Em 'guerra religiosa' nas redes, menções à maçonaria superam satanismo
A primeira semana do segundo turno da disputa presidencial foi marcada por uma disputa de narrativa religiosa nas redes sociais. As palavras "maçonaria" e "satanismo" dominaram as buscas no Google como termos associados a Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Levantamento da Torabit, plataforma de monitoramento digital, feito a pedido do UOL mostrou que menções ao termo "maçonaria", associado a Bolsonaro, superaram citações da palavra "satanismo", anteriormente associada a Lula. O período analisado foi de 26 de setembro a 5 de outubro.
O termo "maçonaria" foi mencionado mais de 958 mil vezes nesse período, das quais mais de 829 mil apenas no dia 4, terça-feira passada.
Já o termo "satanismo" foi mencionado 63 mil vezes, com pico também no dia 4, quando teve mais de 58 mil registros. Até o dia anterior, dia 3, o termo havia sido mencionado apenas 389 vezes nas redes.
Cronologia
Lula e satanismo. No dia seguinte ao primeiro turno, o termo "satanismo" foi relacionado ao candidato petista por apoiadores de Bolsonaro com a divulgação de um vídeo de um suposto satanista chamado Vicky Vanilla em que ele aparece com uma imagem de Lula ao fundo, uma camisa vermelha escrita "o voto é secreto" e uma estrela.
O homem —que se apresenta nas redes como "mestre luciferiano"— diz no vídeo que diversos grupos religiosos "se uniram" contra os bolsonaristas.
O vídeo foi compartilhado por apoiadores de Bolsonaro como a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), que escreveu que "a guerra é espiritual". O mesmo conteúdo, com a mesma legenda sobre "guerra espiritual", foi compartilhado pela também deputada federal Bia Kicis (PL-DF).
Na última quarta-feira (5), o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinou a remoção do vídeo das redes sociais, mas até sexta-feira (7), o conteúdo ainda estava disponível nas redes das deputadas.
Bolsonaro e maçonaria. A reação veio no dia seguinte, quando um vídeo de Bolsonaro em uma loja maçônica foi divulgado nas redes sociais. O termo "satanismo" passou, então, a ser associado ao candidato do PL, por uma falsa relação entre maçonaria e satanismo.
Segundo o relatório da Torabit, Bolsonaro teve 50,9% das menções sobre satanismo contra 49,1% sobre Lula no período analisado. "Anteriormente muito mais associado ao candidato Lula, o termo satanismo passou a ser mais associado a Bolsonaro nas redes, a partir da repercussão do vídeo do presidente na maçonaria", conclui o relatório.
Pânico moral e falsa guerra religiosa. Segundo a coordenadora do NetLab, Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da UFRJ, Marie Santini, o discurso religioso tem aparecido no contexto da disputa eleitoral nas redes bolsonaristas há muito tempo, mas a reação com a divulgação do vídeo de Bolsonaro em uma loja de maçonaria foi uma surpresa para apoiadores de Bolsonaro.
"Acho que eles esperavam que iam ter o monopólio dessa narrativa religiosa. De repente, houve uma reação dos apoiadores do Lula e das redes relacionando o Bolsonaro à maçonaria e isso repercutiu muito mais que o Lula em relação ao satanismo. Acho que foi uma surpresa desse segundo turno", avalia a pesquisadora.
Para Marie Santini, trata-se de uma falsa guerra religiosa em um contexto em que a maioria da população se declara cristã. "Eles têm interesse em implementar a ideia de que estamos diante de uma guerra religiosa e, a partir de então, disseminar essa espécie de pânico moral através do que a gente chama de desinformação", diz a pesquisadora.
De acordo com o último Censo do IBGE, de 2010 —o mais recente ainda está em elaboração—, os católicos representam 64,5% da população brasileira, e os evangélicos, 22,2%.
O que é "guerra espiritual", termo citado por deputadas bolsonaristas? De acordo com o coordenador do Grupo de Estudos do Protestantismo e Pentecostalismo da PUC-SP e especialista em Ciência da Religião, Edin Abumanssur, o termo "guerra espiritual" citado pelas parlamentares é um conceito não oficial do campo da teologia.
"É uma ideia de natureza mais teológica que, resumindo, seria uma grande batalha entre o bem e o mal. A ideia de satanismo seria aqueles que militam no campo do diabo. Isso é o que está por trás desse conceito de batalha espiritual, que é muito aceitável para uma parcela da população. Não goza de muito prestígio no campo teológico e entre intelectuais do campo religioso", explica o sociólogo.
"As lideranças religiosas se utilizam disso porque você pode demonizar um lado quando tem dois polos em disputa."
Para o especialista, o predomínio do discurso religioso na eleição enfraquece a política, porque limita a discussão.
"Politizou-se uma visão de mundo que é fundamentalmente religiosa. Padres e pastores estão fazendo isso. A consequência é um enfraquecimento do campo político. Não é uma discussão racional, não é lógica que você pode contra-argumentar. É um discurso contra o qual não tem um argumento contrário. O campo político pressupõe uma racionalidade no debate, e esse tipo de argumento é de fé. Não é de razão. Isso é usado como arma política, mas não é próprio do campo político", afirma.
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