Encontro entre Kim e Moon é só o começo: um acordo de paz precisa passar por EUA e China
Apesar do bem-sucedido encontro entre o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, que concordaram em substituir ainda este ano o armistício que definiu a trégua na guerra entre as Coreias por um "regime de paz sólido e permanente", a solução para a questão ainda está distante e precisa envolver diretamente Estados Unidos e China.
A reunião entre Norte e Sul, que ocorreu nessa sexta-feira (27) é a primeira de muitas etapas. A próxima, com maior expectativa, é justamente o encontro de Kim com o presidente norte-americano, Donald Trump.
"Duas questões iniciais são mais aparentes: primeiro, um tratado de paz provavelmente precisará ser assinado por China e EUA, além das Coreias do Norte e do Sul. Em segundo lugar, o desmantelamento nuclear da península coreana, um termo que permite a Seul dizer que Kim concordou com a desnuclearização, enquanto permite que Pyongyang associe sua desnuclearização à diminuição da força da aliança entre EUA e Coreia do Sul", diz Abraham Denmark, diretor do programa de Ásia do Wilson Center, em referência à presença de militares norte-americanos na Coreia do Sul.
Mais uma vez, bola com os EUA
A linguagem e o tom da declaração da cúpula intercoreana lembram outras duas tentativas de acordo pela paz entre os países, em 1994 e 2007, que não tiveram sucesso. O encontro entre Kim e Moon, televisionado para o mundo todo --e principalmente dentro das Coreias--, foi uma preparação para o terreno para a reunião com Trump. No passado, os EUA conseguiram dois acordos nucleares com o pai de Kim Jong-un, Kim Jong-il --com os presidentes Bill Clinton e George W. Bush. Mas Pyongyang não honrou o acordo.
"No passado, as outras cúpulas intercoreanas já tinham proposto o fim do armistício e a assinatura de um tratado de paz, e isso não foi cumprido. Agora, o que vejo como um sinal favorável, é o fato de que há uma relação muito próxima estrategicamente do presidente da China, Xi Jinping, e podemos ver isso pelas declarações feitas imediatamente após a declaração conjunta", disse o pesquisador Eduardo Hernández, fundador do Círculo Mexicano de Estudos Coreanos.
Em sua nota oficial, o governo chinês afirmou que espera desempenhar um papel ativo nas negociações --vale lembrar que a primeira visita internacional de Kim Jong-un foi justamente ao presidente chinês no final de março.
O especialista em Coreia do Norte lembra ainda que, em sua declaração na sexta, Trump tentou reivindicar o triunfo da declaração das Coreias, ao dizer que era uma vitória de seu governo --a Casa Branca chegou a divulgar, antes da cúpula, imagens de Kim reunido como o novo secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, sinalizando a proximidade do governo americano com o ditador, "um pouco para reforçar a narrativa de que, na verdade, os EUA promoveram o encontro intercoreano e por causa dos norte-americanos a reunião deu certo.
Trump também agradeceu a ajuda que seu "grande amigo, o presidente Xi da China, deu aos EUA, particularmente na fronteira com a Coreia do Norte. Sem ele, o processo teria sido muito mais longo e difícil".
"A China é um dos países que mais se interessam pela paz na região, já que o tema prioritário para Pequim agora é o desenvolvimento econômico", diz Hernández, fazendo referência ao fato de o governo chinês ter muitos investimentos nas duas Coreias e um aliado no Norte.
É claro que a China pode ter uma preocupação com a reunificação principalmente se isso significar a presença permanente dos americanos, já que este não é um cenário favorável para Pequim."
Mudança de retórica e de imagem de Kim
Um dos grandes sucessos da Coreia do Norte no encontro foi a gestão da imagem internacional de Kim Jong-un. "Antes, a imagem que tanto a imprensa internacional quanto a norte-coreana projetavam de Kim era a de um líder bélico, disposto a reagir contra qualquer ameaça usando todos os meios disponíveis, a de um líder irracional, com pouco interesse em manter a estabilidade da região. Desde janeiro deste ano, e principalmente no encontro com Moon, ele mostrou a imagem de um líder que está disposto a dialogar, não só com a Coreia do Sul, mas com o mundo todo e com os meios de comunicação", diz o pesquisador do Círculo Mexicano de Estudos Coreanos.
Kim adotou nos últimos meses uma narrativa mais branda, tanto nas sugestões de diálogo com a Coreia do Sul quanto em relação aos EUA. Nos Jogos Olímpicos de inverno, enviou sua irmã --que o acompanhou durante a cúpula desta sexta--, apresentando-a para o mundo como uma pessoa muito próxima dele e da política norte-coreana.
"Ele mudou seu discurso, tornou as peças-chave do regime norte-coreano públicas, com uma cara distinta e sinalizando uma mudança geracional. E tudo foi feito de de uma forma mais amável, negociável, com uma disposição distinta para o diálogo", diz Hernández. Nesse ponto, quando fugiu o protocolo e convidou o líder sul-coreano para pisar em solo norte-coreano, Kim mostrou que é flexível --e de fato o presidente sul-coreano foi convidado a visitar Pyongyang, e a viagem deve ocorrer ainda este ano.
Kim está tentando criar um capital para chegar até a reunião com Trump como um político disposto ao diálogo. A reunião deve ocorrer entre maio e junho, segundo o presidente norte-americano --especula-se que o encontro pode ser realizado na China ou em algum país asiático neutro.
Se a reunião com Trump falhar, ao menos na mídia, Kim pode argumentar que estava disposto ao diálogo, e poderia até culpar Trump pelo fracasso da reunião.
"Enquanto isso, Trump foi mais cauteloso do que Kim. O americano mudou sua retórica, mas com uma precaução muito maior", conclui o analista mexicano.
"Norte e Sul vão voltar a ser um só"
Apesar da reação positiva entre no mundo, especialmente entre os sul-coreanos, a declaração da cúpula, que cita a ideia da reunificação, desperta críticas de dois setores que resistem às negociações com o Norte: os mais jovens e os mais conservadores, principalmente mais velhos.
"Em geral, é difícil ser abertamente contrário ao que aconteceu, depois das imagens que se viu no encontro. A popularidade do Moon Jae-in é muito alta, de mais de 60% de aprovação entre a população. Os jovens, que apesar de acharem o ato muito bonito, não querem pagar a conta de uma unificação, por exemplo, cuja estimativa mais baixa é que custaria US$ 3 trilhões de dólares. Eles sabem que esse dinheiro tem que sair de algum lugar e provavelmente sairia do trabalho deles", explica Thiago Mattos, mestre em Relações Internacionais pela Uerj e pesquisador no Korean Development Institute, em Seul.
"Outro setor que não está tão eufórico são os mais velhos e conservadores, que gostariam de ver uma inserção norte-americana e a destruição da dinastia Kim. Eles acham que a única forma de conseguir a unificação é passar por cima militarmente. Mas são uma minoria, apesar de serem significativos", acrescenta Mattos.
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