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Com Maceió afundando por mineração, novo prefeito quer socorro de Bolsonaro

João Henrique Caldas (JHC), eleito prefeito de Maceió pelo PSB - Divulgação
João Henrique Caldas (JHC), eleito prefeito de Maceió pelo PSB Imagem: Divulgação

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

03/12/2020 04h00

Prefeito eleito em Maceió no último domingo (29), o deputado federal João Henrique Caldas, o JHC (PSB), assumirá a cidade em janeiro com um desafio diferente dos demais 5.569 eleitos pelo país: parte da cidade afundou devido à mineração urbana feita por anos pela empresa Braskem. O problema, diz ele, será pauta de um encontro que pretende ter com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), logo no início de sua gestão.

Hoje, quatro bairros viraram uma área fantasma de 6.000 imóveis abandonados, causando transtorno não só aos cerca de 25 mil moradores expulsos de suas casas, como a toda a população por conta do fechamento de vias e da inutilização de equipamentos públicos.

Para JHC, a questão não pode ficar apenas na mão do município, que tem a menor parcela de culpa no processo. "O governo federal foi o grande responsável por conceder as licenças. Então a ANM [Agência Nacional de Mineração] e a CPRM [Serviço Geológico do Brasil] vão ser buscadas. Eu vou trabalhar para que eles nos deem todo o respaldo e segurança para que a gente possa ter os dados. Essa não é responsabilidade só do prefeito", diz.

Pinheiro - Divulgação/Ascom Defesa Civil - Divulgação/Ascom Defesa Civil
Edifícios do bairro do Pinheiro, em Maceió, foram evacuados após afundar o solo
Imagem: Divulgação/Ascom Defesa Civil

Opositor da família do senador Renan Calheiros no estado, ele diz ao UOL que o clã queria ampliar seu poder com a eleição do ex-procurador-geral de Justiça Alfredo Gaspar (MDB), mas foi derrotado no segundo turno.

"Eu só falei a verdade [na campanha], que ele era o candidato dos Calheiros. O Renan é presidente do MDB, foi ele quem filiou o Alfredo, e eu falei uma verdade: ele estava ali para servir a um projeto de poder dos Calheiros", diz.

JHC ainda respondeu sobre as medidas contra a covid, defendeu a reabertura imediata das escolas e afirmou que seu governo ficará fora do que chama de debate ideológico extremo. "Eu tenho postura de centro, sempre equilibrado. Não tenho os radicalismos extremos, sempre fiz questão de ser independente."

Leia a íntegra da entrevista a seguir:

UOL - O senhor vai enfrentar um desafio diferente de outras cidades brasileiras: o afundamento de quatro bairros, que gerou um êxodo urbano sem precedentes. Que planos o sr. tem para o problema?

A gente tem alguns desafios. Uma grande oportunidade que vamos ter é a de revisar o Plano Diretor —na verdade, estamos hoje sem plano. A gente precisa agora entender e quantificar esses impactos. A gente sabe que aquela região tem milhares de equipamentos públicos, que estão agora sem utilização, o que impacta diretamente na vida da cidade, na vida das pessoas.

Por onde o senhor pretende começar?

Primeiro precisamos quantificar o prejuízo causado à cidade. No Plano Diretor, vamos discutir as questões urbanísticas. A prefeitura precisa ter informações sobre a estabilização daquela área, de qual o futuro daquela área tecnicamente falando. Só a partir daí é que vamos pensar qual a finalidade que vamos dar aquela localidade. Já falaram que, a partir do segundo semestre do próximo ano, poderia ter afundamento, mas essas informações precisamos tê-las de forma mais assertiva para termos segurança.

O governo federal foi o grande responsável por conceder as licenças. Então a ANM e a CPRM vão ser buscadas. Eu, como prefeito, vou trabalhar para que eles nos deem todo o respaldo e segurança para que a gente possa ter os dados. Essa não é responsabilidade só do prefeito.

Na verdade, estava faltando o prefeito entrar na discussão efetivamente --o que vai ter de diferença agora é isso. Assim vamos trazer para o Brasil e para o mundo a questão. Imagino que existem empresas do mundo todo observando, e os governos estadual e federal não podem se omitir. Nessa bola dividida, quem perde é a população.

Rachaduras - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Rachaduras e afundamento de asfalto no bairro do Pinheiro, em Maceió
Imagem: Beto Macário/UOL

Como pensa em chamar o governo para o problema?

Vou ao presidente Bolsonaro, vou ao governador. Nós vamos traçar as melhores estratégias para vencer esses desafios. Hoje existe um observatório do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] que acompanha as causas do afundamento, que tem também a participação do CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público]. Temos no Ministério do Desenvolvimento Regional uma portaria que estabelece todo acompanhamento, mas na prática não está existindo isso. Vamos ter uma estrutura diretamente ligada ao nosso gabinete que vai fortalecer a Defesa Civil municipal para ter um trabalho diário em relação aos quatro bairros.

Vou falar com Bolsonaro porque ele foi um dos primeiros a adotar medidas para poder acompanhar o afundamento dos bairros, mas que hoje não está andando como deveria. Todo mundo tem de sentar à mesa. A gente não pode fingir que não temos um problema: temos um problema que afeta 55 mil pessoas, que pode ocasionar um problema ainda mais grave, e é uma irresponsabilidade sem tamanho cruzar os braços e deixar acontecer.

Eu terei a melhor relação com o governo federal e estadual.

O que o sr. propõe aos moradores afetados?

