Paes vê vitória da política, mas diz: 'Bolsonaro também é da política'
Eleito pela terceira vez prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM) vê o crescimento de seu partido e de outras legendas do Centrão como uma "vitória da política". No entanto, rejeita a ideia de que o presidente Jair Bolsonaro —que apoiava a candidatura de Marcelo Crivella (Republicanos), atual prefeito e seu adversário no 2º turno— saiu derrotado do pleito. "Bolsonaro também é da política".
Ao final da primeira semana da transição para seu governo, Paes demonstra confiança de que terá a habilidade para obter apoios no governo federal, sobretudo para lidar com a pandemia do novo coronavírus. Em entrevista ao UOL na tarde desta sexta-feira (4), ele critica o que chamou de radicalismo na discussão sobre medidas de isolamento —"ou é lockdown ou é negacionismo"— e diz que falta racionalidade ao que é adotado hoje por Crivella.
"Vou respeitar o que a ciência disser, mas eu não consigo entender ter shopping, academia, restaurantes e bares abertos, e a escola sem funcionar", diz.
Paes conversou com o UOL em uma ampla sala no prédio da Firjan (Federação das Indústrias do Rio), que vem funcionando como seu gabinete até a posse. Sua equipe ocupa o segundo andar do prédio localizado no centro, a minutos de caminhada da Cinelândia e do Aeroporto Santos Dumont.
UOL - O senhor assume o governo com a cidade em uma situação difícil, como déficit nas contas públicas e uma pandemia. Qual marca pretende deixar nessa gestão?
Eduardo Paes - A razão de eu ter sido candidato a prefeito tem muito a ver com a situação da cidade. O Rio não aguentaria mais quatro anos de Crivella. É óbvio que será um cenário difícil, mas tenho muito otimismo na minha capacidade de fazer essas mudanças. Não vou fazer um governo conservador, faço questão de dizer isso. Não quero que a gente administre a crise, quero que a gente ouse.
UOL - A gestão Crivella termina com denúncias de corrupção, como o QG da Propina, e de favorecimento de membros da igreja dele. O senhor pretende fazer um pente-fino?
Paes - Certamente. Vamos olhar isso tudo com muita tranquilidade. Tenho dito desde o início do ano para que os fornecedores da prefeitura tomassem cuidado ao fazer as coisas, que fizessem com o devido empenho. Para que os recursos estivessem garantidos.
Quem ficou jogando aí asfalto para a eleição sem o devido empenho, sem os recursos garantidos, não vai receber. Além de auditar gastos empenhados e tudo, eu tomaria ainda mais cuidado nessas últimas semanas de governo. Estamos com a lupa no Diário Oficial, mas o problema é o que nem está no Diário Oficial.
UOL - O senhor se decepcionou com o governo de Crivella?
Paes - Naquele momento [da vitória de Crivella em 2016] já achava que ele seria um péssimo prefeito, mas ele foi muito pior do que eu imaginava. Não achava que seria tão caótico. Mas eu não achava sinceramente que o Crivella fosse preconceituoso. Achava que ele tinha a fé dele, a crença dele, mas que ele respeitava o gay, a outra religião. E a prática dele mostrou que não.
UOL - Crivella surpreendeu o senhor ao usar na campanha discurso preconceituoso, citando fake news sobre kit gay e pedofilia?
Paes - Ele finalmente se revelou no debate da Globo. Ele se solta ali e revela toda a carga de preconceito que ele carrega. Não me surpreendeu porque eu já tinha percebido isso no governo. Ali ele explicitou.
Mas foi importante ele [Crivella] ter soltado a sua verdadeira alma ali porque mostrou que não é só um incompetente na gestão, é uma pessoa que não tem capacidade de compreender o diferente. Governar é entender e respeitar o diferente. Eu não concordo com boa parte das pautas identitárias do PSOL, mas respeito a opinião divergente do PSOL.
E não tô falando desse absurdo de pedofilia, porque nem pedófilo defende pedofilia. Isso é um escândalo, um crime. E tenho certeza que ele vai pagar por isso, porque eu acionei e o PSOL também acionou. Eu não uso meu chapéu panamá por causa do Zé Pelintra, mas se estivesse usando qual é o problema?
UOL - Como está sendo a relação com o presidente Bolsonaro?
Paes - Tive uma conversa com ele na segunda-feira (30), ficamos de marcar uma audiência. A agenda do presidente é bastante enrolada e vou aguardar. O superintendente da Caixa no Rio, que é uma função política, já me ligou. O pessoal do Ministério da Saúde me procurou para fazer o primeiro contato. Já falei com o ministro [Eduardo] Pazzuello por telefone. O Pedro [Paulo, futuro secretário] está pedindo uma audiência com o ministro Paulo Guedes [Economia]. Não vejo nenhuma hostilidade. O ministro [Luiz Eduardo] Ramos [Secretaria de Governo] já me ligou, o ministro Fernando [Azevedo e Silva] [Defesa] também. São pessoas que eu conheço do Rio. Eles têm tido todo o respeito, todas foram ligações institucionais.
UOL - Sua proximidade com Rodrigo Maia [presidente da Câmara dos Deputados] pode atrapalhar a relação com o governo federal?
Paes - Não acredito nisso. Vou explorar o fato de ser um governo carioca. À exceção do [David] Alcolumbre [presidente do Senado], todo mundo do primeiro escalão da República é do Rio.
Quando eu ia ao Lula, à Dilma ou ao Michel Temer, eu sabia o que pedir e como pedir. Crivella ficou nesse puxa-saquismo com Bolsonaro e trouxe o que para o Rio? Eu puxava saco, mas pelo menos eu trazia [recursos]. Crivella puxou saco por dois anos do presidente e trouxe o que para o Rio?
