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Advogados de Lula na Lava Jato recebem R$ 1,2 milhão da campanha do petista

Lula no lançamento do livro de autoria dos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins - Ricardo Stuckert/Instituto Lula - 11.dez.2019
Lula no lançamento do livro de autoria dos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins Imagem: Ricardo Stuckert/Instituto Lula - 11.dez.2019

Do UOL, em São Paulo

09/09/2022 04h00Atualizada em 09/09/2022 18h18

O escritório de Cristiano Zanin Martins, advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos processos da Lava Jato, foi contratado para prestar consultoria jurídica ao PT na campanha presidencial deste ano. O gasto do partido com advogados em 2022 já supera os 12 meses de 2018, quando Fernando Haddad representou o PT no pleito nacional.

Até quinta-feira (8), o escritório Zanin Martins e Advogados, aberto recentemente por Cristiano e sua mulher Valeska, já tinha recebido R$ 1,2 milhão, segundo a prestação de contas da campanha de Lula para o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O mesmo valor também foi pago à banca Aragão & Ferraro, de outro velho conhecido da sigla: Eugênio Aragão, ministro da Justiça de Dilma Rousseff (PT) por dois meses em 2016.

PT eleva gasto com advogados. Só entre janeiro de 2021 e agosto de 2022, o atual e o antigo escritórios de Cristiano receberam juntos R$ 2 milhões do PT.

Além do R$ 1,2 milhão para a campanha deste ano —retirado do Fundo Eleitoral—, a banca Teixeira Zanin Martins e Advogados, que tinha Cristiano como sócio até o mês passado, foi remunerada em R$ 332 mil (entre janeiro e junho deste ano) e em R$ 516 mil (ao longo de 2021).

Segundo as prestações de contas enviadas pelo PT ao TSE, o partido usou "outros recursos", e não dinheiro público, para cobrir esses gastos de cerca de R$ 850 mil.

Segundo o TSE, "outros recursos" são "recursos obtidos pelo partido por meio de contribuições de filiados, doações de pessoas físicas, comercialização de bens, produtos ou serviços, além de recursos decorrentes da alienação de bens móveis ou imóveis e recursos de rendimentos financeiros."

Procurado, Cristiano Zanin enfatizou que os recursos pagos pelo PT a seu antigo escritório não tiveram origem no Fundo Partidário. Inicialmente, a reportagem errou ao afirmar o contrário (leia errata abaixo). Já a campanha do PT não respondeu os questionamentos da reportagem sobre os gastos com advogados.

O que diz a lei? Advogados eleitorais consultados pelo UOL explicam que o Fundo Partidário deve custear as atividades do partido, do pagamento das contas da legenda ao financiamento de uma campanha. Já o dinheiro do Fundo Eleitoral é mais específico, e só deve ser utilizado em atividades eleitorais.

"Em tese, os partidos podem contratar advogados para defender filiados desde que isso tenha relevância para a sigla, como defesa eleitoral e exercício do mandato", explica o advogado Fernando Neisser, da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político). "Não pode ser usado recurso do Fundo Partidário ou Eleitoral se for para o custeio de uma defesa estritamente pessoal, como a briga de um filiado com vizinho em razão de um vazamento do banheiro."

Mas defesas que se relacionem a atividade partidária e política não têm problema, seria até um cerceamento de defesa.
Fernando Neisser, especialista em direito eleitoral

Zanin casamento de Lula - Ricardo Stuckert - Ricardo Stuckert
Cristiano Zanin foi um dos convidados para o casamento de Lula com Janja
Imagem: Ricardo Stuckert

Zanin defendeu Lula na ONU. Além de defender Lula na Lava Jato, Cristiano e Valeska Zanin Martins representaram Lula em 2018 no processo que tramitava, desde 2016, no Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o direito de o ex-presidente se candidatar naquela eleição. Em agosto daquele ano, o comitê entendeu que o petista tinha direito de participar do pleito, o que não foi acatado pelo TSE. À época, eles atuavam pelo antigo escritório.

Na época, a Folha de S.Paulo apurou que parte do dinheiro recebido pelo escritório de Zanin para essa defesa teria saído dos gastos de campanha petista. A assessoria do PT alegou que o processo na ONU estava relacionado à consultoria para o registro da candidatura de Lula, enquanto o escritório Teixeira Martins negou que tenha recebido dinheiro de campanha.

Quando o caso foi revelado, o escritório de Cristiano informou que "solicitou ao PT a retificação das informações prestadas ao TSE uma vez que não recebeu valores do fundo eleitoral". Posteriormente, o partido retirou a banca da prestação de contas daquela eleição. Segundo o advogado, o escritório não recebeu qualquer valor daquela campanha presidencial. Uma proposta de trabalho chegou a ser feita, mas o entendimento não foi adiante.