Vamos criar um programa de apoio a essas vítimas com as diretrizes necessárias para tomar as providências, para que a gente tenha correlação de forças. Os termos do acordo feito deram superpoderes à empresa, e toda jornada do morador fica na mão da empresa: até quando precisa de uma informação tem de ir à Braskem pedir. A gente agora terá de fazer uma paridade de armas para os moradores conseguirem ter igualdade de forças para defender os seus direitos, para poder questionar.

Vamos ainda fazer uma busca ativa desses moradores. Hoje, as pessoas estão em bairros receptores após fazerem um casamento forçado com esse acordo. Ali são mais de 4.000 comerciantes, e a gente precisa ter uma política para eles, para os moradores, saber onde estão e o que estão precisando da prefeitura.

O sr. foi eleito pelo PSB, que é um partido de centro-esquerda. Mas muitos o ligaram à direita e até a Bolsonaro durante a campanha. Qual, afinal, o espectro político do sr.?

Eu sempre fui independente. Eu tenho postura de centro, sempre equilibrado. Não tenho os radicalismos extremos, sempre fiz questão de ser independente, não indicar cargos e me mantive assim. Por conta disso, tenho tranquilidade com a relação institucional com eles, sem dificuldade alguma.

Durante a campanha o sr. se colocou como um candidato contrário ao poder da família Calheiros. Como o senhor pensa que será a relação com eles agora que o sr. foi eleito?

Eu só falei a verdade, que ele [Alfredo Gaspar, do MDB] era o candidato dos Calheiros. O Renan é presidente do MDB, foi ele quem filiou o Alfredo, e eu falei uma verdade: ele estava ali para servir a um projeto de poder dos Calheiros.

Alfredo - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Candidato do MDB, Alfredo Gaspar perdeu para JHC no 2º turno
Imagem: Reprodução/Facebook

Mas com certeza o governador [Renan Filho], o senador e eu também temos maturidades para entender que se trata de um processo político de adversários que foram às urnas, fizeram o contraditório, e quem vence é quem vai governar. A relação institucional diz respeito muito mais ao povo, que à diferença entre ambos.

O sr. se encaixa nesse novo perfil mais de centro que emergiu das urnas em 2020?

Eu confesso que não parei para pensar se seria isso. Hoje em dia é difícil, viu? Para alguns, sou esquerda; para outros, sou direita. Isso vai da interpretação de cada um, de como cada um quer enxergar. O que eu me enxergo é trabalhando, fazendo as coisas acontecerem. Esse debate ideológico acirrado, eu não entro. Sou mais focado nos resultados.

O sr. abriu nesta semana uma seleção pública para cargos comissionados, que já recebeu mais de 14 mil currículos. Como será esse processo de escolha?

Vamos fazer esse trabalho com a Vetor Brasil, que é a maior instituição de caça-talentos do Brasil. Com isso, eles extraem as competências de cada um, as habilidades, depuram a informação, segmentam, fazem todo o diagnóstico.

Carreata - Divulgação - Divulgação
Último dia de campanha de JHC teve carreata pelas ruas de Maceió
Imagem: Divulgação

Quantos cargos serão?

Eu vou tentar o quanto for possível dentro da realidade da prefeitura. Esse diagnóstico vai ser feito agora, vamos receber o retrato da atual gestão. Mas isso [de contratar o máximo por seleção] é filosofia nossa.

O sr. vai pegar a gestão municipal em meio a uma pandemia. O que já tem em mente sobre o tema?

Nós vamos fazer uma testagem em massa. Quero ser uma das primeiras cidades nessa fase de início de gestão a fazer isso. Não sei se dará para testar todo mundo —porque não sei a disponibilidade—, mas o máximo possível eu vou fazer, junto com o Ministério da Saúde. De acordo com o número que a gente conseguir, vamos delimitar a estratégia. Isso vai dar segurança às nossas pessoas, aos turistas, aos trabalhadores. Vai ser muito importante para a cidade.

E a vacinação?

Na semana que vem, tenho reunião com o ministério, e ela vai ser decisiva. Preciso saber as informações de que eles dispõem, quais as melhores medidas para depois tomar as decisões.

O momento hoje é de alerta sobre uma eventual segunda onda. O sr. já pensa em medidas caso isso ocorra?

Ainda é muito cedo. O que penso é que não podemos gerar um novo pânico na população. Fui o parlamentar que mais fez emendas para covid-19, para todos os hospitais, postos de saúde, unidades filantrópicas aqui. Foram tomógrafos, [aparelhos de] raios x, respiradores, e hoje o sistema de saúde de Maceió é muito mais fortalecido do que na primeira onda.

Entendo também que temos protocolos também predefinidos de forma mais clara. É uma realidade totalmente diferente, sou cauteloso quanto a isso [de debater medidas em uma eventual segunda onda].

O sr. pensa em reabrir de imediato as escolas?

Penso, e vamos fazer esse trabalho junto com Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz]. Temos protocolos já definidos, vamos ter adaptar à realidade de Maceió. Não medirei esforços, vamos tentar retornar, inclusive com protocolos que possam ser referência. Esse é um objetivo a ser perseguido.

O senhor falou muito na campanha em inovação e modernização da prefeitura. Como o senhor pretende fazer isso?

Maceió vai ter uma secretaria de transformação digital, ciência e tecnologia. Ela vai trabalhar com a tríplice hélice: academia, poder público e iniciativa privada. A gente vai fazer tanto uma transformação na gestão, com um governo digital, que vai trabalhar com a academia com dados abertos para ajudar a gente e formatar projetos para modernizar a nossa estrutura empresarial e de empreendedores.