Herança de Marta na periferia é posta à prova em campanha com Boulos

Citada pelos paulistanos como a melhor prefeita da cidade nos últimos 40 anos, Marta Suplicy (PT) tem sua herança política colocada à prova como vice de Guilherme Boulos (PSOL). A petista ocupa a estratégica posição de atrair votos na periferia e emprestar "credibilidade" à campanha, mas vê dificuldade em aproximar eleitor mais pobre do psolista.

O que aconteceu

Marta desperta a memória de eleitores da periferia. Marcas como os CEUs (Centros Educacionais Unificados), Bilhete Único e a merenda escolar são citadas por paulistanos até hoje. Apesar disso, a petista não conseguiu a reeleição em 2004, nem venceu em outras tentativas para reassumir a prefeitura.

Durante um comício, Maria das Graças de Moura disse ao UOL que votará em Boulos por causa da aliança com a petista. Moradora do Jardim Maringá, na zona leste da cidade, a aposentada de 70 anos lembra que teve na gestão da ex-prefeita uma de suas maiores conquistas. "Com a Marta, eu consegui minha casa", conta em referência a um mutirão de construção de casas realizado na administração da petista.

Em eventos de campanha, Marta é ovacionada pelo público nos discursos. "A Marta é incomparável", diz o aposentado Sebastião Lima, de 60 anos. Manifestações parecidas se repetiram entre quem acompanhava na plateia o primeiro comício da chapa no dia 24 de agosto, no bairro do Campo Limpo, extremo sul da cidade.

Marta foi aplaudida com entusiasmo similar ao do presidente Lula (PT), que também participou do evento. Ela foi reverenciada na chegada por pessoas que gritavam seu nome, pediam que ela se aproximasse do público e solicitavam fotos. A ex-prefeita acenou rapidamente e se dirigiu ao palco. Em eventos mais restritos da campanha, como o realizado na sexta-feira (13) para falar da questão climática, a petista tem recepção amistosa. "Eterna prefeita", "a melhor" são alguns dos adjetivos dados a ela.

De olho nessa popularidade, a equipe da chapa tem explorado colocar Marta como "fiadora" da campanha. "Eu quero estar aqui como fiadora de Boulos porque eu confio no caráter, na história dele, um homem íntegro. Preparado, estudado, conhece o pobre, tem experiência nos movimentos sociais", disse a petista em discurso durante agenda com Boulos voltada ao eleitorado feminino em agosto.

Apesar das tentativas de esforços, a campanha tem visto crescimento tímido nos eleitorados prioritários. O último Datafolha mostrou que o psolista saiu de 19% para 21% na intenção de votos entre os que recebem até dois salários mínimos. Já o prefeito Ricardo Nunes (MDB) oscilou um ponto para baixo, mas segue líder no segmento, com 27%. Interlocutores de Boulos admitem que o crescimento não foi expressivo, mas ainda veem espaço para avanço no eleitorado.

A campanha vai reforçar a associação do psolista com Marta para impulsionar a candidatura entre os mais pobres. Um dia após o resultado do Datafolha, na sexta-feira (13), a ex-prefeita ficou ao lado de Boulos durante coletiva à imprensa. Essa foi a segunda vez que ela escolheu essa posição, apesar de não falar com a imprensa desde que foi anunciada como vice na chapa.

Entre outros eleitores, a presença dela na chapa surge como um dos motivos de voto. "A Marta fez muita coisa, é sinal que com os dois juntos vai vir coisa boa", afirma a dona de casa Meury dos Santos, de 50 anos. "Boulos representa o que Lula já fez, o que Marta já fez para o povo. Eu considero acompanhar quem já fez pelo povo", explica o baiano José Eduardo, que mora em São Paulo há 32 anos.

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Experiência de Marta é uma estratégia de "empréstimo" para Boulos. O psolista é criticado por adversários por nunca ter ocupado cargos na administração pública, e a parceria com Marta seria uma forma de afastar questionamentos do tipo. "É alguém que dá solidez para ele", diz um interlocutor da chapa. "Não é um político tirado da cartola", reafirma Marta em discursos aos apoiadores.

Campanha tem apostado na ligação entre Boulos e Marta
Campanha tem apostado na ligação entre Boulos e Marta Imagem: Yuri Murakami/Fotoarena/Folhapress

Campanha já tenta driblar impacto de decisões negativas da gestão de Marta na visão de eleitores. Uma delas levou a ex-prefeita a ganhar o apelido de "Martaxa", por causa da criação de impostos como o do lixo. Boulos já respondeu em mais de uma ocasião que não criará novos pagamentos aos paulistanos e que a saúde financeira da cidade é positiva.