Especializado em direito eleitoral, o advogado Mario Seabra afirma que a lei dos partidos políticos autoriza o uso do Fundo Partidário com serviços jurídicos. "A zona cinza seria identificar, na vida real, se a atuação estaria ou não relacionada ao processo eleitoral", diz.

Ele usa como exemplo a Operação Lava Jato: "As acusações diziam respeito ao financiamento de partido e de campanha. A defesa dos membros do partido está no âmbito do interesse partidário e, portanto, deve ser entendida como relacionada ao processo eleitoral", defende.

"Situação bem diferente se esse advogado fosse contratado, por exemplo, para defender um político em uma acusação de homicídio. Se há interesse partidário na defesa desse dirigente acusado de corrupção, é possível a utilização do dinheiro do fundo para o pagamento dos honorários", conclui.

10.mai.2017 - O ex-presidente Lula presta depoimento ao juiz federal Sergio Moro em inquérito da Lava Jato - Reprodução - 10.mai.2017 - Reprodução - 10.mai.2017
Lula, com Zanin ao fundo, presta depoimento ao então juiz federal Sergio Moro em inquérito da Lava Jato
Imagem: Reprodução - 10.mai.2017

Gastos de 2022 já superam os de 2018. Os pagamentos do PT a sete escritórios de advocacia nos seis primeiros meses deste ano superam em quase R$ 500 mil as despesas do primeiro semestre de 2021: R$ 2,5 milhões contra R$ 2,07 milhões.

Já em comparação com 2018 —ano da última disputa presidencial e que inclui o dinheiro do Fundo Eleitoral—, o gasto de 2022 é R$ 900 mil superior.

Neste caso, os gastos do PT com advogados entre janeiro e junho somam R$ 4,9 milhões em 2022, superando os R$ 4 milhões gastos no mesmo período de 2018 após correção pela inflação.

Em 2022, apenas o União Brasil, da candidata a presidente Soraya Thronicke, gastou o mesmo que o PT com advogados: R$ 4,9 milhões. O União Brasil é o partido com maior Fundo Eleitoral e Partidário (leia mais abaixo).

Despesas partidárias e/ou eleitorais com advogados em 2022¹

  • Lula (PT): R$ 4,9 milhões
  • Soraya Thronicke (União Brasil): R$ 4,9 milhões
  • Luiz Felipe D'Avila (Novo):² R$ 594 mil
  • Simone Tebet (MDB): R$ 356,5 mil
  • Ciro Gomes (PDT): R$ 170 mil
  • Jair Bolsonaro (PL): R$ 0³

¹ Valores retirados do Fundo Eleitoral, Fundo Partidário, Recursos para Campanha e Outros Recursos
² O Novo declarou ter utilizado verba apenas de Outros Recursos, que inclui doações
³ Até o momento, não há indicação de gastos com advogados na prestação de contas da campanha de Bolsonaro. Em relação à divulgação dos recursos oriundos do Fundo Partidário, o PL ainda não prestou contas em 2022. Procurada, a sigla não respondeu até a publicação desta reportagem.

Ao UOL, o TSE informou que "os partidos são obrigados por resolução a fazer o lançamento de receitas e despesas concomitantemente à sua realização".

Não há penalidade expressa, mas o descumprimento dessa regra é analisado em conjunto com as demais irregularidades da prestação de contas, podendo levar à desaprovação."
TSE, em nota

Qual a diferença entre os fundos Eleitoral e Partidário? Dinheiro público destinado aos partidos para bancar as eleições, o Fundo Eleitoral, ou Fundão, vai distribuir em 2022 R$ 4,9 bilhões entre as siglas, de modo proporcional ao tamanho de suas bancadas no Congresso. Segundo em representação, o PT receberá R$ 499,6 milhões, atrás apenas do União Brasil, que terá à disposição R$ 776,5 milhões.

Também dinheiro público, o Fundo Partidário é distribuído pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) inclusive em anos sem eleição. Todo mês, o tribunal deposita uma quantia na conta de cada legenda, também respeitando o tamanho das bancadas. Os R$ 8 milhões, em média, que o PT vem recebendo mensalmente em 2022 só ficam atrás da média de R$ 13 milhões embolsados pelo União Brasil a cada mês.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, os recursos repassados pelo PT ao escritório Teixeira Zanin Martins e Advogados não tiveram como origem o Fundo Partidário, mas, sim, "outros recurso", segundo a nomenclatura do TSE. O texto foi corrigido