223 internos da Fundação Casa vão votar na cidade de São Paulo
"Ele [o novo prefeito] tem de olhar mais para a educação básica, lazer e emprego para os jovens. Precisa ter valores éticos e transparência com quem mais tem necessita. Então, meu voto tem de ser no alvo certo." A frase é do Kauan*, de 17 anos, um dos 223 jovens da Fundação Casa que vão votar hoje, nas eleições municipais na cidade de São Paulo. Em todo o estado, são 359.
Neste ano, o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) instalou nove seções eleitorais em prédios da Fundação Casa na capital, seguindo os protocolos de saúde e higiene para evitar a transmissão da covid-19. No interior, adolescentes serão levados a seus respectivos locais de votação.
É a primeira vez que Kauan participa do processo eleitoral. Ele afirma que o resultado "pode interferir também nos meus objetivos para quando sair" da fundação. E diz que os jovens, principalmente da periferia, precisam de mais oportunidades para não escolherem o mesmo caminho que ele.
"Acompanhamos toda campanha e os debates daqui de dentro [da Fundação Casa]. Tenho que me sentir privilegiado por estar participando da minha primeira eleição", conta o jovem, que está na sua quarta internação —desta vez, por roubo. Estudante do 8º ano do ensino fundamental, pretende fazer faculdade de Assistência Social.
Durante a última semana, equipes pedagógicas dos centros de reabilitação promoveram atividades de cidadania e conscientização para envolver os menores que vão votar nestas eleições.
"Os jovens participaram de palestras, conheceram os detalhes do funcionamento do processo eleitoral, discutiram a importância de votar, identificaram as atribuições de cada cargo e até mesmo simularam as votações em iniciativas realizadas pelas equipes dos centros socioeducativos", diz o secretário da Justiça e Cidadania e presidente da Fundação Casa, Fernando José da Costa.
Stephany*, 18, também vai votar pela primeira vez. Cumprindo internação por roubo, ela diz que quer fazer seu voto valer a pena.
Não é só um voto em um candidato, mas também nosso futuro. Quem mora na periferia é carente de tudo um pouco. Espero votar em alguém que dê a atenção devida, principalmente para as comunidades mais carentes."
Stephany conta que precisou "passar veneno" para entender o caminho errado que estava seguindo. Agora, quer seguir os mesmos passos de mãe e ter uma graduação. Fora da Fundação Casa, ela quer estudar biologia marinha.
"Sempre gostei de estudar. Agora quero recuperar esse tempo perdido e poder ter um novo rumo na minha vida. Essa oportunidade de escolher quem pode ser o novo prefeito da cidade pode refletir sim nos meus planos após minha saída", afirma.
O defensor público Daniel Palotti Secco, também coordenador auxiliar do Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo, avalia que a garantia do direito ao voto dos adolescentes e jovens cumprindo medida socioeducativa de internação é "importantíssima".
"A participação [dos jovens da Fundação] nas eleições é positiva por contribuir para que eles reconheçam e exerçam sua cidadania. Este também um dos objetivos das medidas socioeducativas: promover a integração social e a cidadania", afirma.
Além de garantir que nosso processo eleitoral seja mais democrático e inclusivo, e portanto melhor, isso contribui positivamente com a integração social destes jovens. Em suma, isso é importante para a sociedade, para a democracia e para estes jovens."
Medida socioeducativa
Dados obtidos pelo UOL junto à Fundação Casa mostram que, até setembro, dos 4.694 adolescentes cumprindo medida socioeducativa no estado, 49,34% estavam internados por tráfico de drogas. Roubo qualificado aparecia com 34,63%. Já outros atos infracionais como homicídios, estupro e latrocínio somavam, juntos, 16,05%.
Prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, a aplicação de medida de internação cabe em três casos: mediante violência grave, ameaça ou no caso de descumprimento de uma medida socioeducativa anterior.
Para a OIT (Organização Internacional do Trabalho), o tráfico de drogas é uma das piores formas de trabalho infantil e, portanto, os países são obrigados a proteger crianças e adolescentes explorados na função. Mas, segundo o Palotti Secco, o Brasil faz um papel inverso, deixando de resgatar e proteger adolescentes.
"Os dados mostram que a Justiça não tem seguido com rigor o Estatuto da Criança e do Adolescente. É claro que eles são responsabilizados, não da mesma forma que um adulto, mas eles sofrem pelos atos que cometem já na privação de liberdade", diz.
O levantamento aponta ainda que jovens negros são maioria entre os internados —69,38%. Em relação à faixa etária, mais de 3.500 internos têm entre 15 e 17 anos.
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