Especialistas dizem que Bento 16 terminou papado sem resolver problemas herdados de João Paulo 2º
Em oito anos de papado, Bento 16 não conseguiu resolver nenhum dos problemas herdados pelo seu antecessor João Paulo 2º. Foi o que apontaram os especialistas entrevistados pelo UOL, ao avaliarem a gestão do atual papa emérito, que renunciou ao cargo mais alto e mais disputado da Igreja Católica no dia 28 de fevereiro.
"Quando Bento 16 foi eleito, em abril de 2005, todo mundo esperava e clamava por modificações e modernidade", relatou o vaticanólogo Giancarlo Nardi, que disse que a expectativa era que em sua gestão ele pudesse dar respostas a cinco problemas considerados essenciais, mas renegadas por seu antecessor: celibato dos padres, aborto, células-tronco, casamento homoafetivo e adoção de crianças por casais homossexuais. "E, mais uma vez, nenhuma dessas questões sequer foram debatidas".
O pontífice, como avaliou o padre José Antonio Trasferetti, doutor em teologia moral e professor da PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), não soube resolver os conflitos internos da Igreja e não teve "ousadia" para lidar com os assuntos da atualidade. "Questões que deveriam ser resolvidas com urgência e de forma clara e transparente, mas, que não foram."
Assim como seu antecessor, Bento 16 se omitiu e arquivou o debate relacionado às questões morais mantendo a postura conservadora, porém, como apontou o vaticanólogo, sem o mesmo carisma de João Paulo 2º. "Bento 16 conseguiu compensar sua timidez, com os seus conhecimentos teológicos. E enquanto seu antecessor atraia multidão pelo carisma, ele conseguiu a atenção dos fiéis com os seus discursos", comparou Trasferetti.
Até dezembro de 2012, segundo o Vaticano, Bento 16 presidiu 348 audiências gerais, das quais participaram 4,9 milhões de pessoas. O maior número de fiéis foi registrado em 2006, quando presidiu 45 audiências, das quais participaram mais de 1 milhão de pessoas. Em 2013, em sua última audiência pública como papa, ele conseguiu reunir aproximadamente 100 mil fiéis.
Ainda assim Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo da libertação, afirmou discordar com a "linha teológica" e a compreensão de "ministério papal" de Bento 16. "O Conselho Vaticano 2º propôs a colegialidade dos bispos e a importância das igrejas locais como autônomas. Mas, nas últimas décadas, muitos por influência do então cardeal Joseph Ratzinger, a centralização de Roma aumentou com a adoção de um papado no estilo rei."
Uma conduta que, para Barros, não é boa para a Igreja Católica. "Qualquer empresa entende que a globalização exige o caminho da descentralização, principalmente em um mundo tão plural como nosso", afirmou ao questionar: "Por que pedir para um cristão africano que se seja travestido de italiano, francês ou de espanhol para ser católico? Por que ele não pode ser cristão sendo negro e resguardado seus valores e cultura? E o asiático igual, o latino americano igual e assim por diante".
Faltou ainda, segundo Traceretti, "habilidade" do atual papa emérito em sua função administrativa. "Ser papa não se resume a missão pastoral e intelectual, também inclui atividades relacionadas à administração e à comunicação. E nesses dois quesitos Bento 16 falhou", disse.
Falhas administrativas que, conforme Nardi, estão evidentes na diminuição da renda do Vaticano. "Atualmente, os gastos do Estado-membro da Igreja Católica são maiores que sua receita." Segundo o balanço da Santa Sé, O vaticano fechou 2011 com déficit de US$ 19,9 milhões. Enquanto os gastos totais foram estimados em US$ 353 milhões (R$ 694 milhões), as receitas foram de US$ 333 (R$ 655 milhões).
No que se refere à comunicação, ainda que o papa Bento 16 tenha sido o primeiro a usar as redes sociais para se comunicar com os fiéis, o pontífice, na opinião do padre Traceretti, não conseguiu dialogar com o mundo sobre os temas de fronteira, entre eles o uso da camisinha, a ordenação de mulheres e o aborto. "São temas complexos, mas que mesmo assim mereciam atenção para proporcionar mais proximidade dos católicos com a igreja. Isso não quer dizer que o papa tenha que aprovar tudo, mas que ao menos saiba dialogar."
Traceretti arrisca a dizer que o próximo papa deva ter a inteligência de Bento 16, o carisma de João Paulo 2º, a ousadia de João 23 e a visão administrativa de Paulo 6º.
Outros problemas
A gestão de Bento 16 ganhou uma proporção ainda maior com as denúncias de abuso sexual envolvendo padres e bispos como o "silêncio" de cardeais, os escândalos do vazamento de documentos confidenciais do Vaticano, que rendeu a condenação do mordomo de Bento 16 e de um analista de sistema.
E, mais recentemente, a confirmação da existência de um dossiê com a descrição de lutas internas pelo poder e pelo dinheiro, assim como o sistema de chantagens internas baseadas em fraquezas sexuais, o chamado "lobby gay" do Vaticano.
"Escândalos que sempre existiram e não tão já vão acabar tão já", disse Nardi.
Bento 16 também não conseguiu desenfrear a queda no número de fiéis da Igreja Católica. No Brasil, o maior país do mundo em números de católicos nominais, a religião perdeu 9,4% de fieis entre 1991 e 2010, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
"Não credito essa perda ao papado de Bento 16. É decorrência de um mundo mais diversificado, com mais liberdade de escolhas e mais contatos entre as diferentes culturas", apontou o teólogo da libertação. "Penso que isso é positivo. Não é motivo de crise para nenhuma religião ou Igreja."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.