do Trabalho em Goiás. Segundo o documento, as condições dos trabalhadores eram "degradantes", desumanas e indignas, o que configurou a situação análoga à condição de escravo.
Sobre o alojamento, localizado a um quilômetro de onde os empregados atuavam, os fiscais frisaram que se tratava de um "local improvisado, não servindo para ser usado com alojamento". O barraco não possuía portas, o piso era de chão batido e não havia banheiro, por isso "as necessidades fisiológicas eram feitas no mato", conforme o relatório.
Também tinha "que tomar banho no rio ou do lado de fora do barraco, usando um balde para jogar água no corpo". Além disso, a água usada para beber ou cozinhar era obtida diretamente em um rio "onde o gado também tomava água", segundo o documento.
Também não havia camas no barraco nem iluminação, já que a energia elétrica estava danificada havia vários meses, segundo os fiscais.
Após levantamento preliminar e geral dos fatos, os auditores fiscais do trabalho e o procurador do trabalho Marcello Ribeiro Silva concluíram "unanimemente, tratar-se de submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo, na modalidade de labor em condições degradantes". O local foi interditado.
Foi constatada a prática de 13 infrações à legislação trabalhista por parte de Amaral, "sendo algumas delas de forma grave e intensa". "Tais irregularidades, em seu conjunto, caracterizam situação inaceitável de ofensa à dignidade da pessoa humana", segundo o documento.
O político afirmou que contratou os dois empregados em abril de 2018, menos de três meses antes da fiscalização. Entretanto, os fiscais afirmaram que a situação perdurava por cerca de dois anos, com outros trabalhadores. Os dois funcionários foram resgatados e, três dias após a fiscalização, receberam as verbas rescisórias que totalizaram pouco mais de R$ 9.600.
Sem condenação, político pode concorrer
Amaral não foi condenado, por isso não é considerado inelegível a concorrer neste ano. Segundo a legislação eleitoral, é preciso que ele seja condenado em segunda instância, por órgão colegiado. Não é o caso dele, já que o inquérito foi arquivado.
Em 11 de abril do ano passado, o político assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o MPT (Ministério Público do Trabalho), se comprometendo a cumprir uma série de exigências. A reportagem também teve acesso ao documento.
Entre as exigências que o político teve de atender, estão garantir o fornecimento de água potável. Caso não cumprisse, haveria multa de R$ 500 por trabalhador e por situação. O político precisou também fornecer alimentação, instalações sanitárias e alojamentos e deixar de contratar menores de 18 anos.
No termo, a procuradora do trabalho Cirêni Batista Ribeiro exigiu que o político deixasse de manter os empregados em condições contrárias de proteção do trabalho. Em caso de descumprimento, deveria pagar R$ 20 mil por trabalhador.
Conforme o MPT de Goiás, o TAC foi cumprido em julho deste ano e, em seguida, o inquérito civil público foi arquivado. Já na esfera criminal não foi ajuizada ação, de acordo com o MPF (Ministério Público Federal) de Goiás.
"O procedimento que havia contra Geraldo Dorneles Amaral não configurava crime, no entendimento do procurador da República. Foi pedido, na sequência, o arquivamento (2019). A Justiça Federal homologou esse arquivamento. Portanto, de forma objetiva, não há procedimentos atualmente contra ele", afirmou a assessoria do MPF de Goiás.
Em observação
Amaral vai ficar por ao menos dois anos nesta relação, em uma "lista de observação", e pode sair depois de um ano, caso os compromissos sejam cumpridos.
A reportagem questionou a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia sobre o caso, mas ainda não obteve retorno.
A candidatura dele foi analisada em 12 de outubro pelo promotor eleitoral Leonardo Seixlack Silva.
Procurado pelo UOL, o promotor disse desconhecer que o nome do político estava na "lista suja". "O fato de constar na lista não impede que ele seja candidato. Para que ele tenha os direitos políticos suspensos é preciso atender as condições de inelegibilidade [ser condenado e não poder mais recorrer]."
"Como atuo apenas na seara eleitoral, não tenho providência a ser tomada", disse.
Um dia após a manifestação do MP, a juíza Laura Ribeiro de Oliveira também aceitou a candidatura. A reportagem tentou falar com a magistrada, sem retorno.
A reportagem procurou o político, mas não conseguiu falar com ele. Foram feitas ligações para o telefone celular dele e deixadas mensagens no WhatsApp. Porém o candidato não atendeu as ligações nem respondeu as mensagens.
Também foram deixadas mensagens no perfil do Facebook e no e-mail que consta no registro da candidatura. Até a última atualização deste texto, não houve retorno, mas seus comentários serão incluídos assim que ele se manifestar.
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