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Após censura ao UOL, Bolsonaro diz que defende a liberdade de imprensa

Do UOL, em Brasília

23/09/2022 20h57Atualizada em 23/09/2022 23h22

Após a Justiça de Brasília atender ao pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL) de censurar reportagens do UOL sobre a compra de imóveis com dinheiro vivo pela família do presidente Jair Bolsonaro (PL), o chefe do Executivo e candidato à reeleição disse na noite de hoje, durante comício em Contagem (MG), defender a liberdade de imprensa "mesmo sendo atacado".

"Covardia. Covardia com a minha família, com a minha mãe já falecida. Esperar o que do grupo Folha/UOL? A não ser mentira, calúnia", afirmou Bolsonaro, sem citar a censura ao site, em um evento para mulheres na Grande Belo Horizonte. "Eles perderam bastante com o Pix criado pelo nosso governo. Eu defendo a liberdade de imprensa mesmo sendo atacado. O outro lado quer controlar a mídia", afirmou, em referência ao adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está na frente nas pesquisas de intenção de voto.

À noite, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) André Mendonça derrubou a decisão judicial. Em sua decisão, Mendonça - que foi indicado ao cargo de ministro do STF por Bolsonaro - diz que o cerceamento a esse livre exercício, sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que sejam as intenções, não encontra guarida na Constituição Federal.

A declaração de Bolsonaro ocorreu após ele confirmar no evento a presença no debate presidencial a ser realizado amanhã, a partir das 18h15, em São Paulo — Lula não participará. Bolsonaro disse esperar que sejam feitas "as perguntas mais esquisitas" para ele — e que nenhuma ficará sem uma resposta "galgada pela verdade".

Pouco antes do comício, em entrevista gravada à Rádio Itatiaia, o presidente criticou as pesquisas eleitorais e também atacou o UOL, dizendo ser alvo de "desgaste".

"As pesquisas nunca foram confiáveis no Brasil. Geralmente são compradas. O Datafolha é uma prova disso: errou tudo em 2018 e continua errando, ele faz pesquisa para quem paga", disse. "O grupo Folha/UOL a gente sabe bem o que que eles fazem, tentam o tempo todo me desgastar. Eu não sou contra a imprensa, muito pelo contrário, sempre preguei a liberdade de imprensa."

Diferentemente do que afirma Bolsonaro, a curva de levantamentos do Datafolha em 2018 mostrou que o então deputado sofreu um único revés para Fernando Haddad (PT), na simulação de segundo turno de pesquisa feita em 28 de setembro de 2018. Nas outras pesquisas, ou há empate técnico ou vitória do atual presidente.

Uma liminar concedida pelo desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, determinou hoje que o UOL retire do ar duas reportagens e postagens em suas redes sociais com menção às reportagens. O UOL cumpriu a decisão, mas recorreu e entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal), que foi derrubada na noite desta sexta-feira.

Na reclamação, o UOL pediu que a decisão da Justiça de Brasília seja derrubada de forma liminar (provisória), antes do julgamento definitivo sobre o caso. Segundo a advogada Taís Borja Gasparian, que assina a peça, a censura é inconstitucional.

O que argumenta o UOL? Segundo a defesa, há um risco de dano irreparável com a manutenção da censura, "pelo evidente prejuízo ao acesso, pelos cidadãos, de informações de interesse público, envolvendo a aquisição de imóveis com uso de dinheiro em espécie pela família Bolsonaro".

"O UOL agiu no regular exercício da liberdade de informação, amparado pela Constituição Federal que, cabe lembrar, veda qualquer restrição à liberdade de imprensa e, principalmente, proíbe qualquer forma de censura, quer prévia, quer posterior", diz a peça.

Entenda o caso. A primeira reportagem, publicada em 30 de agosto, informa o uso pelo clã Bolsonaro de R$ 13,5 milhões (R$ 25,6 milhões atualizados pelo IPCA) em transações realizadas total ou parcialmente com dinheiro em espécie desde o início dos anos 90.

A segunda reportagem, publicada em 9 de setembro, detalha as evidências de uso de dinheiro vivo em cada uma das 51 transações relatadas pela reportagem, produzida durante sete meses e tendo como base informações colhidas em 1.105 páginas de 270 documentos requeridos em cartórios.

O que diz a decisão da Justiça de Brasília? O desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti argumenta que a reportagem cita dados de investigação do MP (Ministério Público) do Rio que apontaram o uso de dinheiro em espécie em 17 compras realizadas pelos filhos do presidente, Carlos e Flávio. O MP aponta o uso de dinheiro do esquema da rachadinha na compra dos imóveis.

Parte dos dados desta investigação do MP, oriundos de quebra de sigilo bancário e fiscal, foram anulados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, por isso, a investigação está sendo refeita pela PGJ (Procuradoria-Geral de Justiça) do Rio.

No entendimento do desembargador Gomes Cavalcanti, em razão disso, os dados não poderiam ser citados em reportagem, mesmo que sejam verídicos e tenham tido origem e status de uso em processo judicial informados no texto publicado pelo UOL.

Em sua decisão, o magistrado desconsiderou o dever da imprensa de informar e o direito da sociedade à informação de interesse público.

"Tais matérias foram veiculadas quando já se tinha conhecimento da anulação da investigação, o que reflete tenham os Requeridos excedido o direito de livre informar. A uma, porque obtiveram algumas informações sigilosas contidas em investigação criminal anulada e, a duas, porque vincularam fatos (compra de imóveis com dinheiro em espécie), cuja divulgação lhes é legítima, a suposições (o dinheiro teria proveniência ilícita) não submetidas ao crivo do Poder Judiciário, ao menos, até o momento", argumentou o desembargador.

Para o magistrado, a continuidade de divulgação das reportagens pode trazer a Flávio e também ao presidente Jair Bolsonaro "prejuízos em relação à sua imagem e honra perante a opinião pública, com potencial prejuízo à lisura do processo eleitoral".