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Guerra na Síria tem jogo de interesses entre potências e dinheiro estrangeiro; entenda

Moradores passam por prédios destruídos em Arbin, em Ghouta Oriental, na Síria - Abdulmonam Eassa/ AFP
Moradores passam por prédios destruídos em Arbin, em Ghouta Oriental, na Síria Imagem: Abdulmonam Eassa/ AFP

Carolina Ingizza

Do UOL, em São Paulo

27/02/2018 04h00

No final do ano passado, os sírios puderam respirar um pouco mais aliviados após anunciar que o grupo extremista Estado Islâmico havia perdido quase a totalidade de seus territórios na Síria e no Iraque. Contudo, o enfraquecimento do grupo extremista não significa que a guerra civil síria, que já dura sete anos, está perto de acabar.

Desde o dia 18, no país, morreram mais de 500 pessoas, incluindo crianças e mulheres, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos. As mortes, em sua maioria, são decorrência da ofensiva liderada pelas tropas que defendem o presidente Bashar al-Assad, no poder desde o ano 2000, sobre a região de Ghouta Oriental, controlada por rebeldes na periferia de Damasco.

Para o professor Márcio Scalercio, do Instituto de Relações Internacionais da PUC do Rio de Janeiro, a recente ofensiva em Ghouta Oriental é uma tentativa do governo de se impor sobre a totalidade do território. "O problema é que lá, além dos grupos rebeldes, há muitos civis tentando sobreviver, como aconteceu em Aleppo", diz.

Na semana passada, pelo menos seis hospitais de Ghouta Oriental foram bombardeados. O Conselho de Segurança da ONU, que inclui a Rússia, aprovou a resolução que pede a trégua de 30 dias no sábado. A intensidade do bombardeio diminuiu desde então, mas mesmo assim matou pelo menos 12 pessoas, segundo o Observatório.

Para a ONU, mediar os conflitos na Síria é extremamente complicado, visto que dois membros permanentes do Conselho de Segurança estão envolvidos no conflito: os Estados Unidos e a Rússia. Ambos têm poder de veto, o que dificulta uma ação efetiva da organização.

Em uma entrevista à imprensa em Moscou, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov se pronunciou sobre o pedido de cessar-fogo na região de Ghouta Oriental: "Onde estão as garantias que os grupos armados vão respeitar durante esta trégua humanitária? E onde estão as garantias de que eles não vão continuar bombardeando os bairros residenciais de Damasco? Essas garantias não foram dadas".

A Rússia, desde o final de 2015, se posicionou no conflito ao lado de Bashar al-Assad no que chamou de luta contra o terrorismo. Com a guerra, o país espera retomar sua influência no cenário internacional e no Oriente Médio. Para Assad, a ajuda russa foi essencial para recuperar territórios tomados por rebeldes e se estabelecer como a força proeminente da guerra civil.

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Antes da entrada dos russos, as forças pró-Assad estavam sendo financiadas pelo Irã, que quer barrar os Estados Unidos, diminuir a influência de Israel e se estabelecer como uma potência na região.

O envolvimento do Irã, por sua vez, forçou Israel a entrar na guerra, já que os israelenses, juntos aos sauditas, temem uma consolidação do Irã como um líder no Oriente Médio.

os Estados Unidos alegam que só entraram na Síria para barrar os avanços do Estado Islâmico no país e que estão próximos de seu objetivo. Na sexta-feira à tarde, Trump, contudo, comentou os recentes bombardeios em Ghouta Oriental em uma  entrevista à imprensa junto ao primeiro-ministro australiano, Malcolm Turnbull. "O que Rússia, Irã e Síria fizeram recentemente é uma desgraça humanitária", disse o presidente.

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O conflito curdo

Longe de Ghouta Oriental as tensões também aumentam. No norte do país, na região de Afrin, desde o dia 20 de janeiro há um conflito entre o exército da Turquia e militantes curdos que lutaram contra o Estado Islâmico.

O enclave curdo faz parte de uma coalizão árabe-curda, apoiada pelos Estados Unidos, da qual faz parte a milícia curda Unidades de Proteção do Povo (YPG).

Para a Turquia, as milícias curdas que lutam por um estado próprio, o “Curdistão”, é uma ameaça a direta a seu território. Por isso, Ancara iniciou uma ofensiva para retirar os curdos da fronteira norte da Síria, que faz divisa com a Turquia.

O ponto de tensão maior, contudo, se dá com os Estados Unidos, aliados da Turquia na aliança militar da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). O país americano já estabeleceu bases na região e recentemente pediu que a Turquia contenha seus ataques.

A Turquia, por sua vez, reafirmou suas intenções de impedir a criação de um domínio da YPG na área.

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Perspectivas 

Na opinião do professor Scalercio, a guerra civil síria não teria condições financeiras de durar tanto se não fossem os financiamentos estrangeiros para ambos os lados combatentes.

Após sete anos, no entanto, as tropas de Assad se destacam no conflito e já recuperaram grande parte do território nacional. Para o professor, a guerra só deve acabar com a vitória de um dos lados.

"A lógica do conflito da Síria é uma lógica de guerra civil, e em geral esse tipo de guerra só acaba quando um lado vence, não há muitas perspectivas de acordo", diz Scalercio.

Hoje, mais de 13,1 milhões de sírios precisam de ajuda humanitária, incluindo os 6,1 milhões de deslocados dentro do país desde o início, em 2011, de uma guerra civil que matou mais de 340.000 pessoas. (Com agências internacionais)