Migração aos EUA e covid 'encolhem' cidade de MG que não terá mais 2º turno
A cidade de Governador Valadares (MG), a 322 km de Belo Horizonte por rodovia, não terá segundo turno nessas eleições por causa da perda de eleitores causada pela covid-19 e saída de moradores para morar no exterior, especialmente nos Estados Unidos e em Portugal.
O que aconteceu
Faltaram 1.514 eleitores para ter segundo turno. O TSE exige que a cidade tenha pelo menos 200 mil eleitores para ocorrer a possibilidade de segundo turno, a depender do resultado do primeiro. Atualmente, Governador Valadares tem 198.486 eleitores (faltaram 1.514 para os 200 mil), insuficientes para um segundo turno, pelas regras do Tribunal Superior Eleitoral. O dado se refere a julho de 2024.
Número de eleitores cresceu pós-covid, mas logo caiu. Para efeito de comparação, no último mês de julho antes da pandemia, em 2019, eram 203.769, diferença superior a 5.000. Após a crise sanitária mundial, a quantidade de eleitores cresceu e chegou a 216.504, em julho de 2023, porém teve nova queda, com perda de 18 mil eleitores, ficando abaixo, então, dos 200 mil.
População seguiu deixando a cidade. A tradição de "exportar" pessoas, iniciada há quase 60 anos, não perdeu força suficiente com a pandemia, o que fez a emigração colaborar para a redução populacional. O IBGE afirmou para o UOL que a queda do número de habitantes e, consequentemente, de pessoas aptas a votar, possivelmente tem relação com a mudança delas para outros países, considerando o histórico do município, mas que ainda aguarda os dados finais do último censo no que diz respeito à migração para computar esses números.
Queda na demografia. Além disso, o número menor de nascimentos registrado no país também foi apontado pelos demógrafos ouvidos pela reportagem.
Campanha por novos eleitores. A Justiça Eleitoral fez nos últimos anos campanhas para aumentar o número de novos títulos, por exemplo, entre a população mais jovem. Perguntado sobre o motivo da queda no quantitativo de pessoas aptas a votar em Governador Valadares, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais disse não fazer "análises sobre a flutuação do eleitorado ao longo dos anos".
Mudanças recentes para o exterior
Exportação de brasileiros. Não há estatísticas oficiais sobre a quantidade de pessoas que deixam a cidade de Governador Valadares anualmente para viver em outro país. Um estudo da UFF (Universidade Federal Fluminense) divulgado em 2023, focado em empreendedorismo, revelou, por exemplo, que mais de 30% de brasileiros morando nos Estados Unidos, destino principal dos valadarenses, se mudaram para lá havia, no máximo, cinco anos. Foi justamente no final desse período que o município com maior tradição de "exportador de brasileiros" perdeu população e, por consequência, eleitores.
A realização do estudo se deu durante a pandemia e no pós-pandemia, quando as medidas sanitárias ficaram mais flexíveis. Outro dado alcançado é que quase 8 de cada 10 pessoas se mudaram do Brasil para os EUA com a família, o que representa um número maior de pessoas emigrando em relação às últimas décadas, quando a ida "solitária", para ganhar dinheiro e enviar para o Brasil, era a mais comum.
Mais difícil para entrar nos EUA. Um dos responsáveis pela pesquisa explicou para a reportagem que após o 11 de setembro de 2001, a entrada nos Estados Unidos ficou mais difícil para qualquer emigrante. E que, além disso, é comum o governo norte-americano aumentar as restrições conforme percebe a mudança no perfil dos pedidos de visto.
O fluxo, no entanto, nunca foi interrompido. Novos "rincões" de contato se formaram para ajudar qualquer pessoa que decida emigrar. E essas relações com quem já está no exterior é algo muito presente no cotidiano da população de Governador Valadares. "A rede migratória é continua e permite o fluxo de pessoas", afirmou ao UOL o pesquisador da UFF, Eduardo Picanço Cruz.