Eleitorado feminino e 'puxadora de voto'

Campanha explora imagem de Marta de olho nas mulheres, que são 54% do eleitorado total da cidade. Ela tem repetido em eventos que as mulheres serão "decisivas" no resultado do pleito e enfatizado que o "olhar feminino" será importante na prefeitura. "As pessoas não atinaram a diferença que isso vai fazer, um olhar feminino para os problemas da cidade", disse a ex-prefeita na agenda de 19 de agosto.

Boulos está numericamente à frente no eleitorado feminino, segundo o último Datafolha. Ele oscilou um ponto para baixo, com 23%, e está empatado tecnicamente com Ricardo Nunes (MDB) que tem 22% no segmento. Pablo Marçal (PRTB) tem 16%. Tabata Amaral (PSB) possui 11% das intenções de voto femininas e o apresentador José Luiz Datena (PSDB), 8%.

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Papel "nada decorativo". Marta tem colaborado em diferentes frentes da campanha. A ideia de usar o coração como marca da coligação partiu da petista. "Vou ter um papel nada decorativo. Mesmo que queria me conter, eu sou uma pessoa muito enxerida", afirmou no mesmo evento.

O PT quer usar o legado de Marta para ampliar a bancada do partido na Câmara Municipal. Petistas têm receio de eleger menos vereadores porque o partido não terá candidato próprio na cidade pela primeira vez. A ideia é explorar a imagem de Marta na propaganda eleitoral na TV para aproveitar a popularidade dela. Nas primeiras inserções dos candidatos do PT, a imagem da ex-prefeita aparece ao lado de Boulos, no canto superior dos vídeos.

Apesar do esforço em ligar Marta a Boulos, a ex-prefeita participa de poucas agendas ao lado dele. Desde o início da campanha oficial, em 16 de agosto, ela marcou presença em ao menos cinco — o candidato já teve mais de 80 agendas. Em sabatina da Jovem Pan News, Boulos minimizou a baixa presença da vice. "Temos que considerar também fatores. A Marta tem 78 anos de idade, eu tenho 42 anos. O ritmo de campanha, de rua, de estar ali é diferente. Acho que funcionou e vai funcionar bastante [o retorno eleitoral para campanha]", disse.

A ex-prefeita tem feito agendas sozinhas. O UOL apurou que Marta participou de atos com representantes de movimentos antirracistas, público com quem possui ligação histórica, e marcou presença em lançamentos de candidaturas de vereadores do PT.

As agendas complementares também incluem segmentos da sociedade refratários ao psolista. Ela tem participado de encontros regulares com empresários para aproximar a elite econômica da cidade do candidato.

Em um ato de campanha com Boulos no mês passado, ela enfatizou que o candidato não está voltado apenas ao eleitorado mais pobre. "Ele também tem uma experiência conectada com o povo da classe média. Ele entende os Jardins [região nobre da cidade]", em referência também a frase do candidato a vice de Nunes, coronel Mello Araújo (PL), que disse que a atuação da PM deve ser diferentes nesses locais.

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O que dizem os eleitores

Vou votar no Boulos porque a Marta tá apoiando ele e, com a Marta, eu consegui minha casa. Eles dois juntos vão conseguir fazer alguma coisa. O governo dela foi o melhor. Eu sei que ela consegue fazer tudo pra gente [população mais pobre]. E ele [Boulos] vai dar continuidade.
Maria das Graças de Moura, 70 anos, aposentada

A Marta é incomparável. Todo mundo já conhece o trabalho da Marta. Foi a melhor prefeita de todos os tempos que existiu pra prefeitura de São Paulo. Ela e Boulos trabalhando junto vai funcionar muito.
Sebastião Lima, de 60 anos, aposentado

A Marta foi a mulher que colocou as mulheres de São Paulo com o poder. Eu fiz cursos que ela colocou para as mulheres poderem ir trabalhar. Eu sou cuidadora de idoso porque fiz esse curso e ganho dinheiro com isso hoje também, faço vários freelas. As mulheres antes não tinham nenhuma roupa pra colocar na criança pra ir para a escola, e ela deu roupa, merenda, até perua pra levar as crianças pra escola. Isso não é pouco pras mulheres da periferia.
Maria Lúcia da Silva Santos, 54 anos, produtora de eventos e cuidadora de idosos

A Marta fez muita coisa, é sinal que ela com Boulos vai vir coisa boa
Meury Santos, 50 anos, dona de casa

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