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Protestos na Rússia podem ser sinal de nova perestroika, dizem analistas

Fernanda Calgaro

Do UOL, em Londres

04/03/2012 07h00

Os recentes protestos na Rússia contra o governo do primeiro-ministro Vladimir Putin e as suspeitas de fraude nas eleições parlamentares realizadas em dezembro têm sido apontados por alguns ativistas e pesquisadores como sinal de uma nova perestroika (reestruturação), numa analogia ao período de reformas políticas que culminaram com o fim da União Soviética, no início da década de 90.

As manifestações, lideradas principalmente por intelectuais da oposição e a classe média urbana, chacoalharam as eleições presidenciais, que acontecem neste domingo (4) tendo Putin como candidato o favorito. Mas a opinião sobre o seu impacto no futuro político do país não é unânime.

"Os protestos revelam uma mudança de comportamento de parte da sociedade russa, em especial da classe média urbana. A Rússia pode estar passando por uma nova perestroika e a população está acordando para isso", afirma o ativista político Pavel Litvinov, famoso dissidente russo. "Ainda está muito concentrado nas grandes cidades, porque a imensa maioria da população fica à mercê da mídia estatal, controlada pelo governo."

Neto de Maxim Litvinov, ministro das relações exteriores de Stálin na década de 30, Pavel participou de um protesto contra a invasão soviética na Checoslováquia em 1968, o que o levou à prisão e exílio na Sibéria. Ele ficou conhecido ao publicar um apelo num jornal britânico clamando por direitos humanos. Depois de solto, foi expulso do país e mudou-se para os EUA, onde vive até hoje.

O escritor Michael Scammell, renomado tradutor de livros em russo e fundador da revista de direitos humanos Index on Censorship, é da mesma opinião. "Putin ainda controla as massas com a mídia, há poucos canais de oposição, mas uma parcela da população mais letrada e com acesso à informação e internet tem conseguido mobilizar multidões. Pode ser o sinal de grandes mudanças pela frente."

Vozes dissonantes

No entanto, para a pesquisadora Irina Semenenko, do Imemo, um dos principais centros de estudos políticos na Rússia, é preciso haver uma liderança disposta a fazer reformas sociais e políticas. Na década de 80, coube ao então líder soviético Mikhail Gorbachev conduzir o amplo plano de reforma que ficou conhecido por perestroika.

"Os protestos têm causado barulho, mas não atingem uma grande parte da população que está fora dos centros urbanos. Para ocorrer uma nova perestroika, é preciso haver líderes políticos para levar a cabo mudanças efetivas e o movimento atual não os possui ainda", avalia.

Putin, supondo que assuma o cargo de presidente pela terceira vez, tampouco tem o perfil para conduzir tais reformas, opina Max Wind-Cowie, do instituto britânico de pesquisa Demos. "Ele não é um homem capaz de fazer esse tipo de mudança por conta do seu ego e da maneira como lida com o poder."

Os protestos também são vistos com certa ressalva por John Barber, professor de política russa na Universidade de Cambridge. "As manifestações mostram um despertar da sociedade, mas é preciso ir com calma. Na Ucrânia, o movimento conhecido como a Revolução Laranja, que levou milhares de pessoas a protestarem por menos corrupção e mais transparência na política, acabou não tendo o resultado desejado. Hoje, os índices de corrupção continuam tão ou mais altos quanto antes da revolução. É preciso, portanto, cautela ao nos referirmos a uma nova perestroika na Rússia."

As manifestações que têm tomado praças e ruas de Moscou e São Petersburgo até agora têm sido pacíficas, mas os analistas não descartam uma repressão violenta por parte do governo dependendo do desenrolar dos resultados das eleições. "Os protestos têm sido tranquilos. Esperamos que continuem assim, mas vários fatores podem influenciar, como o conflito no Cáucaso, em especial com a Chechênia."