Feira na Espanha promove produtos ligados a uso e cultivo da maconha

Lígia Roca e Mariana Pasini

Do UOL, em Barcelona (Espanha)

Em meados de 2001, o suíço Jürg Zwicky teve a ideia para um negócio e não poupou esforços para empreendê-lo. Junto com alguns colegas, ele viajou pela Europa medindo o diâmetro dos diferentes baseados do continente. Com essas informações, criou um filtro feito de celulose adaptável que, segundo seu criador, retém a nicotina e outras substâncias tóxicas e exalta os efeitos do THC (sigla para tetrahidrocanabinol, princípio ativo da maconha responsável pela ação alucinógena no usuário).

Treze anos depois, Zwicky mostra seu negócio junto a outros empreendedores durante a 16ª edição da Spannabis, tradicional feira em Cornellà de Llobregat, perto de Barcelona (Espanha), dedicada a produtos ligados à cannabis. Seus filtros, da marca Jilter, são vendidos em caixas de 42 a 45 unidades por 1 euro ou em sacos de mil por 10 euros.

O inusitado da proposta e a impossibilidade de ligá-lo diretamente a uma substância ilícita são características presentes nos negócios pesquisados pelo UOL durante a feira.

De acordo com os próprios expositores, a maneira como o consumidor utiliza o produto é uma responsabilidade que já não os concerne mais. "Os humanos decidem sobre o que colocarão na frente do filtro, eu não digo o que colocar lá", conta Zwicky.

Produto é alternativa para setores muito competitivos

A organização da feira não soube estimar quanto o mercado de cannabis movimenta a cada ano. Mas o setor dá indícios de ser tão promissor que algumas empresas estão percebendo na erva um caminho para expandir seus nichos comerciais.
 
Um exemplo disso é a Indoor Novatec. Tradicional no setor de automação elétrica, se viu obrigada a procurar novos mercados quando a área da construção civil, à qual estava atrelada, e seu faturamento sofreram o impacto da crise. Investiram no ramo de invernadeiros (estufas) e growshops (lojas que vendem ferramentas para o cultivo) e há dois anos participam da Spannabis.
 
"Temos uma competitividade dura com os produtos chineses, que possuem preços muito inferiores", explica Oriol Berga, representante da empresa.

A vantagem, ele diz, é que a importação da China tem também uma qualidade inferior. "A maconha é uma planta cara, é um mercado que paga por bons produtos para adquirir boas plantas", completa.

Produtos híbridos miram diferentes economias

Mike Diamond, da inglesa Oda Fresh, criou um produto natural que desodoriza o ambiente, ideia pensada inicialmente para suprir a demanda dos cultivadores de maconha. Atualmente, a maior parte de suas vendas, cerca de 70%, se baseia no mercado canábico. Mas os outros 30% circulam por nichos que não têm nada a ver com a erva: 25% no setor de animais e 5% em enfermagem doméstica.
 
A CF Groups, fabricante de filtros de carvão, também circula em ramos distintos. Apesar de trabalhar com grandes compradores, como postos de gasolina e aeroportos, reconhece que a cannabis tem uma certa vantagem na liderança de vendas.

Associação à droga ainda é perigo para os negócios

Algumas empresas, porém, ainda não querem ter seu nome associado à maconha. Um exemplo disso é a companhia inglesa Hydrogarden, dedicada à venda em atacado de produtos como lâmpadas, controladores de temperatura e umidade e armários para cultivar a cannabis.

Miriam Puertos, representante espanhola da companhia, afirma que 100% dos seus produtos são ligados ao cultivo indoor da maconha no país ibérico, mas que mesmo assim não há referências à droga em seus materiais.

"Não colocamos anúncios em revistas nem nada. Não queremos fechar as portas para outros possíveis setores", diz.

Puertos é a única entre os representantes consultados pelo UOL que arrisca dizer o faturamento da empresa: 50 mil euros por mês na Espanha.
 
Mas há aqueles que pensam diferente, como os representantes do Smart Pot, um vaso de poliuretano que supostamente permite uma maior oxigenação das raízes comparado a vasos usuais.

A empresa americana existe desde a década de 1970 e atua em dois ramos, o de árvores e o de cannabis. Na Espanha, assim como a Hydrogarden, estimam que 100% da venda de seu produto é para o cultivo de maconha.

Eles explicam que legalmente não se arriscam e não fazem referências à cannabis em países onde ela é proibida, mas não veem problema em ter sua marca associada à planta. "Participamos de feiras como a Spannabis, mas não fazemos nada direcionado à maconha, apesar de hoje isso não ser mais um tabu", diz Charles Jackson.

Relembre: Em 2013, Marcha da Maconha foi realizada no Brasil
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De olho no mercado latino-americano

As mudanças legais que vêm acontecendo na América do Sul, como a recente legalização da maconha ocorrida no Uruguai, já atraem olhares comerciais para a região. Algumas empresas entrevistadas contaram que têm dialogado com parceiros na Argentina e no Uruguai, além da intenção de participar da próxima ExpoWeed, a maior do continente sul-americano e que teve sua primeira edição em Santiago (Chile) em 2013.

A lei espanhola penaliza com multas de 300 euros a 6.000 euros o porte e o consumo de maconha em locais públicos. O tráfico é proibido, mas o autocultivo - isto é, plantar para consumo próprio - é despenalizado.

As definições legais do autocultivo, na realidade, são nebulosas. O Estado tolera esse tipo de ação, mas não deixa claro a quantia permitida, o que gera brechas na legislação. Em teoria, quando um cultivo é denunciado, as plantas são pesadas e levadas para que um juiz defina a legalidade do ato.

Esse vazio jurídico favorece o surgimento de clubes de consumo coletivo. É como se o usuário dessas associações cedesse sua cota de cultivo para que o clube plante por ele.

Segundo o guia das Bases Éticas e Legais para os Clubes Sociais de Cannabis da Federação de Associações Canábicas da Catalunha, o Tribunal Supremo da Espanha estabeleceu "em diversas sentenças que, assim como não é sancionável que uma pessoa realize os atos dirigidos para o autoconsumo, tampouco é sancionável que várias pessoas, já consumidoras, se juntem com o mesmo fim, sempre que nenhuma delas atue como intermediário com ânimo de lucro".

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