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'Foi assim com as rachadinhas': o que a imprensa diz sobre censura ao UOL

Do UOL, em São Paulo

23/09/2022 13h42Atualizada em 23/09/2022 23h17

Jornalistas e veículos da imprensa repercutiram a decisão da Justiça de Brasília de censurar reportagens do UOL sobre o uso de dinheiro vivo em 51 dos 107 imóveis comprados pela família Bolsonaro nos últimos 30 anos.

O UOL cumpriu a decisão do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios) e entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal). À noite, o ministro André Mendonça —sorteado como relator do caso— derrubou a liminar, liberou as reportagens censuradas e disse que o cerceamento a esse livre exercício, sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que sejam as intenções, não encontra guarida na Constituição Federal.

Band, Conjur, Correio Braziliense, O Estado de S. Paulo, O Globo, GloboNews e portal g1 publicaram textos sobre a decisão inicial do desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti.

A Folha de S.Paulo também publicou sobre a decisão e divulgou a reportagem em seu site.

O colunista do portal Metrópoles Guilherme Amado escreveu em suas redes sociais que a censura é "mais um exemplo de como os Bolsonaros agem". "Não aceitam que seja investigados seus casos de corrupção nem noticiados. Querem um regime autoritário para seguir impunes. A aposta é no caos e na grana", escreveu o jornalista.

Rachadinhas. Comentarista da GloboNews, Valdo Cruz diz acreditar que a estratégia da família Bolsonaro em recorrer à Justiça para retirar a reportagem do ar aumenta o interesse das pessoas pelo caso. Ele argumenta que os textos já estavam na internet e a menção ao assunto faz os leitores buscarem maiores informações.

Valdo Cruz ainda comparou a reação da família Bolsonaro em relação às matérias que tratam da compra de imóveis em dinheiro vivo ao que ocorreu com as rachadinhas. "Como você não consegue explicar totalmente um caso, uma questão, foi assim no caso das rachadinhas, você procura ali algumas irregularidades no processo jurídico para tentar anular aquele processo, para você tentar retirar aquela reportagem do ar."

O jornalista acrescentou que a informação em época de eleição é fundamental para a tomada de decisão do eleitor. Valdo também afirmou que a maneira mais eficaz para a família Bolsonaro colocar fim a questão seria esclarecer à população a origem dos recursos para compra dos 51 imóveis.

"Por que eles não explicam como foram feitas estas compras? Como até agora eles não conseguiram exatamente esclarecer isso para opinião pública, eles tentam exatamente tirar o assunto do ar."

Entidade e autoridades reagem. A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) diz que "vê com muita preocupação uma decisão judicial que manda retirar um conteúdo que é baseado em fatos, em documentos". Outras autoridades também reagiram ao atentado à liberdade de imprensa.

"Não há nenhuma inverdade nesse conteúdo. O Judiciário extrapola quando toma esse tipo de decisão porque cerceia o debate e impede que as pessoas tenham acesso a informações importantes. Inclusive a inicial, o pedido, é baseado no fato de que essas informações já são públicas", afirma Katia Brembatti, presidente da associação.

Por meio de nota, a Abraji também afirmou considerar "absurda a decisão judicial porque é de interesse de toda a sociedade brasileira ter conhecimento sobre transações suspeitas".

"O episódio confirma o aumento do assédio judicial contra jornalistas. Segundo o monitoramento da associação, desde 2002 já são 5.641 pedidos de retirada de conteúdo. O tipo de autor mais comum registrado no projeto são políticos, com 3.245 ações", diz a nota Abraji.

Em nota, a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) considerou a decisão como censura e que é mais uma caso de "atentado à liberdade de imprensa". "A família Bolsonaro que busque na Justiça a reparação de danos, se houver. Mas a retirada das matérias é censura e deve ser condenada por toda a sociedade, sobretudo nesse momento do debate público em torno das candidaturas à presidência", diz o órgão.

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) diz, também por meio de nota, se tratar de mais um ato de censura da Justiça contra a imprensa no país e afirma esperar que a decisão seja revista o quanto antes. "Em total desacordo com o que determina a Constituição e privando os cidadãos do direito de serem livremente informados."

A advogada do UOL Mônica Filgueiras Galvão afirma que "a decisão viola precedentes estabelecidos no sistema jurídico brasileiro e pretende retirar do debate público, às vésperas da eleição, informações relevantes sobre o patrimônio de agentes públicos".

Entenda o caso. A primeira reportagem, publicada em 30 de agosto, informa o uso pelo clã Bolsonaro de R$ 13,5 milhões (R$ 25,6 milhões atualizados pelo IPCA) em transações realizadas total ou parcialmente com dinheiro em espécie desde o início dos anos 90.

A segunda reportagem, publicada em 9 de setembro, detalha as evidências de uso de dinheiro vivo em cada uma das 51 transações relatadas pela reportagem, produzida durante sete meses e tendo como base informações colhidas em 1.105 páginas de 270 documentos requeridos em cartórios.

Em sua decisão, o desembargador Gomes Cavalcanti argumenta que a reportagem cita dados de investigação do MP (Ministério Público) do Rio que apontaram o uso de dinheiro em espécie em 17 compras realizadas pelos filhos do presidente, Carlos e Flávio. O MP aponta o uso de dinheiro do esquema da rachadinha na compra dos imóveis.

Parte dos dados desta investigação do MP, oriundos de quebra de sigilo bancário e fiscal, foram anulados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, por isso, a investigação está sendo refeita pela PGJ (Procuradoria-Geral de Justiça) do Rio.

No entendimento do desembargador Gomes Cavalcanti, em razão disso, os dados não poderiam ser citados em reportagem, mesmo que sejam verídicos e tenham tido origem e status de uso em processo judicial informados no texto publicado pelo UOL.

Em sua decisão, o magistrado desconsiderou o dever da imprensa de informar e o direito da sociedade à informação de interesse público.

"Tais matérias foram veiculadas quando já se tinha conhecimento da anulação da investigação, o que reflete tenham os Requeridos excedido o direito de livre informar. A uma, porque obtiveram algumas informações sigilosas contidas em investigação criminal anulada e, a duas, porque vincularam fatos (compra de imóveis com dinheiro em espécie), cuja divulgação lhes é legítima, a suposições (o dinheiro teria proveniência ilícita) não submetidas ao crivo do Poder Judiciário, ao menos, até o momento", argumentou o desembargador.

Para o magistrado, a continuidade de divulgação das reportagens pode trazer a Flávio e também ao presidente Jair Bolsonaro "prejuízos em relação à sua imagem e honra perante a opinião pública, com potencial prejuízo à lisura do processo eleitoral".

Ele determina que as reportagens e as menções a ela em redes sociais do UOL sejam apagadas até o julgamento do mérito do caso.