Aumento de brazucas. O estudo da universidade fluminense cita o levantamento de 2021 do Ministério das Relações Exteriores, em que aparece o total de 1,9 milhão de brasileiros residindo nos EUA. O levantamento referente a 2022 indicou novamente 1,9 milhão de brasileiros nos EUA e 360 mil em Portugal, as duas maiores comunidades de brasileiros no exterior. O de 2023, no entanto, revelou 2,1 milhões nos EUA e 513 mil em Portugal. Somadas as diferenças nos dois países, de um levantamento para outro, são 338 mil brasileiros a mais.
Aumento em Boston e Miami. Nos dois levantamentos, o consulado-geral de Nova Iorque registra o maior número de pessoas, com 500 mil, mas entre os três primeiros CGs, apenas os de Boston e Miami tiveram aumento, passando de 390 e 295 mil para 420 mil e 400 mil brasileiros registrados, respectivamente. Em resposta ao UOL, o Itamaraty destacou que são estimativas, "uma vez que o registro consular de nacionais no exterior não é obrigatório".
Emigração como 'hipótese muito forte'
Entre 2010 e 2022, Governador Valadares perdeu mais de 6.500 habitantes. A população caiu de 263.689 para 257.171. A exemplo de outras cidades, a covid tem uma parcela sobre isso, com saldo de 1.494 mortes nesse intervalo de tempo. O IBGE, no entanto, responsável pelo levantamento populacional, não analisa essa variável. Mas acredita que a opção de muitos moradores locais de saírem do Brasil deverá ter peso na baixa do número de habitantes.
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Quero receberEm novembro está previsto sair o resultado do levantamento "Migração Interna e Internacional". O levantamento considera o último censo, por amostragem, e não em todos os domicílios, como no de 2010, que já havia apurado um "um nível alto de emigração internacional", como afirmou para o UOL o coordenador técnico do levantamento mais recente.
Mas um dado já conhecido do censo, que é exatamente a queda da população, faz o coordenador apontar a emigração como um possível fator decisivo. Humberto Sette afirmou para o UOL que das 13 regiões geográficas de Minas Gerais estabelecidas pelo IBGE para realizar o censo, divididas em núcleos de cidades, em apenas duas houve queda populacional, ambas na região leste do estado, onde fica Governador Valadares, que é a maior cidade entre os 58 municípios da regional.
Considerando o histórico da cidade em "exportar" brasileiros, ele acredita que esse é um aspecto decisivo. Em linhas gerais, uma população é afetada basicamente por três fatores: número de pessoas que nascem, as que morrem, e as que se mudam para outra localidade. "Isso (a queda da população em apenas duas regiões) chama a atenção. Um estado desse tamanho, e uma região específica teve queda populacional. (Por isso) A hipótese da migração é muito forte, dado o histórico da região".
Vários fatores e mudança de destino
Covid e queda de fecundidade influenciaram redução. O professor de demografia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Gilvan Guedes diz que duas variáveis contribuíram para a baixa da população em Governador Valadares e em outras cidades brasileiras: a covid e a queda da fecundidade. E que o fator da emigração é mais específico para o município mineiro. "A explicação pra queda do contingente populacional e de eleitores em determinados grupos etários tem a ver não só com covid, mas também com a queda da fecundidade e com a manutenção do sistema migratório internacional estabelecido em Valadares com algumas regiões específicas do mundo".
O destino escolhido pelos valadarenses vem mudando, a exemplo de emigrantes de outras partes do Brasil. As escolhas por Estados Unidos e Portugal seguem sendo majoritárias, mas o país europeu tem sido mais procurado nos últimos anos. "A gente já percebe um aumento da participação de Portugal no aumento nesse fluxo emigratório de valadarenses para o exterior. Isso tem a ver também com o aumento das restrições à entrada nos Estados Unidos, dificultou ainda mais a entrada de valadarenses, e isso fez com que diversificassem um pouco em termos de destinos".
Perfil dos eleitores no exterior
Eleitores no exterior têm escolaridade mais elevada. O especialista do grupo de pesquisa "Estudos em População, Economia e Ambiente" da UFMG, em parceria com o também professor de demografia Reinaldo Santos, destaca ainda que a saída de pessoas com qualificação do Brasil, a chamada "fuga de cérebros", se comprova nos números da Justiça Eleitoral. "Uma coisa que tem aparecido com os dados do colégio eleitoral é um aumento maior na participação de eleitores no exterior que são brasileiros e que têm um escolaridade mais elevada".