UOL - As vitórias do DEM no Rio e do PSDB em São Paulo soam como vitórias do centro-direita. Até que ponto é um prenúncio para 2022?
É uma vitória do diálogo, da política. Eu não faço leitura para 2022. Mas quero dizer o seguinte: Bolsonaro é da política. É um erro a gente achar que ele não é da política. Ele é um ator da política. Fica 30 anos deputado, ele é um cara da política.
UOL - Mas, em entrevistas, o senhor citou nomes de fora da política, como Luciano Huck e Sergio Moro, como possibilidades...
Paes - Eu não citei ninguém, eu fui questionado por jornalistas sobre pessoas. Falei do Luciano porque ele tem uma dimensão pública. Pode não ter disputado cargo, mas tem um exercício de diálogo, de dimensão política, que pode fazer diferença.
UOL - E o ex-ministro Sergio Moro? Pode ser considerado um nome da política?
Paes - A minha impressão é que ele não quer [ser presidenciável]. Está indo trabalhar em uma empresa com relações com a Odebrecht. Me parecem gestos de alguém que não está em busca de uma carreira política. Mas, a decisão é dele, não minha. Nem o conheço.
UOL - O senhor expressou a vontade de "fazer mais política". O ACM Neto é prefeito e presidente do seu partido, o DEM. É nesse sentido o "fazer mais política"?
Paes - Não. Eu vou focar na cidade. Eu jamais seria presidente do DEM. Essa cidade já me dá muito trabalho. Mas quero opinar mais sobre a política da cidade, a política fluminense.
UOL - Como o senhor pretende tratar a pandemia de covid-19? Vai fechar as praias no verão?
Paes - Eu vou respeitar sempre a ciência. Mas em relação à pandemia eu quero repetir o que venho sempre dizendo: não dá para a gente estabelecer medidas que as pessoas não vão cumprir.
A principal tarefa é seguir a ciência, tomar os devidos cuidados e estabelecer um diálogo franco com a população. Estão virando extremos: ou é lockdown ou é negacionismo. Tem um meio-termo aí nessa história. Quase virou uma disputa ideológica entre o lockdown e o abre geral.
UOL - Houve muitas críticas às medidas, já que chegamos a ter trilhas e praias fechadas, mas shoppings abertos...
Paes - É tentar ser racional, porque o que é racional as pessoas entendem. O que é irracional elas não entendem, aí passam a desafiar tudo. Falam: 'Posso ir para o shopping, mas não posso ir para a trilha?". Então vai para a trilha. Tem muita coisa que não faz sentido, muita irracionalidade. Isso desacredita os comandos que os governos dão.
UOL - E em relação às escolas?
Vou respeitar o que a ciência disser, mas eu não consigo entender o shopping, a academia, o restaurante e o bar abertos, e a escola sem funcionar.
Isso não está acontecendo no mundo. Até na Europa, que voltou a fechar, as escolas continuam abertas. E as nossas crianças? São todas filhas da classe média alta que vão ficar fazendo ensino à distância? A gente precisa ter responsabilidade. Se a medicina disser que dá para fazer [retomar as aulas], vamos nos concentrar nisso. [E discutir] Como você protege o aluno e o professor.
UOL - O senhor pretende comprar vacinas contra a covid-19?
Paes - Eu acho que é uma tarefa do governo federal. Se o governo federal não comprar, o que eu acho absurdo, eu também comprarei [como outros governos]. Mas não acredito, não consigo conceber isso.
UOL - E se o governo encrencar com a vacina chinesa?
Paes - Se a Anvisa autorizar [a vacina chinesa] não tem como [o governo] encrencar. Você pega os países e todo mundo está com data de vacinação. Eu tive um primeiro contato com um representante do Ministério de Saúde aqui no Rio e o quadro que ele me pintou é bastante positivo. Não vi esse negacionismo todo que falam também.
UOL - O senhor disse que gostaria do ex-prefeito César Maia, pai de Rodrigo Maia, em uma secretaria especial. Qual será o papel dele?
Paes - Não vai ter. Queria criar um cargo para ele, mas o César me disse que está em outra fase da vida, que não quer mais estar no Poder Executivo.
UOL - Como está vendo a construção para 2022? Pretende ter um candidato para o governo?
Paes - Não cravo nada, mas dou um voto de confiança para o atual governador [Cláudio Castro, governador em exercício]. Ele me parece mais aberto ao diálogo que o Wilson Witzel. Esse era um Napoleão de hospício. Pronto, falei.
UOL - O que acha desse alinhamento de Cláudio Castro com o governo federal, soa como subserviência política?
Paes - Ele está certíssimo. O Rio é um estado sob intervenção federal nas finanças. Não há outra saída, tem que jogar na cartilha.
Quando eu vi o Witzel brigando com Bolsonaro daquele jeito, eu pensei [fica em silêncio por alguns instantes]... Ele foi de uma inteligência política para me vencer e de uma imbecilidade política [ao governar] que nunca vi igual. É coisa de gente com baixa autoestima
Via todo mundo dizer que Bolsonaro o elegeu e resolveu achar que não. O Cláudio tem dialogado com todo mundo, tem que ser assim, com maturidade. Mas, só maturidade não basta. Tem que trazer resultados.
UOL - O senhor será prefeito até 2024 ou há chance de tentar outro cargo e deixar o posto?
Paes - Eu sigo prefeito até o final do mandato. Disseram que eu não ia derrubar a Perimetral, lembra? Hoje tem quem duvide que seguirei prefeito. Tenha a certeza de que esse será o meu melhor mandato.
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