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223 internos da Fundação Casa vão votar na cidade de São Paulo

Fundação Casa promoveu palestras e atividades socioeducativas antes das eleições - Divulgação/Fundação Casa
Fundação Casa promoveu palestras e atividades socioeducativas antes das eleições Imagem: Divulgação/Fundação Casa

Cleber Souza

Do UOL, em São Paulo

15/11/2020 07h00

"Ele [o novo prefeito] tem de olhar mais para a educação básica, lazer e emprego para os jovens. Precisa ter valores éticos e transparência com quem mais tem necessita. Então, meu voto tem de ser no alvo certo." A frase é do Kauan*, de 17 anos, um dos 223 jovens da Fundação Casa que vão votar hoje, nas eleições municipais na cidade de São Paulo. Em todo o estado, são 359.

Neste ano, o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) instalou nove seções eleitorais em prédios da Fundação Casa na capital, seguindo os protocolos de saúde e higiene para evitar a transmissão da covid-19. No interior, adolescentes serão levados a seus respectivos locais de votação.

É a primeira vez que Kauan participa do processo eleitoral. Ele afirma que o resultado "pode interferir também nos meus objetivos para quando sair" da fundação. E diz que os jovens, principalmente da periferia, precisam de mais oportunidades para não escolherem o mesmo caminho que ele.

"Acompanhamos toda campanha e os debates daqui de dentro [da Fundação Casa]. Tenho que me sentir privilegiado por estar participando da minha primeira eleição", conta o jovem, que está na sua quarta internação —desta vez, por roubo. Estudante do 8º ano do ensino fundamental, pretende fazer faculdade de Assistência Social.

Na unidade Chiquinha Gonzaga, jovens participaram de atividades socioeducativas sobre as eleições - Divulgação/Fundação Casa - Divulgação/Fundação Casa
Na unidade Chiquinha Gonzaga, jovens participaram de atividades socioeducativas sobre as eleições
Imagem: Divulgação/Fundação Casa

Durante a última semana, equipes pedagógicas dos centros de reabilitação promoveram atividades de cidadania e conscientização para envolver os menores que vão votar nestas eleições.

"Os jovens participaram de palestras, conheceram os detalhes do funcionamento do processo eleitoral, discutiram a importância de votar, identificaram as atribuições de cada cargo e até mesmo simularam as votações em iniciativas realizadas pelas equipes dos centros socioeducativos", diz o secretário da Justiça e Cidadania e presidente da Fundação Casa, Fernando José da Costa.

Stephany*, 18, também vai votar pela primeira vez. Cumprindo internação por roubo, ela diz que quer fazer seu voto valer a pena.

Não é só um voto em um candidato, mas também nosso futuro. Quem mora na periferia é carente de tudo um pouco. Espero votar em alguém que dê a atenção devida, principalmente para as comunidades mais carentes."

Stephany conta que precisou "passar veneno" para entender o caminho errado que estava seguindo. Agora, quer seguir os mesmos passos de mãe e ter uma graduação. Fora da Fundação Casa, ela quer estudar biologia marinha.

"Sempre gostei de estudar. Agora quero recuperar esse tempo perdido e poder ter um novo rumo na minha vida. Essa oportunidade de escolher quem pode ser o novo prefeito da cidade pode refletir sim nos meus planos após minha saída", afirma.

O defensor público Daniel Palotti Secco, também coordenador auxiliar do Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo, avalia que a garantia do direito ao voto dos adolescentes e jovens cumprindo medida socioeducativa de internação é "importantíssima".

"A participação [dos jovens da Fundação] nas eleições é positiva por contribuir para que eles reconheçam e exerçam sua cidadania. Este também um dos objetivos das medidas socioeducativas: promover a integração social e a cidadania", afirma.

Além de garantir que nosso processo eleitoral seja mais democrático e inclusivo, e portanto melhor, isso contribui positivamente com a integração social destes jovens. Em suma, isso é importante para a sociedade, para a democracia e para estes jovens."

Medida socioeducativa

Dados obtidos pelo UOL junto à Fundação Casa mostram que, até setembro, dos 4.694 adolescentes cumprindo medida socioeducativa no estado, 49,34% estavam internados por tráfico de drogas. Roubo qualificado aparecia com 34,63%. Já outros atos infracionais como homicídios, estupro e latrocínio somavam, juntos, 16,05%.

Prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, a aplicação de medida de internação cabe em três casos: mediante violência grave, ameaça ou no caso de descumprimento de uma medida socioeducativa anterior.

Para a OIT (Organização Internacional do Trabalho), o tráfico de drogas é uma das piores formas de trabalho infantil e, portanto, os países são obrigados a proteger crianças e adolescentes explorados na função. Mas, segundo o Palotti Secco, o Brasil faz um papel inverso, deixando de resgatar e proteger adolescentes.

"Os dados mostram que a Justiça não tem seguido com rigor o Estatuto da Criança e do Adolescente. É claro que eles são responsabilizados, não da mesma forma que um adulto, mas eles sofrem pelos atos que cometem já na privação de liberdade", diz.

O levantamento aponta ainda que jovens negros são maioria entre os internados —69,38%. Em relação à faixa etária, mais de 3.500 internos têm entre 15 e 17 anos.