Mãe de desaparecidos na ditadura argentina diz que Francisco "chegou tarde demais"
A escolha do argentino Jorge Mario Bergoglio, 76, como o novo papa, Francisco, nesta quarta-feira (13), causou controvérsia entre associações de direitos humanos do país. O cardeal é suspeito de ter sido cúmplice em crimes cometidos pela última ditadura militar na Argentina (1976-1983).
Ele foi chefe da Congregação Jesuíta entre 1973 e 1979 e é acusado de ter colaborado com o sequestro de Francisco Jalics e Orlando Yorio, sacerdotes e seus então companheiros na entidade.
A denúncia partiu do jornalista Horacio Verbitsky, presidente da ONG Cels (Centro de Estudios Legales y Sociales). No livro “O Silêncio”, ele se apoia em declarações de Yorio, um dos jesuítas sequestrados, morto em 2000.
Apesar de guardar algumas palavras benevolentes sobre a atuação do novo papa junto aos mais humildes, Lita Boitano, 81, presidente da Associação de Familiares de Desaparecidos e Presos por Razões Políticas, diz que “sobre os desaparecidos, presos e assassinados, ele chegou tarde demais”.
Segundo ela, “Bergoglio nunca fez uma autocrítica da Igreja. Não acho que teve o melhor comportamento sobre isso, portanto”.
Lita teve dois filhos desaparecidos durante o período e fundou o primeiro grupo que contestou e lutou contra os militares, apenas seis meses após o golpe de 1976. Ela afirma categoricamente que “a hierarquia eclesiástica nunca esteve comprometida com a nossa causa”.
Católica declarada, Lita esteve exilada justamente na Itália entre 1979 e 1983 e, apesar das críticas, à postura da Igreja quanto à repressão no país, afirma que conseguiu manter a fé até hoje.
“Agradeço a Deus por não ter perdido a fé durante os anos em que vivi em Roma, porque se há um lugar que pode acabar com a fé de uma pessoa, este lugar é o Vaticano”.
Autor de denúncia prevê retrocesso
O advogado Marcelo Parrilli foi o primeiro a denunciar penalmente Jorge Bergoglio pelo suposto envolvimento com o sequestro dos dois sacerdotes. A causa, que teve início em 2005, não avançou e ainda está em processo de investigação.
“Agora então acho que não vai avançar nem mais um passo”, prevê o advogado, com ironia. Para ele, a lentidão está claramente relacionada ao poder da Igreja Católica. Nas audiências de instrução, Bergoglio sequer depôs como réu, mas como testemunha do caso.
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Assim como Lita, Parrilli coincide com o perfil de militante popular e humilde do novo pontífice, mas diz que esse retrato na verdade tem a ver com a linha da Igreja Católica argentina.
“É uma das mais conservadoras do mundo. E como acabamos de sair do pontificado de um papa como Ratzinger, que foi membro da juventude hitlerista, acho que Bergoglio é visto quase como um progressista”, analisa, mais uma vez com ironia.
A atual titular das Mães da Praça de Maio (entidade que luta pelos direitos dos desaparecidos políticos), Hebe de Bonafini, coincidentemente está na Itália, onde foi receber uma condecoração. A instituição afirmou que divulgará um comunicado sobre a escolha de Bergoglio nesta quinta-feira (14).
Estela de Carloto, presidente das Avós da Praça de Maio, tampouco se pronunciou sobre o assunto, mas o grupo também deve divulgar uma nota sobre a escolha de Francisco.
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