Sueli Siqueira, doutora em migrações e professora da Univale, diz que as condições de origem e destino são determinantes. O fluxo contínuo para os Estados Unidos variou em determinados momentos, segundo ela, devido ao que chama de modos para reduzir os "constrangimentos" de quem decide deixar o Brasil. "Ter alguém que vai me ajudar a falar a língua, me ajudar a conseguir um trabalho", resume Sueli.
Com a rede de contatos estabelecida entre valadarenses e os EUA consolidada há décadas, melhorias econômicas, ainda que muitas vezes momentâneas, são suficientes para atrair mais brasileiros. "Muitos têm empresas de limpeza nos EUA. Quando isso aumenta, tem mais vaga e começa a chamar pessoas do Brasil. Se tem melhora na economia, vai melhorar pra quem muda. Ainda não está como nos anos 80 e 90, mas tem emprego (nos Estados Unidos)", afirma.
Ela também cita o maior número de famílias se mudando, identificado nos questionários da UFF, e aponta o ano de 2010 como marco para essa alteração do perfil, percebido até hoje. "O caso de Minas Gerais é típico porque tem um fluxo continuo por causa das famílias transnacionais, em que parte da família mora fora e parte no Brasil. Sempre tem alguém nos EUA" .
Senador dos EUA em Governador Valadares
O senador democrata pelo estado de Massachusetts (EUA) Jamie Eldridge esteve em Governador Valadares em dezembro. Ele assistiu a uma palestra da professora da Univale e se encontrou com políticos locais. Em conversa por telefone com o UOL, na última segunda-feira (26), ele disse comprovar no estado onde vive, e que é um dos mais procurados em todo o país pelos valadarenses, que a emigração tem relação com as dificuldades financeiras na cidade mineira. "Parece bem claro que são os desafios econômicos (enfrentados pela população) de Governador Valadares, onde não há muitas oportunidades, muitas pessoas não ganham dinheiro para prover a família".
Eldridge disse que conversou com autoridades e acadêmicos locais sobre possível parceria entre o governo de Massachusetts e a prefeitura de Governador Valadares, mas que por enquanto não houve avanços. E lembrou que no estado por onde foi eleito, a população está envelhecendo e cada vez mais vai ser necessário contratar mão de obra de fora. E que vem notando um fluxo cada vez maior de emigrantes que empreendem na região. "(São) Brasileiros que abrem seus próprios negócios, restaurantes, contadores, advogados. E também quem trabalha em restaurantes e faz trabalhos braçais".
A pesquisa da UFF confirma essa realidade local. "Já referente à área de conhecimento dos respondentes, há um percentual considerável com formação nas áreas de negócios, administração, direito, engenharia, produção e construção, saúde e bem-estar (66,29%)".
Por que tanta gente deixa Governador Valadares?
Na Segunda Guerra Mundial, a mica produzida no Brasil, usada para isolamento em produtos militares e na produção de rádios, era extraída por empresas norte-americanas em minas da cidade mineira. Com o fim do conflito, permaneceram os laços da população local com os ianques, e começaram as primeiras idas para o país do hemisfério norte em busca do "sonho americano", inicialmente no estado de Massachusetts.
A saída de valadarenses se acentuou na década de 1980, com a crise econômica brasileira. Isso fez Governador Valadares ocupar o primeiro lugar entre as dez cidades brasileiras com maior fluxo migratório internacional para o estado da região nordeste dos EUA.
No final da década de 1990, mais de 50% dos valadarenses em idade produtiva deixaram sua terra natal para viver nos EUA, segundo uma pesquisa da UFMG. E apesar da queda neste fluxo após o atentado de 11 de setembro e à desvalorização do dólar, reduzindo em parte a atratividade para os brasileiros, a entrada clandestina pela fronteira com o México tornou-se mais comum, e manteve a movimentação dos valadarenses do Brasil para os EUA.
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